CORAÇÃO

CORAÇÃO

Primavera, 2013.

Depois de um acelerada no coração que me deixou preocupado, afinal estava eu andando, me antecedendo a uma corrida de alguns quilômetros, resolvi procurar um cardiologista. Eu, do meu alto de quarenta e poucos, só uns três, passei por aquela rotina de medicoconvenioexamelevarresultadoparaverdiagnóstico. Isso tudo com uma pulga atrás da orelha.

Resumindo, sou recebido pelo cárdio (essa mania que temos de abreviar, para criar uma segurança e intimidade que nós não temos, mas alivia nossos temores, rio disso quando as mulheres dizem gineco e ao homens uro, porque afinal, para mexer nos países baixos tem se ter alguma intimidade, nem que seja um apelido) que me diz com certo extusiamo, um entusiasmo exteriorizado, que do coração não morro.

Tirando o fato de ter aproveitado a vista do consultório para fotografar, de ouvir um caso que me fez rir alto, de ter saído de lá feliz e lampeiro, não concordo com a afirmação do dito.

Do coração não morro.

Como não? Como não morro dele, que ao ouvir uma melodia linda, ele dispara. Aos acordes de algumas músicas especiais, sinto um nó no peito. Se ao pensar em pessoas que me são queridas, queridas, como letras minúsculas, ele esquenta de tal forma que chego a sentir a batida descompassada, perto de meu pescoço, me dando a impressão de que ele cresceu de tal forma que abarcou todo meu peito.

Será que não morro deste coração choroso, que se emociona ao falar do passado, que produz lágrimas, sim, a gente chora primeiro no coração, a vida não te ensinou isso? As lágrimas vem do coração, e que se achar o caminho dos olhos, sai por eles, senão fica contido em nosso peito e carregamos a tristeza embutida em nós mesmos, porque ela vai para o sangue, e daí nos tornamos um corpo cheio de lágrimas, de tristezas ou alegrias, que nos moldam, nos tornam gente humana?

Morrerei deste cesto de anseios, que guardo no meio de minhas costelas, que como de vime é, tem algumas pontas que ainda me ponteiam e me fazer sentir dor? A dor boa da saudade, a dor boa do reencontro e até da impossibilidade de se encontrar.

Este órgão que engana e contradiz nossa razão, nos faz amar a pessoa errada, nos torna escravos de suas paixões, e dói, dói, dói.

Não possui boca, mas nos fala;

Não possui ouvidos, mas ouve;

Não pensa, sente muito mais.

Tenho quase certeza que morte, como conhecemos, não se dá quando ele para sua função de bater, mas quando ele encerra sua função de doer, de sentir, se torna sem sabor, sem anseio, sem sonho, sem saudade, se torna um órgão menos nobre, de importância secundária. A morte de pessoas vivas, que já perderam o brilho no olho e capacidade de amar.

Essas já morreram do coração.

Então pensando desse jeito, realmente, do coração não morro.

Neilton Domingues
Enviado por Neilton Domingues em 10/06/2015
Reeditado em 23/05/2018
Código do texto: T5272631
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