IDENTIDADE
IDENTIDADE
A busca pela liberdade é um desejo pela experiência de opressão e de fechamento. A busca pela identidade é um desejo de permanecer em si e não mais vaguear tateando sem saber onde aportar a própria realidade. O que realmente somos? Qual a nossa missão nesse mundo? Por que desse modo e nesse lugar e não diversamente? O que é ter uma Identidade? Quando é que sou eu realmente e não produto das circunstancias? Realmente sou quem sou ou sou quem serei ou quem pretendo ser? Quando sei que realmente o que quero e busco é o que desejo ou o que os outros inculcam em minha vida? Como conciliar aquilo que sou para os outros com o que vivo em primeira pessoa? Quais modelos tenho a seguir para poder ser quem quero ser? Identidade significa ser, com toda a minha história e futuro que me possibilita.
Conhecer-se é o único caminho para poder existir uma identidade de querer e ser, ainda que parcialmente. Esse princípio fundamental que esse não é aquele e vice versa, e que esse é esse, pois o que interessa são os nossos próprios valores, nossos próprios objetivos, nossa individualidade, nossa verdade. Para poder adentrar esse mundo de realização e de liberdade, faz-se mister uma ambiente de silêncio, para gerar algo profundo, uma atmosfera que faça frutificar a solidão e não permita cair na superficialidade. Essa é uma busca dos próprios arquétipos, da nossa unicidade em todos o universo, ou seja, da busca, do reconhecimento e da caracterização do nosso próprio “EU”.
A fragmentariedade que somos submetidos a nos deixar encaminhar, muitas vezes aprisiona, distorce, rotula e marginaliza se a figura nossa não corresponde ao desenho que exigem e pedem de nós. Cada um de nós é inconfundível entre todos e por isso mesmo o lugar de cada um pertence a si mesmo e somos realizados quando fazendo a diferença conseguimos integrar o que somos, com o que queremos e o que se esperam de nós. A dissociação entre essas dimensões leva, muitas vezes, a esquizofrenia comportamental, a síndrome que leva a uma bipolaridade entre o que se quer e o que está capaz de enfrentar para realizar os próprios sonhos. Não se pode ser quem se quer ou pretende ser vivendo à sobra, seja de pessoas, seja de instituições ou dos próprios medos. Muitas vezes precisa-se resgatar raízes, reestruturar relacionamentos, voltar a lugares e situações que possam dar uma impronta real e não ilusória à própria condição pessoal.
A única necessidade para ser feliz e nunca trair ou vender os próprios ideais em função de qualquer outra promessa, nem mesmo da salvação. A identidade se conquista curvando-se dentro de si mesmo e abrindo-se aos outros e isso não se adquire por decreto ou ausência de constrições, porque identidade quer dizer individualidade, responsabilidade, independência e interação e não egoísmo ou narcisismo. Ninguém é absoluto e compacto, o outro deve ser espelho diferenciado que deve me ajudar a ser quem sou. Não é um prolongamento e nem uma extensão de mim, e muito menos um outro eu, pois a minha identidade acontece reconhecendo e aceitando o eu da outra pessoa, não como pertencente a mim, mas outra realidade, que pode ser complementar, mas nunca idêntica à minha realidade.
Deixar as dependências, apaziguar o valor das criticas, das opiniões e dos elogios, talvez seja o início de um percurso de liberdade e de robusta identidade. Não colocar as conveniências acima dos próprios sonhos. Não se deixar abater ou determinar pelas barreiras ou dificuldades, pois quando não podemos ser um rio, podemos ao menos irrigar um pequeno pedaço de terra, ou seja, ha sempre uma possibilidade de prosseguir o próprio movimento. Esse processo exige humildade, capacidade de acolhimento, disponibilidade de amar a si mesmo, de amar os outros e de se deixar ser amado e não se levar pela prepotência, orgulho ou vaidade. As feridas podem causar cicatrizes mas não impedem de recompor o tecido, assim os cenários diversificados não impedem de compor o quadro da própria identidade. Negar a própria natureza, querer corresponder aos anseios dos outros, o medo da rejeição, a falta de um sentido real podem impedir essa busca que deve caracterizar cada um de nós, porque somos seres de tensão, suspensos entre dois mundos e é essa a nossa identidade. Não a chegada, mas o mesmo caminho, não a perfeição, mas o seu desejo, não a pátria, mas o itinerário até ela. A nossa identidade é ser essa areia movediça, que pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.
Aceitar a estruturante ambiguidade da nossa natureza pode nos ajudar a reconhecer e fortalecer a nossa identidade de seres transeuntes e paradoxais. Não ser pronto e acabado não é um defeito, mas uma marca de nosso ser irrealizado que se caracteriza pela busca e não pela conquista. Por isso as nossas frustrações, porque querem que sejamos bestas, anjos, deuses e nunca sujeito humano. A desconstrução e a descontinuidade não são resistência e imperfeição, mas o método como respirar a perfeição almejada. Não somos feitos para contemplar o divino, para seguir sua estrela. O nosso fracasso é se identificar com um desenho fixo e abandonar as outras possibilidades. Tudo que não se renova morre e essa é a lei da nossa mesma identidade, vai se fazendo paulatinamente e nunca totalizante. A incompreensão que temos de nossa mesma existencialidade é o que faz que sejamos o que somos, seres incompreendidos, reticentes e inconclusos e com aprendizados de felicidade.
Expresso toda essa busca pelo sentido e pelo desejo de realização e de felicidade nas palavras do pensador francês, Blaise Pascal:
“Quando penso na pequena duração da minha vida. Absorvida na eternidade anterior, no pequeno espaço que ocupa, fundido na imensidade dos espaços que ignora, aterro-me e me assombro de ver-me aqui e não alhures, pois não há razão alguma para que esteja aqui e não alhures, agora e não em outro qualquer momento. Quem me colocou nessas condições? Por onde e obra e necessidade de quem me foram designados esse lugar e esse momento? A lembrança de hospede de um dia que passa.
Ante a cegueira e a miséria do homem, diante do universo mudo, do homem sem luz, abandonado a si mesmo e como que perdido nesse rincão do universo, sem consciência de quem o colocou aí, nem do que veio fazer, nem do que lhe acontecerá depois da morte, ante o homem incapaz de qualquer conhecimento, invade-me o terror e sinto-me como alguém que levassem, durante o sono, para uma ilha deserta, e espantosa, e aí despertasse ignorante de seu paradeiro e impossibilitado de evadir-se. Vejo outras pessoas ao meu lado, aparentemente iguais a mim; pergunto-lhes se acham mais instruídas que eu, e eu me respondo pelo negativo; no entanto, esses miseráveis extraviados se apegam aos prazeres que encontram em torno de si. Quanto a mim, não consigo afeiçoar-me a tais objetos e, considerando que no que vejo há mais aparência do que outra coisa, procuro descobrir se deus não deixou algum sinal próprio.
● Só sei que o silencio eterno desse espaço infinito me apavora....
● E enquanto a esse deus que nos ignoram,,...!
Porque esse mundo finito e belo é tão difícil de se encontrar a felicidade? Por que são limitados meus conhecimentos, minha estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil? Que motivos levaram a natureza a faze-me assim, a escolher esse número em lugar de outro qualquer, desde que na infinidade dos números não há razões para tal preferência, nem nada que seja preferível a nada”? (Pascal)