Óperas, guia para iniciantes -
O ANEL dos NIBELUNGOS - Ópera "O ouro do Reno" Wagner - Ciclo completo, 2ª Parte.
O ANEL dos NIBELUNGOS - Ópera "O ouro do Reno" Wagner - Ciclo completo, 2ª Parte.
O Ouro do Reno
Ao contrário do habitual, essa Ópera não é dividida em atos, sendo as suas quatro cenas separadas apenas por interlúdios orquestrais.
Personagens
Wotan – o rei dos deuses, interpretado por um Baixo.
Donner – deus do trovão, idem.
Froh – deus da juventude, interpretado por um Tenor.
Loge – deus do fogo, idem.
Alberich – anão da raça Nibelung, interpretado por um Baixo.
Mime – irmão de Alberich, interpretado por um Tenor.
Fasolt – um dos gigantes, interpretado por um Baixo.
Fafner – outro dos gigantes, idem.
Fricka – mulher de Wotan e deusa do casamento e do lar, interpretada por uma Mezzo Soprano.
Fréia – deusa da juventude, interpretada por uma Soprano.
Erda – deusa da sabedoria, interpretada por uma Mezzo Soprano.
Woglinde – uma das “donzelas do Reno”, interpretada por uma Soprano.
Wellgunde – idem, idem.
Flosshilde – idem, interpretada por uma Mezzo Soprano.
Enredo
O palco é iluminado de modo a representar com cores fantasmagóricas o fundo do majestoso rio Reno. O enfraquecido tom azul-esverdeado permite à plateia o vislumbre de imensas pedras acomodadas no úmido leito e as silhuetas de três jovens ninfas que nadam ludicamente entre elas, esbanjando graça e beleza. São as “donzelas do Reno” a quem cabe guardar o mágico ouro que ali se deposita.
Noutro ponto do cenário, avista-se a representação de uma grande rocha às margens do curso d´água. Sobre ela, contrastando com a graciosidade das ninfas, avista-se a figura bizarra de Alberich, um anão da raça Nibelung, que a despeito de sua aparência repulsiva, insiste em cortejar as donzelas, ora roubando um beijo de uma, ora gracejando com outra etc. A sua insistência, porém, não é bem sucedida, pois elas o tratam apenas como um reles paspalhão, zombando de sua imperfeição, de seus modos rudes, de sua falta de fineza e de seus outros defeitos.
Em dado momento, a luz do Sol faz surgir no fundo do rio uma luz rósea que simboliza o fulgor do tesouro ali contido. Sempre ávido e cobiçoso, Alberich nota instantaneamente o brilho e como sabe da riqueza que ali repousa, questiona as ninfas sobre o célebre “ouro do Reno”.
As jovens são cuidadosas e responsáveis, mas por um breve lapso e sem atentar para a extensão do mal que poderão causar, acabam por revelar todos os mistérios daquele sitio. Contam-lhe, inclusive, que o homem que conseguir apoderar-se de, no mínimo, um anel daquele ouro, tornar-se-á tão poderoso que nem mesmo os deuses poderão impedir que ele faça o que desejar. Porém, para gozar desse poder sem limites, o indivíduo deverá renunciar em definitivo ao amor. Esse é o preço a pagar.
Ora, para o anão Nibelungo esse preço nada significa, vez que ele nunca foi amado e nem tem capacidade para amar. Assim, sem qualquer dúvida, proclama em alto e bom som a sua renúncia definitiva a qualquer tipo de afeto, corre até o esconderijo do mítico metal e se apodera do mesmo, fugindo em seguida entre risos zombeteiros e urros de júbilo.
Nesse momento as luzes são apagadas e o cenário é envolto por uma sombra densa de onde se escuta o doloroso lamento das “donzelas do Reno” que falharam em sua missão de proteger o tesouro mágico. O sacrilégio aconteceu e as consequências serão terríveis.
É o fim da primeira cena.
Então, a orquestra executa o primeiro interlúdio musical que separa as cenas enquanto o cenário é modificado, passando a ser a representação de um firmamento carregado de pesadas e sombrias nuvens. Alguns instantes depois, uma nova transformação acontece e se vê a representação de um céu límpido e claro e o imponente pico de uma alta montanha. Ao fundo, noutro pico bem mais alto, avista-se um brilhante castelo reluzindo à luz do Sol nascente.
