Sobre “fazer alguma coisa” em vez de criticar (jornalismo e filosofia)
Ouvimos em diversas ocasiões ao realizarmos alguma crítica em uma conversa ou em uma rede social, a resposta de que deveríamos fazer alguma coisa em vez de criticarmos. Quem assim o diz, na verdade quer dizer que devemos levantar da cadeira e ir a luta em vez de escrevermos, falarmos ou postarmos algum comentário sobre o que vem nos incomodando nos mais variados contextos da sociedade. Ao analisarmos logicamente este enunciado, podemos observar a invalidade desse argumento e a fragilidade das premissas. Em primeiro lugar é um afronto à liberdade de expressão, pois ao menos de forma legitimada, temos em nosso país a democracia que nos permite – dentro dos limites do respeito e do bom senso – falarmos e escrevermos o que quisermos. Em segundo, o que é fazer alguma coisa? É pegar uma bandeira e ir às ruas? É vestir uma camiseta? É protestar contra o problema da água no mundo ficando com sede ou fazer justiça com as próprias mãos como temos assistindo? Enfim, essa afirmativa é uma aberração à intelectualidade e um argumento frágil, dito por quem desconhece o poder da palavra e a força das ideias. Esse pensamento é resultado da nossa sociedade mecanicista, operacionista e instrumentalista, onde o fazer torna-se mais importante que tudo, onde o ter é mais importante que o ser, resultado de uma funcionalidade capitalista que desconhece os aspectos intelectuais mais relevantes do ser humano que é a expressão, a comunicação e a filosofia, vetores das verdadeiras e mais consistentes transformações.
Se perguntarmos sobre a gênese de toda a história e humanidade, cada qual tenderá a fazer uma apologia a sua área de formação: O professor dirá que é a educação; o engenheiro dirá que são as invenções; o advogado dirá que são as leis e a justiça e assim por diante. Mas agora peço que antes de continuar a ler este texto, faça sua própria defesa do que é mais importante que tudo isso, deixando de lado, no entanto, a transcendência religiosa, ou seja, não falaremos de Deus nesta questão ou que Ele é o mais importante de tudo.
Tudo o que acontece no mundo tem uma só fonte una e inquestionável: a ideia. A ideia como resultado do pensamento, encontra-se no cerne de toda atividade humana. Tudo, absolutamente tudo, o que se materializa no mundo nasce no pensamento de alguém. Portanto, se relegarmos a importância e influência das ideais e das palavras, incorremos em uma ignorância tamanha que jamais nos levará ao esclarecimento. As ideais movem o mundo desde os mais remotos tempos. Toda revolução começa no campo das ideias e das teorias. Independentemente da fonte e origem que nossas crenças atribuem a ela (a ideia), é ela, que antecede a qualquer bem, ato, invenção, criação ou transformação no campo material e intelectual.
Se conhecermos mesmo que de forma elementar a história da humanidade, perceberemos a influência das ideias nas mais variadas guerras e revoluções. É claro que essa influência muitas vezes é negativa, mal colocada e também mal interpretada. A influência das ideias religiosas e filosóficas são refletidas até a contemporaneidade o que parece paradoxal frente a nossa sociedade mecanicista. Mas, mesmo o ato mecânico, precede de uma ideia que o formatou.
A comunicação é fonte essencial da perpetuação das ideias. A imprensa eterniza o pensamento. Tudo que é escrito influencia de alguma forma, no entanto o que é apenas pensado e não compartilhado é como uma luz com potencial que não se acende. Jornalistas e filósofos no decorrer da história, iniciaram importantes e decisivos eventos. Na modernidade, por exemplo, inspiraram movimentos como o Iluminismo, Renascentismo e Revolução Industrial, entre outros tantos eventos consideráveis na linha do tempo do mundo em que vivemos. No entanto, poucos ou nenhum deles empunhou bandeira, cartaz e foi às ruas, porém, na força de suas palavras, motivaram quem o fizesse. Quem escreve faz alguma coisa sim e contestar esse argumento é desconhecer a história e a forma pela qual o próprio mundo se desenhou.
