A língua Portuguesa, por Paulo Leminski
[Adaptado]
A última flor de Lácio é um desastre.
Embora sejamos 140 milhões de pessoas a falá-la (Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Macau, Timor) o idioma de Camões continua sendo o túmulo do pensamento.
[Nota: Hoje mais de 20 anos depois deste texto ter sido escrito, só o Brasil há pelo menos 200 milhões de falantes do idioma cabralino)
Em termos planetários, escrever em português e ficar calado é mais ou menos a mesma coisa. Vejam só o que acontece com nosso maior prosador. Guimarães Rosa. Traduzidas para o francês, as obras de Rosa ("Grandes Sertões", inclusive) perdem toda sua aspereza jagunça, suas irregularidades, suas invenções. Rosa parece apenas um bangue-bangue.
Agora, quem quer aprender português?
Nem os intelectuais do "boom" literário latino-americano recente o conhecem.
A língua portuguesa é um desterro, um exílio, um confinamento.
Talvez não tenhamos valores literários suficientemente fortes para forçar nos estrangeiros o desejo ou a necessidade de aprender o português.
Que autores, daqui e além mar, teriam essa força?
Camões? Fernando Pessoa? Machado? Drummond? Oswald? Cabral? Rosa? A poesia concreta?
Não sei.
Sei que Pound aprendeu português nos anos 20 para ler Os Lusíadas, que ele considerava "full of sound of fury". [cheio do som da fúria]
E dizem que Erasmo de Rotterdam aprendeu português para ler Gil Vicente no original.
[1465-1537. Gil Vicente é considerado o primeiro grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Enquanto homem de teatro, parece ter também desempenhado as tarefas de músico, ator e encenador]
A palavra mais incrível criada na língua portuguesa em Portugal foi "saudade".
A mais incrível palavra criada em português no Brasil foi "jeito".
Nós, brasileiros, temos que dar um jeito de tornar a língua portuguesa mais forte, isto é, capaz de assimilar ataques de corsários ou invasões estrangeiras.
Embora a língua portuguesa seja o idioma de nossos ex-dominadores e colonizadores, é dela que é feita a substância da nossa alma.