Surgem no proscênio, Wotan e Fricka, o rei dos deuses e sua mulher, a deusa do lar e do casamento.
Ambos dormem sobre um belo e pequeno monte e só quando a iluminação do cenário atinge o máximo, em perfeita simulação do dia nascido, é que despertam. Logo em seguida, passam a admirar o suntuoso Palácio que Wotan fez construir, através dos gigantes Fasolt e Fafner.
A imensa ambição do “rei dos deuses” é proverbial, bem como o seu gosto pela ostentação desmedida; e foi para atender a essas fraquezas que ele mandou erguer tal construção, alegando que ela deveria ser compatível com a inexcedível importância dos deuses. Não mediu recursos, esforços e tampouco as consequências para levantar Wahalla, a morada dos deuses.
E o seu perdularismo levou-o a envolver até membros da família real, vez que ele prometeu aos gigantes construtores a mão de sua cunhada, Fréia, “deusa do amor e da juventude”, tão logo eles terminassem a vivenda divina.
Porém, Fricka, a sua esposa e irmã de Fréia, nem pode imaginar vê-la casada com aqueles tipos e exasperada exige que ele não leve adiante aquele plano tão funesto. Exige que ele proteja a irmã daquele destino cruel, mesmo que para tanto, ele tenha que oferecer alguma outra recompensa equivalente.
Instantes depois, a própria deusa Fréia o procura e implora que ele a guarde dos brutamontes. Contudo, Wotan sabe que será quase impossível não cumprir com o que prometeu à dupla.
A aproximação dos gigantes, anunciada pelo som de seus pesados passos, deixa-o agitado e nervoso e, de fato, Fasolt e Fafner mostram-se muito contrariados logo que sabem da pretendida mudança no pagamento e apanham com brutalidade a bela deusa do amor que lhes fora prometida.
Os irmãos de Fréia, Froh, deus da juventude e Donner, deus do trovão, atacam os gigantes e a luta só não acontece porque Wotan ergue a sua lança e proíbe o duelo.
É um momento de suspense, impasse, com muitas ameaças e muitos insultos e apenas com a chegada de um novo personagem é que alguma calma volta a reinar. Trata-se do sábio deus do fogo, Loge, que propõe que Fréia seja substituída por algo tão valioso que os gigantes ficaram até gratos pela troca.
Convencidos pela reputação do deus e, principalmente, pela ambição que também os deixa cegos, eles concordam, mas levam a deusa consigo até que o pagamento aconteça.
A oportuna chegada do deus Loge não foi por uma feliz coincidência; tampouco foi aleatória a proposta que fez, pois como havia sido ele quem convencera Wotan a contratar os gigantes, sentiu-se na obrigação de resolver o impasse. Agora, cabe-lhe cumprir a determinação do rei dos deuses e encontrar algo que satisfaça aos construtores.
Dessa sorte, ele parte em peregrinação imaginando que para os homens nada é mais valioso que a juventude, a beleza e o amor; porém, como soube que o anão Alberich não hesitou em renunciar a esses valores para conseguir os favores do ouro e do poder ilimitado, não lhe é difícil concluir que, em verdade, esses últimos são ainda mais cobiçados por todos.
Assim, voltando ao reino dos deuses, ele relata os fatos aos gigantes Fasolt e Fafner, que após uma rápida confabulação declaram a sua disposição em trocar a deusa Fréia pelo poder de Alberich. Eles a libertarão tão logo o “Anel dos Nibelungos” esteja em sua posse.
Tudo acertado, os brutamontes levam a jovem deidade para o seu próprio castelo e, então, um nefasto acontecimento se verifica, já que a ausência da divindade do amor e da beleza permite que as sombras avancem sobre toda a cena, deixando todos os deuses visivelmente mais velhos e alquebrados. Sendo a “deusa da juventude”, o seu afastamento libera a entrada da senilidade que é inexorável para os mortais, mas, até então, desconhecida em Wahalla.
Os deuses gemem de espanto e de amargura ao sentirem que envelheceram e que estão perdendo os seus poderes. Ante tal desespero, Wotan sente-se mais pressionado a agir imediatamente e decide incursionar pelas terras dos Nibelungos para resgatar o “Anel Mágico” e com ele libertar a deusa, que lhes devolverá a juventude e os poderes.
Acompanhado pelo deus do fogo, Loge, adentra as profundezas da Terra.
E, assim, encerra-se a segunda cena.
