Pequeno Ensaio Sobre Questões de Filosofia - parte 32

O mundo e o dinheiro

Podemos imaginar um mundo em que o dinheiro não se fazia necessário; e esse mundo já existiu. É só retornarmos aos primeiros passos do homem sobre a face da Terra. As necessidades básicas eram satisfeitas pelas benesses naturais existente à disposição de todos. Isto vai muito além da ocorrência dos primeiros humanos como os conhecemos hoje. Não havia a ideia de valor comum das coisas materiais; o que importava era a satisfação do ser, ou seja, tudo era dádiva, tudo era bem vindo, à medida em que preenchesse uma deficiência momentânea e contribuísse para o bem estar.

Se este trouxesse felicidade, tanto melhor; seu usufruto perpetuar-se-ia, tornando indispensável o artigo. Mas como todas as coisas tendem à evolução e o homem não se satisfaz com o essencial, procurou-se e foi-se aquinhoado com nova forma de preenchimento do ego: o escambo. Este beneficiava mais uns do que outros, dado que cumpria o requisito básico, mesmo sendo simples meio de troca.

Nada havia entre as permutas a não ser o interesse das partes. Não se levava em conta o valor da coisa, mas sua necessidade. Isto não fazia rivalidades, até certo ponto não gerava sentimentos que conduzissem aos conflitos. O de que um não fazia questão, enchia de desejo o coração do outro e assim concluía-se a transação. Vemos, nesta origem das ações comerciais, que não é o objeto em si o deflagrador de contendas, mas a natureza animalesca do próprio homem que não o permite contentar-se com a aquilo que já o faria feliz. Deve ter sido esse impulso que norteou a decisão de Dario I ao decretar, na Pérsia, a cunhagem de metal para fins comerciais cinco séculos antes de Cristo.

Não posso ver no dinheiro a salvação para a alma, da mesma forma que não posso atribuir à falta dele a decadência do homem. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Se meu espirito está preenchido com as coisas que o dinheiro não compra, a posse das demais coisas advindas do dinheiro não tirará de mim o dom da felicidade, ainda que minha habitação se revista de ouro e prata.

Se sou feliz pela abundância do dinheiro, porque seria infeliz quando de sua falta? Alguma lacuna carente de nosso espirito clama por satisfação, ao comparar com outras, mais galardoadas, a situação econômica e a projeção social. Não dormimos, não mantemos o mesmo apetite e nem a mesma fisionomia de sempre se as cifras bancárias costumeiras não se fizerem presentes. O nosso melhor amigo o deixa de ser momentaneamente. O latido do cão vizinho aumenta de intensidade e o paladar da comida incomoda o estômago.

O que menos importa é o que nos fez felizes. Invejamos os passos mais firmes e confiantes dos que estão a nossa volta porque atribuímos a isso uma melhor condição financeira, uma mesa mais farta e uma família muito mais unida e harmonizada. Julgamos o mundo e a nós mesmos pelo que vai em nossos bolsos, como se o ontem e o amanhã tivessem sido tragados e esquecidos e não houvesse mais esperanças de salvação para uma alma tão empobrecida. Esses pesares, sopesados pela insistência da ilusão, impedindo um raciocínio lógico conduzir-nos-ão ao poço da infelicidade a não ser que pensamentos outros, suscitados por uma crença saudável, acorram em nosso auxílio.

Pode-se avaliar o caráter de uma pessoa pela forma com que ela encara o dinheiro. Toda a vida de um ser humano está programada para a incansável busca do sustento material e este será tanto mais garantido e compensador quanto maior for a decisão de se empenhar nessa busca. Um estômago bem forrado não carece de boas ideias e, do ponto de vista prático é tudo o que conta. Nossos deuses, invisíveis como a fome, não nos cobram tanta atenção; eles podem esperar. Mas as necessidades de alimentos e de enfeites parecem sempre mais urgentes do que a devoção espiritual e sempre assim será enquanto houver mundo. A saciedade e a fartura não impedem o homem de se associar à força superior, mas ele acha que sim, daí o aspecto da vida, pendente para o desequilíbrio nas áreas vitais. Em todas as atividades humanas, todas as conversas, desentendimentos, enfim, problemas que precisam ser resolvidos o dinheiro se faz presente; é o protagonista das altercações entre os homens.

Surge como solução para todos os males, reata laços que pareciam perdidos porque foi capaz de aniquilar sentimentos dissimulados; somente a magia do capital consegue essa façanha de ordenar relacionamentos que pareciam destruídos, mas que, como o Fênix, acabam renascendo das cinzas, perpetuando o jogo, financeiramente falando. Havendo dinheiro, facilita-se a falta de sinceridade, admite-se a inocência e até compactua-se com o cinismo. Longe estamos de compreender o real significado de ter dinheiro como longe estamos de habitar num mundo em que os recursos naturais substituirão a ânsia da extração invasiva que não deixa chances de o planeta restabelecer-se de suas mazelas. Assim como o dinheiro corrompe se seu uso não estiver embasado na sabedoria o mesmo dar-se-á com a Terra quando esta não mais conseguir nos abastecer de dinheiro na forma de suas riquezas que há muito já deixaram de ser naturais.

A vantagem de se viver desapegado das coisas grosseiras supera infinitamente os prazeres materiais advindos do acúmulo de dinheiro. Ele não é chaga, não é coisa que deva ser amaldiçoada, pois que sua força se resume a nada, pelo simples fato de ser matéria e matéria não fazer parte da natureza intrínseca do ser humano. A felicidade do espirito satisfeito com sua razão de ser, consciente do valor da vida é, de longe, superior àquela em que o dinheiro é peça primordial. Este estado de felicidade destoa da satisfação consigo mesmo, independente da ascensão a que se conseguiu chegar por meio da aquisição de bens. Unir os dois tipos de felicidade, a espiritual e a financeira seria o estado ideal, embora não seja fácil a manutenção deste balanceamento na escola da vida.

Há ricos providos de sensibilidade espiritual que fizeram a diferença no mundo, deixando atrás de si, rastros de sabedoria em como lidar com essas duas forças. A prova de que isto seja possível encontra-se no legado desses homens e mulheres que até hoje norteiam nossas ações. Alfred Nobel foi um exemplo nobre de dedicação à humanidade. A influência de Bertha Kinsky foi decisiva, ao lhe transmitir seus ideais pacifistas, o que contribuiu para a criação de uma fundação com o seu nome, que promovesse o bem-estar da Humanidade. O prêmio Nobel é um pequeno exemplo de como o dinheiro, utilizado por cabeças inteligentes, mas que têm por guia o coração, pode ser uma glória ao invés do que tem sido considerado pelos que nao possuem a correta visão espiritual.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 09/07/2015
Reeditado em 09/07/2015
Código do texto: T5305639
Classificação de conteúdo: seguro