Pequeno Ensaio Sobre Questões de Filosofia - parte 16
De onde vem o espírito? O que seria morrer? São questões fundamentais que, em geral são descartadas das prioridades do nosso cotidiano. Só pensamos nelas em fortuitas ocasiões. E, ironicamente, como às vezes é a vida, são elas as que mais precisam de consideração. O equilíbrio é a base da vida harmoniosa. Penso que, se déssemos às ponderações espirituais uma atenção melhor, haveria muito mais energia para ser dedicada às minucias da vida física, pois o fôlego que nos move, sendo invisível, tê-lo-íamos em abundância, já que estaríamos, digamos assim, carregados do magnetismo essencial ao desenvolvimento, posto que ligados à essência de todas as coisas.
Na verdade já estamos ligados a essa essência, só que maculamos tal contato devido ao excessivo valor que damos às exclusividades materiais. Não podemos criticar alguém que não tem interesse nas coisas do espírito. Vivemos num mundo essencialmente materialista, regido por conceitos próprios a vida física. Então é natural que estudos aprofundados façam parte da rotina da maioria. Acontece que são poucas as pessoas que descartam, peremptoriamente, a existência de Deus e do espírito. Todos possuem, no fundo da consciência, esse sexto sentido para as coisas religiosas. O homem possui, sem sombra de dúvida, uma tendência para a religiosidade. Algo em todos nós nos leva a intuir a eternidade da vida. Só este fato seria suficiente para dar a certeza de que não somos corpo físico e sim espírito. Sendo espírito, a questão da morte, que insistimos em encarar como coisa ruim, fica respondida automaticamente. Não há morte, e não há nascimento porque o verdadeiro homem é eterno; não nasce e nem morre.
A ilusão de que há nascimento e morte chega ao cérebro através da penetração do espírito no tempo e no espaço da vida fenomênica. O tempo, tal e qual o concebemos, é uma categoria impossível de ser avaliada verdadeiramente através da análise racional. Estamos enclausurados na masmorra limitada pelo involucro carnal e isto impede a evolução verdadeira. Para que esta ocorra faz-se necessário um novo nascimento. Mas não é o nascimento uterino, mas o nascimento que libera o Eu verdadeiro e que põe o individuo de frente para a verdade da vida.
O Nascimento do Homem
Enquanto acordados estamos em contato permanente com o mundo dos cinco sentidos. Isto é indispensável para o progresso material e o crescimento no plano físico. Mas, olhando-se objetivamente, o homem carece do autoconhecimento. Sendo assim, tudo que leva ao despertamento para as coisas do espírito fica anuviado, quando não remetido ao segundo plano. As prioridades da vida ficam restritas a uma manutenção básica de subsistência. Ter uma profissão, uma boa condição financeira, uma formação escolar são atributos de parte das populações, dos que desejam sobressair-se, enquanto outros, vivendo no parasitismo, margeiam na vida, sem nenhuma espécie de rumo. Tanto uns quanto outros ainda estão atuando com exclusividade nas prioridades materiais. Se atuarmos nos dois lados da vida, naquele que diz respeito à vida e no que concerne à morte teremos uma visão mais apurada do universo.
Viver é pensar, então pensar na morte também é uma forma de vida; e muito mais abundante porque elimina o temor do desconhecido. A morte em si não existe. Ela apenas é desconhecida para aqueles que se apegam demais a essa existência. Entender o que é o homem morto é fortalecê-lo ainda mais enquanto vivo. Se não quero morrer estou em desarmonia com Deus, pois foi assim que ele projetou o mundo.
Pensar no fenômeno morte, avaliá-lo sob todos os aspectos colocando-nos fora de tudo aquilo que envolve o temor do desconhecido. Ela não é um descanso porque desta forma estaríamos negando a pureza e a missão que é viver. Quem se cansa da vida a está vivendo de maneira errada. Aquele que adoece antes de morrer também está indo contra a natureza de Deus que quer o homem produtivo e lúcido até o momento final de sua existência terrestre. Somos vida em todos os sentidos da palavra. Tudo o que vai contra a perfeição de um criador é culpa do próprio homem, é um desvio de sua conduta como verdadeiro filho do criador. É imprescindível partirmos de um princípio de que, se há um Deus, Ele não é nada além de perfeição e harmonia. A vida está repleta da harmonia de Deus, assim como está a morte.