Enquanto a orquestra executa outro interlúdio musical, o palco se cobre de espessa fumaça, numa esplêndida representação do mundo subterrâneo e das cavernas de Nibelheim, a terra dos anões Nibelungos.
À medida que avançam, Wotan e Loge escutam o som de martelos sobre as bigornas e isso lhes indica que estão próximos das oficinas onde trabalham os habitantes do lugar, sob as ordens de Alberich, cujo mau caráter só aumentou com o poder que passou a desfrutar. Sente um indecente e sádico prazer em ser um tirano cruel.
Aos poucos a fumaça vai diminuindo e a partir de certo ponto desaparece completamente, permitindo que se veja a oficina.
Alberich havia ordenado que lhe forjassem o Anel Mágico com o ouro que roubou do Reno; e graças ao seu excelente dom de ferreiro, o seu irmão, Mime, fez-lhe uma belíssima joia e um “Elmo Mágico”, batizado de “Tarnhelm”, cujo poder de transformar quem o use em qualquer coisa, torna-o valiosíssimo.
Ademais, Mime (tão torturado quanto os demais por Alberich) e os outros anões são obrigados a minerar continuamente, pois a cobiça de Alberich não tem fim; bem como, aliás, a sua perversidade, como bem soube o infeliz irmão, que ao lhe pedir para ficar com “Elmo Mágico”, tomou tamanha surra que ficou severamente machucado e traumatizado.
Entrementes, os deuses prosseguem em sua descida e após atravessarem a última fenda na rocha, adentram na caverna. Ao vê-los, Alberich não esconde o seu desprazer e logo proclama que se vingará dos deuses por todas as humilhações que antes passou, haja vista que, agora, o Poder lhe pertence.
Wotan, desabituado a ouvir insolências, brande a sua poderosa lança em direção ao abusado anão, mas Loge o contém, pois sabe que o poderio de que Alberich desfruta é real e aconselha ao rei dos deuses a agir com mais prudência e tolerância, enquanto estuda uma maneira de se apoderar do fabuloso Anel.
Após alguns instantes, Loge inicia o seu plano maquiavélico, começando por fazer grandes elogios ao anão ditador, que, envaidecido, abocanha a armadilha sem perceber. Aproveitando-se da soberba do inimigo, o deus do fogo o provoca, dizendo duvidar que ele tenha, realmente, tanto poder quanto diz ter. Alberich retruca com arrogância e diz que se Loge quer uma amostra, ela a dará. O ardiloso “deus do fogo” responde que sim e lhe pede para que se transforme em um reles sapo.
Tola e rapidamente o anão se transforma no batráquio e, ainda mais rápido, Wotan pisa sobre ele enquanto Loge o segura firmemente. Depois, ainda transformado, os deuses o amarram e o levam para a entrada da caverna.
É o final da terceira cena.
Após o interlúdio musical, a quarta cena é iniciada no mesmo cenário, isto é, a entrada da caverna.
Ao chegarem à superfície, os deuses zombam da ira de seu prisioneiro e ordenam-lhe que devolva o ouro roubado.
Alberich está possesso, mas nada pode fazer senão usar o seu poder para fazer com seus escravos tragam o ouro acumulado. Assim, surgem vários anões trazendo o rico tesouro. Alberich, desesperado, percebe, então, que irão tomar-lhe, também, o Elmo mágico, Tarnhelm, e implora que Wotan lhe deixe ao menos essa peça, mas o Rei dos deuses nega e ainda ordena que ele também entregue o Anel Mágico.
Alberich sente-se duplamente irado, pois julgava ser possível enganar aos seus captores através do Anel, com o qual, depois, reaveria o tesouro que ora lhe furtam. Desesperado, ele se debate e se nega a entregar a joia, mesmo que isto lhe custe a vida. Porém, seus esforços são inúteis, pois Wotan não lhe dá atenção e simplesmente arranca o Anel de sua mão.
Então, no auge de seu ódio, Alberich lança a maldição que dará origem às tragédias que serão contadas adiante. Literalmente proclama: “Que este anel traga angústia e morte a todos que o possuírem, inveja aos que não o tiverem, até que retorne à posse de seus legítimos donos, os Nibelungos”.
Findo o seu discurso, o ex-tirano dos anões deixa a cena, na qual adentram os gigantes Fafner e Fasolt em busca do pagamento prometido por Wotan, em troca da deusa Fréia, que os acompanha.