Pragmatismo é sim fundamental. Em nenhum momento aqui digo que não se faz necessário engajarmo-nos em movimentos e causas sociais, entretanto, penso que cada um doa o que lhe de melhor possui. Se é a força do grito nas ruas, o mãos a obra ou as palavras silenciosas de um texto, tanto faz, o importante é contribuir e se contribui muito sentado em uma cadeira desde quando do outro lado tinha o papiro, a máquina de escrever ou agora o computador. Quem escreve influência de maneira imensa uma série de acontecimentos, por isso a palavra torna-se uma arma que infelizmente às vezes é mal usada e letal. Expressar-se, no entanto, não nós dá o direito de ofender, blasfemar ou caluniar quem quer que seja. Porém, observar de forma sociopolítica um acontecimento é um direito de qualquer cidadão pode exercer com respeito e que qualquer pessoa a qual se refira, pois todos nós estamos sujeitos à críticas no que fazemos e se levarmos para o lado pessoal incorreremos em uma ilusão ao pensamos que poderemos agradar a todos. Isto é impossível e todos somos sujeitos a erros e observações a respeito do nosso trabalho e conduto. Ressalvo no entanto, que características físicas e pessoais, ou seja, aquilo que independe da nossa escolha, se for alvo de críticas proveem de pessoas na qual devemos apenas ter pena por tamanha ignorância e falta de esclarecimento.
Ouvi de um amigo idoso um dia, que sentado e dependendo de muletas, era capaz de derrubar muitos que são capazes de correr como perdizes, apenas abrindo a boca. A palavra eleva ou rebaixa uma personalidade, um evento ou qualquer outro setor da sociedade. Se formos analisar, quando votamos em alguém nas urnas, estamos acreditando que essas sejam as pessoas que vão fazer alguma coisa para mudar alguma coisa.
Apesar das críticas infundadas e muitas vezes vazias que são destinadas à mídia e aos jornalistas, a evidência é indiscutível: é através da mídia e muitas vezes da investigação de veículos de comunicação que são desvelados escândalos diversos, invenções valiosas e informações importantes. A comunicação social presta um serviço indispensável a sociedade e nem por isso, os jornalistas vão às ruas fazer passeata, carreata ou manifestos. Nos limites das paredes das redações pelo mundo afora, sentados em suas cadeiras, jornalistas, articulistas ou demais pessoas que escreve em conhecem o poder das palavras que digitam e as repercussões que podem causar são capazes de denunciar e desposar governos, máfias e ceitas.
Assim como é inadmissível o desrespeito à comunicação é quanto aos filósofos. Como em todas as profissões certamente há os maus profissionais, mas aqui nos deteremos ao que se pensa ser o ideal do ofício. Ouvi recentemente um comentário de alguém afirmando que a filosofia se prestava a satisfazer egos e era indispensável. Uma outra ignorância de quem desconhece que tudo começa no campo das ideias. Os filósofos portanto, são justamente os que trabalham nesse embrião de tudo que a de vir no mundo: as ideias e os pensamentos. A filosofia é fundamental e está em todos os períodos históricos da humanidade e em todos os seres humanos. Mesmo sem nos darmos contas, estamos abordando questões filosóficas quando estamos diante de dilemas morais, questionando-nos sobre escolhas, arbítrio, felicidade, origem da vida e nosso papel no mundo. Academicamente portanto, assim como na comunicação, a filosofia analisa e problematiza tudo que há, com respaldo de ícones que citamos até mesmo sem saber direito quem são, tais como Sócrates e Platão. “Só sei que nada sei”, a frase que Sócrates encontrou no templo de Delfos, encerra a maioria das questões onde os porquês parecem infinitos.
Mas voltando ao “fazer alguma coisa”, pergunto o que move as pessoas que na prática fazem? O que move os protestos, manifestos, ações sociais de caridade, solidariedade ou motivação?
É lógico que tudo começou no campo das ideias! No pensamento dos envolvidos, a partir de alguma influência. Mas de onde vem essa motivação? Esse pensamento? De alguma leitura de um texto escrito por filósofo, sociólogo, jornalista, psicólogo ou qualquer cidadão comum com habilidade de externar em palavras as suas ideais. Na verdade, um único texto, livro, reportagem ou obra de qualquer espécie de um único autor, pode mover uma nação inteira. Então eu pergunto, isso não é fazer sua parte, não é “ir a luta”?