Ciclo I (da observação e apreensão)
Imaginemos a vida como a correnteza dum rio circular, onde seu início e fim sempre acabam por se encontrar. O que alimenta o sentido de seu rumo, são as diversas curvas e forças que agem sobre ele. Novos obstáculos podem aparecer, e provocar em suas águas uma breve separação, uma necessidade de se adequar e contornar o corpo que se projeta rijo. Mas este jamais será capaz de conter suas águas, elas os contorna continuamente, para enfim renascer e alimentar tudo que beira seus leitos. Esses obstáculos são as causas das breves oscilações, não o fim determinístico do curso.
O rio avança imperioso e lento, carregando em si o que pode, contornando tudo. Cabe a nós fixar nossa existência em suas ribeiras ou por a jangada contra ou à favor de suas águas. Ficando em seu leito estaremos à mercê de eventos que se apresentatam uniformes, na maior parte do tempo. E poucas serão as vezes que veremos o milagre da mudança. E se caso seguirmos o curso de suas águas? Acaso estaríamos nos abrindo ao desconhecido? À possibilidade de vislumbrar uma realidade mais ampla? Um fremir de novas vivências, mesmo que na forma de breves experiências? Assim sendo, não teríamos segurança, pois o que está passível ao novo, não poderia oferecer o conforto inerte dos dias iguais. Mas até que ponto a segurança do imutável, não se configura em amarras?
A outra opção possível, é lutar contra a força de sua correnteza, o poder inviolável de seu curso. Através duma breve reflexão poderemos deduzir o quão dificultoso poderia ser tal ação, porém em troca o rio lhe ofereceria a mudança constante, nada permaneceria como está por muito tempo, nem mesmo o leito, mas não poderíamos perceber, pois estaríamos demasiadamente ocupados, e engajados no cansativo trabalho de romper sua força. Ora, tudo que o rio traz consigo, acabaria evidentemente passando por nós, e impondo sua existência à nossa possibilidade de percepção e ao nevagante mais atento até conhecimento. Mas o esforço da viagem não seria tão grande a ponto de exigir para si toda atenção da qual poderíamos dispor para a vida e tudo mais que ali se encontra?
A última opção, quiçá fosse de mais valia para nosso ser, pois não nos limitaria ao imóvel, à repetição continua gerada pela estagnação em seu leito, nem nos cobraria o esforço sobrehumano para vencer suas águas, nos roubando com isso a observação das variações da existência. Não parece que nos proporcionaria a diminuição do esforço, pois tomaria o próprio curso das águas, como combustível para a mobilidade de nossa tão frágil jangada, ao mesmo tempo traria para nós a liberação do dever de guiar, seguindo o fluxo seríamos possibilitados a vislumbrar o novo, bem como apreender sua essência em nosso ser? Isso seria enfim a aceitação dos caminhos vitais, agindo como o rio faz, aprendemos a desviar das rochas e troncos que impossibilitam o progredir da jornada, nos tornaremos mais fluidos e flexíveis que o próprio rio. Pois o rio não observa os acontecimentos, nem a si mesmo, mas é observado por seus navegantes.