A simples presença da “deusa da juventude” é suficiente para devolver a mocidade e o vigor aos deuses; e os gigantes, ao verem a importância da mesma, passam a exigir mais para soltá-la. Querem, agora, que Wotan lhes entregue todo o ouro tomado dos anões.
Apesar de sua conhecida cobiça, Wotan não retruca e lhes cede o rico metal. Os raptores de Fréia, ante a tranquila aceitação do Rei dos deuses desconfiam de algum truque e dizem que só estarão satisfeitos se aquele ouro for suficiente para recobrir a sua refém até que não se possa mais vê-la. Então, começam a empilhar o tesouro em frente da deidade, mas como falta uma pequena quantidade para que a obstrução seja total, eles exigem o Elmo para cobrir a falha. Após a colocação do Tarnhelm, Fasolt ainda percebe um pequeno vão à altura dos olhos de Fréia e exige que Wotan lhes dê, também, o Anel Mágico. Porém, agora, o soberano de Wahalla recusa com veemência e o impasse se estabelece, com os gigantes ameaçando não devolver a deusa.
Nesse momento as luzes são apagadas e a cena mergulha em pesada escuridão, cuja única exceção é uma luz central que ilumina a aparição de Erda, o ancestral “Espírito da Terra”, cujo poder de ver o Passado e o Futuro permite-lhe prever a próxima, inevitável e catastrófica derrocada dos deuses.
Um vaticínio terrível, que vem acompanhado da advertência à Wotan de que o seu poder está no fim, devendo entregar o Anel aos gigantes para tentar escapar da maldição lançada por Alberich.
E tão inesperadamente quanto surgiu, Erda desaparece. A claridade volta a iluminar a cena e é possível ver a angústia de Wotan e a sua preocupação com o destino de panteão.
Assim, convencido da inutilidade de lutar pelo Anel, ele o atira para os gigantes, que não escondem a alegria em recebê-lo, enquanto se preparam para partir. Contudo, antes de seguirem, a maldição do anão começa a atuar sobre ambos e a cobiça de cada qual faz com que briguem violentamente até que Fafner assassina Fasolt, à vista de todos, e tome posse do incalculável tesouro.
Wotan e sua corte seguem para o Palácio de Wahalla, que se torna visível após o deus do trovão, Donner, desprender de seu poderoso martelo um relâmpago que desfaz o nevoeiro que encobria a fantástica “morada dos deuses”, situada num vale esplêndido e, agora, recoberta por um arco-íris que leva à sua entrada.
Enquanto os deuses caminham sobre esse colorido caminho, eleva-se do vale o lamento angustiado das “Donzelas do Reno”, ainda inconformadas com o roubo do ouro sagrado. Temeroso e arrependido por sua avidez, Wotan sente-se diretamente atingido por aquelas lamúrias e ordena que Loge as silencie.
Nesse momento, a orquestra executa a vigorosa melodia “A Entrada dos Deuses em Wahalla”. Do lado de fora fica apenas o “deus do fogo”, que planeja sobreviver à ruína que se abaterá sobre o Palácio.
É o fim da Ópera.
Noutro ponto do cenário, avista-se a representação de uma grande rocha às margens do curso d´água. Sobre ela, contrastando com a graciosidade das ninfas, avista-se a figura bizarra de Alberich, um anão da raça Nibelung, que a despeito de sua aparência repulsiva, insiste em cortejar as donzelas, ora roubando um beijo de uma, ora gracejando com outra etc. A sua insistência, porém, não é bem sucedida, pois elas o tratam apenas como um reles paspalhão, zombando de sua imperfeição, de seus modos rudes, de sua falta de fineza e de seus outros defeitos.
Em dado momento, a luz do Sol faz surgir no fundo do rio uma luz rósea que simboliza o fulgor do tesouro ali contido. Sempre ávido e cobiçoso, Alberich nota instantaneamente o brilho e como sabe da riqueza que ali repousa, questiona as ninfas sobre o célebre “ouro do Reno”.
As jovens são cuidadosas e responsáveis, mas por um breve lapso e sem atentar para a extensão do mal que poderão causar, acabam por revelar todos os mistérios daquele sitio. Contam-lhe, inclusive, que o homem que conseguir apoderar-se de, no mínimo, um anel daquele ouro, tornar-se-á tão poderoso que nem mesmo os deuses poderão impedir que ele faça o que desejar. Porém, para gozar desse poder sem limites, o indivíduo deverá renunciar em definitivo ao amor. Esse é o preço a pagar.
