MOCINHOS E BANDIDOS
Apesar dos infindáveis e estranhos lançamentos que agitam os videoclubes, fico ainda com os antigos filmes de aventuras, desprovidos dos maravilhosos efeitos técnicos modernos.
Tudo que diz respeito a piratas, espadachins, arqueiros, faz-me suspender toda possível reflexão crítica sobre a alienação produzida pela cultura de massa e lançar-me no espaço aventuresco como qualquer alienado crônico.
No entanto, como qualquer espectador normal, sei que – principalmente nesses gêneros – as cartas estão marcadas: quem não consegue distinguir à primeira aparição o mocinho do bandido? Por uma visão denominada maniqueísta da realidade, há uma nítida separação física e moral entre os dois. O mocinho é bonito, simpático, forte, ágil, corajoso; possui olhar franco e fisionomia limpa e honesta.
Assim também os elementos que estão a seu lado apresentam-se impregnados senão de todas mas de algumas dessas qualidades. Seu “braço direito” é sempre fiel e corajoso, parecendo satisfeito em permanecer em segundo plano. Os anciões são sábios e prudentes. A mocinha, além de ser a mais bela, caracteriza-se pela nobreza de alma e desinteresse pela riqueza (apesar de ser quase sempre de origem nobre). Sua repulsa pelo vilão é imediata, bem como sua atração pelo mocinho.
Já o grupo liderado pelo bandido apresenta características contrárias. É marcado pela ganância, pelos atos sórdidos e traiçoeiros. Nesse grupo, a relação de amizade é frágil, alicerçada apenas em interesses comuns, e termina normalmente em traição.
A ação do filme conduz quase sempre a um confronto final entre os representantes máximos do bem e do mal (o famoso ajuste de contas). É aí que descarregamos simbolicamente a tensão e as frustrações acumuladas. Vibramos com os lances dessa batalha como se não soubéssemos antecipadamente a quem vai caber a vitória.
A batalha final é a culminância de uma “grande virada”, em que o mocinho consegue safar-se de uma situação claramente adversa (prisão, ferimento, falsa acusação, etc.), muitas vezes de forma não muito verossímil, e inicia um ritual de desmascaramento do vilão. Vendo-se despojado do poder ou de outras vantagens, conseguidas através da traição e da violência, ao vilão só resta uma cartada: partir para a agressão mortal ao mocinho.
Sim, já sabemos tudo que vai acontecer, e mesmo assim (ou por isso mesmo) envolvemo-nos até a alma na narração. Queremos saber como o mocinho irá provar sua inocência ou como será sua reconciliação com a amada. Como o bandido será desmascarado ou como será sua morte (aliás, merecida). De que modo o mocinho ajudará o povo espoliado a livrar-se do tirano usurpador e colocar em seu lugar o verdadeiro soberano, justo e bondoso.
São certezas que precisamos ter e que nos fazem bem, daí concluir que essas histórias de aventura são uma história única e imutável: a história de nossa necessidade psicológica de contar com um mundo justo e ordenado.