Pequeno Ensaio sobre questões de filosofia - parte 27
A força da matéria
Até onde teria a matéria força para sobrepujar a predominância do espirito na vida do ser humano? Essa é uma questão que requer análise. Qual seria a vantagem de possuir um corpo material comandado pelo instinto, sujeito a uma série de transformações, apoiado pela ‘proteção’ de um acaso desconhecido ou, no máximo, pelas mãos aprendizes da ciência humana? Se o homem não passa de um corpo físico, limitado e finito não poderia ter essa denominação: homem, mas qualquer coisa comparável a todo e qualquer ser vivente animal. Qual seria, então, o papel da mente dentro da evolução? Sendo a inteligência atributo de todo e qualquer ser possuidor de mente, a do ser humano não só supera como transcende a tudo que se entende por manifestação anímica. Jamais se soube de um outro ser, além do homem, portador da capacidade de projetar e levar à cabo magníficas construções arquitetônicas, por exemplo. Isto dá uma ideia do incrível poder da mente humana. Baseados neste argumento podemos afirmar, de maneira insofismável, que o homem é um ser divino à frente de toda criação. Embora seja a matéria que constitui a formação dos seres, sua força é limitada e tudo que tem por apoio e garantia a supremacia da matéria tende também a limitação; não importa qual seja a área ou circunstância, aquilo que se prende com exclusividade à matéria caminha junto com sua limitação.
A força invisível é inimaginável, a ver pelos fatos que qualquer de nós já deve ter testemunhado. Nosso subconsciente está por trás das evocações do mundo desconhecido. Enquanto pautados pelas convicções materiais jamais teremos acesso às possibilidades do espirito, isto porque o materialismo não abre brechas a esse tipo de investigação. Contudo, mesmo os materialistas não descartam a influência de forças que fogem a nossa compreensão; insinuam que nada foge à compreensão deles, mas esse ponto de vista é próprio do materialismo por ser de sua natureza a falta de profundidade nas análises daquilo que nos é concernente, nesse caso, a predominância do espirito sobre a matéria. Não existe o que não foi criado; o acaso não passa de argumento de quem não possui argumento. Se entendermos que o cérebro é uma criação da mente; que vive por intermédio desta e não o contrário, como se quer propalar, daremos aí um salto fundamental no entendimento do que vem a ser o homem. Por mais destacado e genial que tenha sido um cientista, ao ter o cérebro dissecado e examinado em cada possível herança advinda dos feitos do seu detentor, nada será encontrado que o difira do mais simples e improdutivo camponês. Isto porque não se encontra ali a origem daqueles feitos, mas no que o originou, na inteligência superior que motivou, inspirou e guiou aquele cérebro, quer tenha tido ou não, o privilegiado, consciência do fato.
Assim como a mente criou o cérebro e o está constantemente aperfeiçoando pelo esforço da vontade e dedicação, é óbvio que ela teve também um criador que a concebeu pela sabedoria dessa mesma Mente Superior; porém em escala inimaginavelmente superior. O aperfeiçoamento mental conduz a uma aproximação cada vez mais deleitosa desse manancial de pura sabedoria. Se pensarmos nos grandes homens que a história nos forneceu e procurarmos entender como conseguiram seus destaques inigualáveis, não há como descartar a força transcendental que os motivava. Estavam em permanente contato com algo maior; não se deixavam vencer por ideias ou medos convencionais limitadores da ação; eram realmente diferentes, isto não podemos negar. Que explicações podemos encontrar para isto a não ser rendermo-nos a existência de uma força superior que nos anima e conduz? Denominamos Deus a Mente Superior. Os nomes podem divergir, mas o princípio se mantém inalterado, pois representa a própria Vida, a Vida que anima a toda e qualquer forma de expressão. Em contato com esta fonte permanente de inspiração e sabedoria podemos extrair a força invisível que não se limita à matéria; chamamos de milagre a manifestação dessa força, ou seja, milagre é a normalidade dos fatos. É o milagre de existirmos, de sugarmos da fonte eterna o alimento espiritual que nos despreocupa com o bater do coração, com a continuidade dos dias e das noites porque, convictos deste amparo incessante é que celebramos, mesmo indiferentes, a nossa vida.
Mesmo entre os grandes homens que primaram pelas contribuições deixadas houve, como há, os que afirmavam não crerem em Deus, mas isto não os torna diferentes ou menores do que aqueles que creem; nesse caso da manifestação de uma sabedoria superior, isto não vem a ser prioridade, pois o que importa aí são as obras que influenciaram a mudança do mundo para melhor. A chama divina surge por inspiração, e esta independe do cérebro e do raciocínio lógico. A maioria dos descrentes em Deus é racional ao extremo e não se permite um aprofundamento em questões espirituais; acham que seriam diminuídos, talvez, em sua intelectualidade por admitirem a existência de algo que não coadune com suas ideias práticas. Enfim, não é a aceitação de Deus, a crença ou a descrença em Sua existência que pode alterar Sua atuação nas grandes mentes. Na verdade, a Força Infinita atua em todas as formas de vida e em cada mente individual por ser, essa mente individual a luz emanada da Mente Superior. Creio haver um plano preconcebido por essa Mente Superior para cada ser criado e depende de cada um o auto desenvolvimento no sentido de acompanhar a evolução. Se crer em Deus é uma escolha individual, crer no homem e no seu crescimento é uma determinação divina inadiável.