Ora, para o anão Nibelungo esse preço nada significa, vez que ele nunca foi amado e nem tem capacidade para amar. Assim, sem qualquer dúvida, proclama em alto e bom som a sua renúncia definitiva a qualquer tipo de afeto, corre até o esconderijo do mítico metal e se apodera do mesmo, fugindo em seguida entre risos zombeteiros e urros de júbilo.
Nesse momento as luzes são apagadas e o cenário é envolto por uma sombra densa de onde se escuta o doloroso lamento das “donzelas do Reno” que falharam em sua missão de proteger o tesouro mágico. O sacrilégio aconteceu e as consequências serão terríveis.
É o fim da primeira cena.
Então, a orquestra executa o primeiro interlúdio musical que separa as cenas enquanto o cenário é modificado, passando a ser a representação de um firmamento carregado de pesadas e sombrias nuvens. Alguns instantes depois, uma nova transformação acontece e se vê a representação de um céu límpido e claro e o imponente pico de uma alta montanha. Ao fundo, noutro pico bem mais alto, avista-se um brilhante castelo reluzindo à luz do Sol nascente.
Surgem no proscênio, Wotan e Fricka, o rei dos deuses e sua mulher, a deusa do lar e do casamento.
Ambos dormem sobre um belo e pequeno monte e só quando a iluminação do cenário atinge o máximo, em perfeita simulação do dia nascido, é que despertam. Logo em seguida, passam a admirar o suntuoso Palácio que Wotan fez construir, através dos gigantes Fasolt e Fafner.
A imensa ambição do “rei dos deuses” é proverbial, bem como o seu gosto pela ostentação desmedida; e foi para atender a essas fraquezas que ele mandou erguer tal construção, alegando que ela deveria ser compatível com a inexcedível importância dos deuses. Não mediu recursos, esforços e tampouco as consequências para levantar Wahalla, a morada dos deuses.
E o seu perdularismo levou-o a envolver até membros da família real, vez que ele prometeu aos gigantes construtores a mão de sua cunhada, Fréia, “deusa do amor e da juventude”, tão logo eles terminassem a vivenda divina.
Porém, Fricka, a sua esposa e irmã de Fréia, nem pode imaginar vê-la casada com aqueles tipos e exasperada exige que ele não leve adiante aquele plano tão funesto. Exige que ele proteja a irmã daquele destino cruel, mesmo que para tanto, ele tenha que oferecer alguma outra recompensa equivalente.
Instantes depois, a própria deusa Fréia o procura e implora que ele a guarde dos brutamontes. Contudo, Wotan sabe que será quase impossível não cumprir com o que prometeu à dupla.
A aproximação dos gigantes, anunciada pelo som de seus pesados passos, deixa-o agitado e nervoso e, de fato, Fasolt e Fafner mostram-se muito contrariados logo que sabem da pretendida mudança no pagamento e apanham com brutalidade a bela deusa do amor que lhes fora prometida.
Os irmãos de Fréia, Froh, deus da juventude e Donner, deus do trovão, atacam os gigantes e a luta só não acontece porque Wotan ergue a sua lança e proíbe o duelo.
É um momento de suspense, impasse, com muitas ameaças e muitos insultos e apenas com a chegada de um novo personagem é que alguma calma volta a reinar. Trata-se do sábio deus do fogo, Loge, que propõe que Fréia seja substituída por algo tão valioso que os gigantes ficaram até gratos pela troca.
Convencidos pela reputação do deus e, principalmente, pela ambição que também os deixa cegos, eles concordam, mas levam a deusa consigo até que o pagamento aconteça.
A oportuna chegada do deus Loge não foi por uma feliz coincidência; tampouco foi aleatória a proposta que fez, pois como havia sido ele quem convencera Wotan a contratar os gigantes, sentiu-se na obrigação de resolver o impasse. Agora, cabe-lhe cumprir a determinação do rei dos deuses e encontrar algo que satisfaça aos construtores.
Dessa sorte, ele parte em peregrinação imaginando que para os homens nada é mais valioso que a juventude, a beleza e o amor; porém, como soube que o anão Alberich não hesitou em renunciar a esses valores para conseguir os favores do ouro e do poder ilimitado, não lhe é difícil concluir que, em verdade, esses últimos são ainda mais cobiçados por todos.
