Ratos de laboratório, o rebanho humano e o google

O google está criando algo, uma inteligência, que em breve será capaz de nos controlar como ratinhos em laboratório, a intenção é deliberada.

Funciona assim: foi construído um programa capaz de reconhecer e comparar determinados padrões, e de aperfeiçoar suas próprias hipóteses, ou seja, um programa capaz de identificar e comparar fatos, e de aprender com suas próprias observações. Seu ponto de partida é simples e óbvio: se você consultou informações sobre determinado produto, ele te direciona para propagandas de produtos análogos.

Acumulando informações sobre o hábito cotidiano de bilhões de pessoas, o programa vai descobrindo padrões recorrentes, por exemplo: quem compra o produto A, compra, em seguida, o produto B; assim, ao descobrir que você está comprando A, o programa te oferece a compra de marcas de B. Os passos iniciais desse processo são banais e aceitáveis, mas a máquina está se tornando inteligente, usando estratégias análogas às demonstradas por elas em partidas de xadrez, em corretores ortográficos, em reconhecimento de imagens e outros procedimentos nos quais alguns programas demonstram inequívocos padrões de inteligência. Corrigindo-se a si mesmo, testando suas próprias hipóteses, o programa vai aperfeiçoando suas análises, adquirindo um poder surpreendente de previsão de nossos hábitos e uma inusitada capacidade de controle sobre nós.

Quando entramos em um link sugerido por um amigo do facebook, por exemplo, costumamos receber 3 sugestões de links. Se sua leitura está em uma das linhas “favorecidas” pelo programa, o facebook te sugerirá, provavelmente, 3 links na mesma linha. Do contrário, quero dizer, se você entrou em um link de uma linha que desagrada ao facebook, ele pode tentar te distrair, te oferecendo, em seguida, links de outros assuntos que também te interessam, tirando-o da pista que o desagrada. Esta ação, relativamente sutil, já é executada pelo programa, variações em torno do tema logo serão implantadas, aperfeiçoando o controle sobre os indivíduos. Ou seja, o facebook faz uma avaliação e uma triagem dos links e guia, ou toca, as pessoas em direção a seus interesses.

Ilustrarei uma forma de controle banal e já utilizada: dois textos, A, e, B, defendendo visões opostas sobre determinado fenômeno são postadas na internet. Consideremos que o google seja tendencioso em relação ao tema, e esteja favorável à tendência A. Então, se você entra no link A, em seguida, ele te oferece outros 3 links batendo na mesma tecla, enfatizando o mesmo ponto de vista. Mas se você entra em B, link que não agrada ao facebook, então ele pode te oferecer 3 links diversos, o primeiro deles compatível com B, o segundo, sobre o mesmo tema, apresentando a visão oposta, A, e um terceiro, te desviando do tema, mostrando um link que não tem nenhuma relação com o tema tratado, mas que o google sabe que te interessa.

O leitor de A tenderá nesse caso, a reiterar leituras e conhecimentos reforçando sua opinião sobre o tema em A. O leitor de B tenderá a se dispersar. Links compatíveis com A ganharão destaque, e serão oferecidos a mais leitores; links do tipo B murcharão. Assim, de uma maneira bastante trivial, programas de uso generalizado como o google ou o facebook podem controlar, em alto grau, aquilo que lemos, mesmo sem uma censura direta, e também possível. Formas muitíssimo mais sutis de controle que a odiosa censura estão sendo implementadas e aperfeiçoadas. Os processos de retroalimentação envolvidos no fenômeno o tornam especialmente danoso. Tanto o leitor será cada vez mais afastado do tema que desagrada ao google, quanto o veiculador, cujas mensagens, boicotadas, passam a cair no vazio. Está sendo construído um sistema de censura perfeito, sem nenhum trauma. Calam-se as vozes dissonantes isolando-as placidamente em um limbo virtualmente inacessível.

A simples introdução de pesos diferenciados na determinação do acesso de nodos nas redes neurais utilizadas pode disparar esse processo; tal implementação é banal.

Esse modo de dominação surgiu com propósitos comerciais. Propagandas têm seu apelo fortemente amplificado pelo direcionamento. Um batom, por exemplo, pode interessar muitíssimo a algumas pessoas, e não a outras.

Direcionamentos políticos são ainda mais relevantes que os comerciais. Diretrizes consonantes com as impostas pelo google ganham ressonância, as dissonantes acabam sendo abafadas pelo imenso leviatã. Morrerão assim as dissidências, calar-se-ão as vozes dissidentes. Fermentarão apenas as ideias consonantes às do google, as que lhes forem apropriadas.

Dessa maneira banal, o google e o facebook vêm guiando coletivamente o rebanho, tarefa simples. Logo estarão determinando, uma a uma, as atividades dos indivíduos, controlando cada um de nossos passos como podemos fazer com animais de laboratório. Seremos tratados como abelhas, satisfeitas e obedientes.

Note que esse modo de dominação não se exerce através do chicote, mas com doçura, sutileza, adulação, lisonja, satisfação, prazer, e perfídia bizarra e macabra.

Gostaremos de nos entregar ao google, e ele nos recompensará por isso, criatura onipresente, e dotada de superpoderes. Deixaremos que o google guie cada um de nossos passos enquanto estivermos ao computador, leremos suas sugestões, compraremos os produtos oferecidos por ele. Também escreveremos e proporemos diretrizes consonantes aos desejos dessa criatura incorpórea, ou nossas palavras cairão no vazio. Pararemos de dizer as palavras tolas que desagradam ao google, que ele logo abafaria, tornando-as inúteis, e nem mais pensaremos dessas maneiras inúteis. Não alimentaremos ideias contrárias ao google, ou seremos esquecidos.

Será assim; estamos parasitados pela imensa criatura.

Google, facebook, e outros do mesmo gênero logo controlarão o grande rebanho humano, conduzindo-o conforme seus próprios desígnios. Em seguida, aperfeiçoarão suas técnicas e nos guiarão individualmente, passo a passo. E o farão com tal doçura que apreciaremos nossa escravidão.

Podemos tentar desacelerar esse processo criando uma rede descentralizada, independente e alternativa ao facebook. O facebook tem um controle central que lhe direciona. É possível construir uma rede análoga, idêntica em tudo a ele, mas descentralizada, composta por programas que se ligam diretamente uns aos outros, sem passar por uma conexão central, um paliativo que talvez nos proporcione um tempo adicional para construirmos nossas defesas individuais, e um sistema imune coletivo, embora o processo me pareça inexorável. A construção de tal programa é bem simples, mais difícil será fazer migrar um contingente considerável para a nova rede. A necessidade é urgente.