É claro que há uma transformação; não deixa de ser evidente o apodrecimento do corpo físico, vestimenta de um corpo indestrutível, eterno e paciente, cuja função é esperar a libertação de uma carga, para ele, incômoda, mas necessária a sua evolução. Viver não deixa de ser em si, se formos analisar friamente, uma preparação para a morte. Caminhamos para ela a partir do momento em que emitimos o nosso primeiro choro. Então porque lutar contra um inimigo se já sabemos de antemão que irá nos vencer mais cedo ou mais tarde?
Então, o que resta? E aqui eu tenho a resposta: nada. Definitivamente, nada. Não importa se vamos morrer um dia; não há problema saber que isto será inevitável. Em cima toda essa certeza, de toda essa realidade só nos resta, como remédio para esse mal, vivermos cada dia de nossa existência como se fora o derradeiro, já que não temos como saber em que momento e de que forma o fantasma da morte virá nos surpreender. Viver intensamente, sublimar as dádivas contidas no universo sem que seja indispensável a renúncia delas.
Entender o que seja vida e o que seja morte. É quando estamos saudáveis e cheios de vida que tendemos ao esquecimento de que este estado é apenas passageiro; não pela possível vinda da doença que é em si, uma anormalidade, mas pela inexorável aurora do existir, inevitável. A fraqueza do velho o predispõe à morte, mas a agilidade e o viço da juventude engana o espírito menos evoluído e o predispõe à vaidade, à intemperança; essas, sim, portas largas para a decrepitude. Portanto, é preciso cuidado no viver o dia a dia sem esquecer e sem se descuidar de cada passo que levará fatalmente ao fim da estrada. O velho que se arrepende de não ter feito o que deveria está propenso a uma morte triste. O ancião amargurado foi o jovem incapaz de amar e de se dar à vida sem esquecer a morte. Viver é portando alegrar-se por saber que não existe morte para quem viveu plenamente.
Pensamos geralmente na vida como uma jornada que teve começo e que terá um fim. Essa predisposição mental acarreta problemas, dentre eles um interminável medo da morte. O medo da morte é um medo natural na medida em que não trave a ação de pesquisar o infinito. Esse medo pode ser atenuado até o ponto da sua extinção se houver o esforço no viver um cotidiano desapegado. Parece muito fácil ao ser expresso em palavras esse comportamento. Estaríamos iludindo a nós próprios ao categorizarmos o infinito como algo atingível pelo simples ato de pensar nele. O termo ‘infinito’ já traz em si uma miríade de ideias conturbadoras. Impossível definir com precisão o que vem a ser ‘infinito’.
Eu vivo o aqui, o agora; o infinito foge da minha concepção como um touro selvagem. É o limitado dentro da esfera mental que não possui limites. Imagina viver uma existência puramente material sem que seja concebida concretamente a ideia de infinito! E o que fazemos costumeiramente? Fugimos de tudo que não diz respeito ao meramente material. Conceber a morte como sendo o auge da experiência metafísica é cumprir a missão precípua do espírito; morrer seria a maior das felicidades já acalentadas, o ‘vir para nascer’, olhado de lá para cá. Não deve haver dúvidas de que essa é a maior das tarefas humanas. A mente possui a capacidade de purificar, até o infinito, as ideias espirituais. É a mente humana, exacerbada de conceitos medíocres, que bloqueia sua própria evolução. Através da vontade, se persistirmos na busca, encontraremos a paz.
Os conflitos mentais, em forma de sentimentos destruidores são os responsáveis pelo obscurecimento da razão. As técnicas utilizadas por instituições sérias, dentre elas as religiões, no sentido de purificar a mente do homem, contribuem enormemente para a aquisição de um estado mental predisponente à compreensão máxima da vida e, por extensão, da morte.