Assim, voltando ao reino dos deuses, ele relata os fatos aos gigantes Fasolt e Fafner, que após uma rápida confabulação declaram a sua disposição em trocar a deusa Fréia pelo poder de Alberich. Eles a libertarão tão logo o “Anel dos Nibelungos” esteja em sua posse.
Tudo acertado, os brutamontes levam a jovem deidade para o seu próprio castelo e, então, um nefasto acontecimento se verifica, já que a ausência da divindade do amor e da beleza permite que as sombras avancem sobre toda a cena, deixando todos os deuses visivelmente mais velhos e alquebrados. Sendo a “deusa da juventude”, o seu afastamento libera a entrada da senilidade que é inexorável para os mortais, mas, até então, desconhecida em Wahalla.
Os deuses gemem de espanto e de amargura ao sentirem que envelheceram e que estão perdendo os seus poderes. Ante tal desespero, Wotan sente-se mais pressionado a agir imediatamente e decide incursionar pelas terras dos Nibelungos para resgatar o “Anel Mágico” e com ele libertar a deusa, que lhes devolverá a juventude e os poderes.
Acompanhado pelo deus do fogo, Loge, adentra as profundezas da Terra.
E, assim, encerra-se a segunda cena.
Enquanto a orquestra executa outro interlúdio musical, o palco se cobre de espessa fumaça, numa esplêndida representação do mundo subterrâneo e das cavernas de Nibelheim, a terra dos anões Nibelungos.
À medida que avançam, Wotan e Loge escutam o som de martelos sobre as bigornas e isso lhes indica que estão próximos das oficinas onde trabalham os habitantes do lugar, sob as ordens de Alberich, cujo mau caráter só aumentou com o poder que passou a desfrutar. Sente um indecente e sádico prazer em ser um tirano cruel.
Aos poucos a fumaça vai diminuindo e a partir de certo ponto desaparece completamente, permitindo que se veja a oficina.
Alberich havia ordenado que lhe forjassem o Anel Mágico com o ouro que roubou do Reno; e graças ao seu excelente dom de ferreiro, o seu irmão, Mime, fez-lhe uma belíssima joia e um “Elmo Mágico”, batizado de “Tarnhelm”, cujo poder de transformar quem o use em qualquer coisa, torna-o valiosíssimo.
Ademais, Mime (tão torturado quanto os demais por Alberich) e os outros anões são obrigados a minerar continuamente, pois a cobiça de Alberich não tem fim; bem como, aliás, a sua perversidade, como bem soube o infeliz irmão, que ao lhe pedir para ficar com “Elmo Mágico”, tomou tamanha surra que ficou severamente machucado e traumatizado.
Entrementes, os deuses prosseguem em sua descida e após atravessarem a última fenda na rocha, adentram na caverna. Ao vê-los, Alberich não esconde o seu desprazer e logo proclama que se vingará dos deuses por todas as humilhações que antes passou, haja vista que, agora, o Poder lhe pertence.
Wotan, desabituado a ouvir insolências, brande a sua poderosa lança em direção ao abusado anão, mas Loge o contém, pois sabe que o poderio de que Alberich desfruta é real e aconselha ao rei dos deuses a agir com mais prudência e tolerância, enquanto estuda uma maneira de se apoderar do fabuloso Anel.
Após alguns instantes, Loge inicia o seu plano maquiavélico, começando por fazer grandes elogios ao anão ditador, que, envaidecido, abocanha a armadilha sem perceber. Aproveitando-se da soberba do inimigo, o deus do fogo o provoca, dizendo duvidar que ele tenha, realmente, tanto poder quanto diz ter. Alberich retruca com arrogância e diz que se Loge quer uma amostra, ela a dará. O ardiloso “deus do fogo” responde que sim e lhe pede para que se transforme em um reles sapo.
Tola e rapidamente o anão se transforma no batráquio e, ainda mais rápido, Wotan pisa sobre ele enquanto Loge o segura firmemente. Depois, ainda transformado, os deuses o amarram e o levam para a entrada da caverna.
É o final da terceira cena.
Após o interlúdio musical, a quarta cena é iniciada no mesmo cenário, isto é, a entrada da caverna.
Ao chegarem à superfície, os deuses zombam da ira de seu prisioneiro e ordenam-lhe que devolva o ouro roubado.
