Lei da Oferta e Demanda do Crime
Enquanto houver cometimento de crimes, contaremos vítimas e contabilizaremos danos, bem assim, observaremos a progressiva necessidade de maior segurança, em igual medida.
Cada dia mais, as pessoas buscam se proteger de um mundo cheio de lobos e, em razão disso, gastam seus recursos com dispositivos para aumentar sua proteção. Lá se vai o dinheiro que podia ser investido em educação, saúde, esporte, lazer se transformar em grades, portões, câmeras, armas e toda sorte de cursos, treinamentos, planos e outras coisas pretendendo aumentar a "autosegurança" física e patrimonial das famílias.
Tenebrosa é esta época, em que a morte pode resultar da busca pelo dinheiro, do crime capital pelo capital. A quem isso interessa? Não é essa capitalização do crime que emprega muitas pessoas? Outro dia ouvi o cidadão que instalou alarmes em minha casa que para ele não tem crise. De fato. A segurança pública pode estar em crise, mas, o mercado da segurança não.
Estamos em tempos em que o crime é encarada por muitos como atividade profissional e, portanto, organizada. Lamentável e sofrível ouvir isso e não ter muitos argumentos para contrapor. A quem interessa que o crime continue acontecendo? A quem interessa essa impotente economia de vidas?
Na segurança pública não temos visto muita evolução, ao contrário, o que percebemos é uma certa involução, mesmo diante dos esforços de quem com ela atua. Então, onde estão as raízes da violência? A sociedade e, por ela, a segurança pública continua chegando atrasada, depois do crime cometido, recolhendo corpos e procurando criminosos. Enquanto isso, o cidadão paga por hospitais, funerárias ou franquias de seguros. Mas, mesmo que a segurança pública tenha sucesso e apanhe o criminoso, a contraprestação social parece que nunca será suficiente para a família lesionada em seu bem mais caro, aquela que perde um ente querido. Afinal, a quem interessa a morte de alguém?
A desumanidade dos dias de hoje me faz pensar o quão a vida tem sido desvalorada pelas pessoas. Muitos discursos de intolerância, ódio e raiva surgem, ocasionados pela perda de um homem de bem, do bem e que somente fazia o bem se acaloram num momento como esse, em que perdemos o GM Roni Fernandes, no último 10 de julho de 2015, para um elemento que estava em condicional. Teve o Guarda Roni a infelicidade de encontrar este triste destino na calçada, depois de um assalto a uma distribuidora de doces. Logo ele, que tanto insistia que devíamos ver o lado mais doce da vida, valorizar as pessoas e seus direitos humanos. Nesses momentos questionamentos nossas próprias verdades e concepções de mundo ideal.
Mas, a razão deve ser mantida acima de tudo! O Roni nunca esteve errado. Portanto, devemos honrar suas palavras, tanto quanto ele foi um homem honrado. A violência nunca foi ou será a solução para a criminalidade. Isto, porque ela é, na verdade, a causa da criminalidade. Exato! Violência e criminalidade não são a mesma coisa. A violência se origina das relações humanas, antes mesmo de se materializar em crime tipificado pela lei penal. A violência nasce antes do crime, se nutre da falência sociedade e progride na ausência do poder público coercitivo sobre o indivíduo.
É evidente que a dificuldade de aceitação do triste fato ocorrido com o nobre GM Roni causou um sentimento de repulsa e, ao mesmo tempo, de impotência e, também, um forte desejo por justiça. Contudo, me pergunto o que seria justo. Coisas estas, que parecem tão rasas num mundo em que se vê a impunidade falar mais alto, causam uma espécie de sentimento coletivo de desalento. Mas, não podemos esquecer: Os bons sempre serão a maioria. O bem sempre prevalecerá ao mal. E, certo como o brilho da pessoa do Roni, o culpado pagará, cedo ou tarde, por tamanha atrocidade.
É duro, mas, nesses momentos, precisamos parar e refletir:
Até aonde vamos num mundo com tamanha banalidade, onde a vida vale menos que míseros trocados?
Até quando as falhas dos bons ou os erros dos poucos maus policiais serão vendidos nas pautas sensacionalistas generalizando a todos?
Até quando se culpará a defesa dos direitos fundamentais, com tanta luta conquistados e consagrados mundialmente, como indutora da fraqueza das punições dos que se desviam da lei?
Até quando continuaremos falando "bandido bom é bandido morto" e nada fazendo para impedir que jovens se tornem bandidos?
Até quando as instituições públicas, mesmo diante do dever ou da responsabilidade, se eximirão por bem fazer seu papel de amenização dos fatores que geram a violência?
Até quando estaremos procurando "os culpados" ao invés de realizar políticas públicas para evitar que o crime aconteça?
Até quando a sociedade se verá refém, tolerante ou indiferente aos atos de violência?
Sonho acordado... Talvez porque bebo na mesma fonte em que o Roni se hidratava. Aquela água cristalina que apregoa a fraternidade humana para um mundo melhor, sem violência.
Sim, eu sonho em ver uma sociedade melhor. Me pego sonhando com os dias em que ousaremos juntar as ações de prevenção à violência com as de repressão qualificada ao crime. Uma nova era que se alie os direitos humanos à função segurança pública. Enquanto acharmos que essas coisas se contrapõem umas às outras, sempre serão feitas de maneira incompleta e ineficaz.
Não seria ideal? Quanto mais a sociedade se ver atendida em seus direitos, menos a segurança pública precisará atuar. Quando mais oferta de direitos humanos, menos demanda por segurança pública.
Até quando a oferta do crime parecerá mais interessante do que a demanda pelo direito à vida? Espero e luto por um mundo com mais Ronis e menos ex-presidiários de moletom verde dividindo as mesmas calçadas.