QUERELA DAS LINGUAGENS
Ensaio
Se porventura pedíssemos a algum escritor para que hierarquizasse os tipos de linguagem da superior a inferior, cremos, ele certamente designaria a linguagem escrita como a mais importante e, por conseguinte, superior em relação às demais. Se por acaso fizéssemos o mesmo pedido a algum homem de estado ficaríamos surpreso se sua resposta não fosse aquela que afirma que a linguagem oral é superior às outras, pois é por meio dela que se vai ao coração do povo. Dos dois, escritor e homem de estado, muito provavelmente discordaria o artista pictórico, o escultor, o fotografo, etc. uma vez que para estes a linguagem imagética, em uma escala hierárquica, está acima das demais.
Qualquer escritor - ou alguém de modo geral que lidar com as palavras escritas - que não defender a tese de que a linguagem escrita é superior às outras, qualquer homem de estado que não assumir a posição de superioridade da linguagem oral perante as demais e qualquer artista – pictórico, escultor, fotógrafo, etc. – que não elevar a linguagem imagética ao status de maior das linguagens, julgamos, não será considerado um sério escritor, homem de estado ou artista em suas comunidades.
Em todo caso, surge o questionamento: quem está com a razão nesta querela das linguagens? O escritor, o homem de estado ou artista? Nenhum deles, segundo nosso juízo. Hierarquizar as linguagens em superior e inferior é uma atitude prescindível, uma vez que, a seu modo, todas elas contribuem para o que poderíamos chamar de linguagem integral.
Mas e se porventura discordasse o escritor – ou aqueles que de modo geral lidam com as palavras escritas - da nossa visão equânime acerca das linguagens? O que diríamos a ele em defesa da nossa posição? Pois bem, começaríamos afirmando que, não obstante a linguagem escrita ter sido e ser o meio propagador de cultura (s), filosofia (s), ciência (s), etc. ainda assim ela possui a particularidade de não ser exitosa em expressar – ou externar – todo o conteúdo de um pensamento – seja de um individuo, seja de uma cultura, seja de um povo. Uma linguagem que afirma, mas que tudo não afirma não pode, arbitrariamente, ser elevada a categoria de mais importante das linguagens.
Do mesmo modo, caso nos requeresse o homem de estado argumentos que sustentam nossa visão de igualdade perante as linguagens, e por conseguinte a não superioridade da linguagem oral sobre as outras, este seria o principal: a linguagem oral não pode ser entendida como a superior das linguagens, pois ela, tal como a linguagem escrita, afirma, mas nem tudo afirma. Entre o que é originalmente pensado – individualmente, coletivamente – e o que é posteriormente afirmado perde-se muito, de modo que uma vez mais conteúdos ficam no não-afirmado – no não-dito.
E em relação à linguagem imagética? Por qual motivo não seria ela superior às demais, nos reclamaria os artistas que lidam com a imagem. Embora ela possua a virtude de afirmar, em muitos casos, aquilo que não fora possível ser afirmado por meio das linguagens escrita e oral, aqui entra a questão dos sentimentos, ela possui também a característica de ser limitada na afirmação de pensamentos.
Partindo do pressuposto de que nenhuma das linguagens possui a virtude de tudo afirmar, portanto, julgamos infrutífero e arbitrário a tentativa de criar entre elas qualquer gênero de hierarquia. Cada qual possui suas virtudes e defeitos. O que escapa ao poder de afirmação da linguagem oral a linguagem escrita afirma e o que ambas não conseguem afirmar a linguagem imagética afirma.
Rafael Oliveira, Florianópolis 2015.