Alberich está possesso, mas nada pode fazer senão usar o seu poder para fazer com seus escravos tragam o ouro acumulado. Assim, surgem vários anões trazendo o rico tesouro. Alberich, desesperado, percebe, então, que irão tomar-lhe, também, o Elmo mágico, Tarnhelm, e implora que Wotan lhe deixe ao menos essa peça, mas o Rei dos deuses nega e ainda ordena que ele também entregue o Anel Mágico.
Alberich sente-se duplamente irado, pois julgava ser possível enganar aos seus captores através do Anel, com o qual, depois, reaveria o tesouro que ora lhe furtam. Desesperado, ele se debate e se nega a entregar a joia, mesmo que isto lhe custe a vida. Porém, seus esforços são inúteis, pois Wotan não lhe dá atenção e simplesmente arranca o Anel de sua mão.
Então, no auge de seu ódio, Alberich lança a maldição que dará origem às tragédias que serão contadas adiante. Literalmente proclama: “Que este anel traga angústia e morte a todos que o possuírem, inveja aos que não o tiverem, até que retorne à posse de seus legítimos donos, os Nibelungos”.
Findo o seu discurso, o ex-tirano dos anões deixa a cena, na qual adentram os gigantes Fafner e Fasolt em busca do pagamento prometido por Wotan, em troca da deusa Fréia, que os acompanha.
A simples presença da “deusa da juventude” é suficiente para devolver a mocidade e o vigor aos deuses; e os gigantes, ao verem a importância da mesma, passam a exigir mais para soltá-la. Querem, agora, que Wotan lhes entregue todo o ouro tomado dos anões.
Apesar de sua conhecida cobiça, Wotan não retruca e lhes cede o rico metal. Os raptores de Fréia, ante a tranquila aceitação do Rei dos deuses desconfiam de algum truque e dizem que só estarão satisfeitos se aquele ouro for suficiente para recobrir a sua refém até que não se possa mais vê-la. Então, começam a empilhar o tesouro em frente da deidade, mas como falta uma pequena quantidade para que a obstrução seja total, eles exigem o Elmo para cobrir a falha. Após a colocação do Tarnhelm, Fasolt ainda percebe um pequeno vão à altura dos olhos de Fréia e exige que Wotan lhes dê, também, o Anel Mágico. Porém, agora, o soberano de Wahalla recusa com veemência e o impasse se estabelece, com os gigantes ameaçando não devolver a deusa.
Nesse momento as luzes são apagadas e a cena mergulha em pesada escuridão, cuja única exceção é uma luz central que ilumina a aparição de Erda, o ancestral “Espírito da Terra”, cujo poder de ver o Passado e o Futuro permite-lhe prever a próxima, inevitável e catastrófica derrocada dos deuses.
Um vaticínio terrível, que vem acompanhado da advertência à Wotan de que o seu poder está no fim, devendo entregar o Anel aos gigantes para tentar escapar da maldição lançada por Alberich.
E tão inesperadamente quanto surgiu, Erda desaparece. A claridade volta a iluminar a cena e é possível ver a angústia de Wotan e a sua preocupação com o destino de panteão.
Assim, convencido da inutilidade de lutar pelo Anel, ele o atira para os gigantes, que não escondem a alegria em recebê-lo, enquanto se preparam para partir. Contudo, antes de seguirem, a maldição do anão começa a atuar sobre ambos e a cobiça de cada qual faz com que briguem violentamente até que Fafner assassina Fasolt, à vista de todos, e tome posse do incalculável tesouro.
Wotan e sua corte seguem para o Palácio de Wahalla, que se torna visível após o deus do trovão, Donner, desprender de seu poderoso martelo um relâmpago que desfaz o nevoeiro que encobria a fantástica “morada dos deuses”, situada num vale esplêndido e, agora, recoberta por um arco-íris que leva à sua entrada.
Enquanto os deuses caminham sobre esse colorido caminho, eleva-se do vale o lamento angustiado das “Donzelas do Reno”, ainda inconformadas com o roubo do ouro sagrado. Temeroso e arrependido por sua avidez, Wotan sente-se diretamente atingido por aquelas lamúrias e ordena que Loge as silencie.
Nesse momento, a orquestra executa a vigorosa melodia “A Entrada dos Deuses em Wahalla”. Do lado de fora fica apenas o “deus do fogo”, que planeja sobreviver à ruína que se abaterá sobre o Palácio.
É o fim da Ópera.
Rio de Janeiro, 19 de maio de 2015
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.