Grito

Escrevo para não gritar. Grito não é coisa de moça bem educada, também não cabe aos tímidos ou aos contidos como eu. Por isso grito com palavras silentes. Aspera, conflitante, negra, em agonia. São assim tambem meus gritos, gerados como reflexo do imo que os criou.

É difícil gritar em palavras. O urro original, nascido das estranhas, não se articula ou explica, é apenas som, libertaçao indiscriminada em timbres e amplitudes exagerados. Meu grito é, por sí, menos genuíno. Moldado, interpretado, privado de sua naturalidade animalesca que apenas é, sem dizer do que se trata.

O som que deveria emergir de músculos e pulmões sai-me pelos pensamentos, sai por maos e dedos, flui em fala articulada. Não flui. O grito, depois de subjulgado à consciencia, não se faz mais em forma de som. Não sem um estrondoso esforço que não me restam forças ou interesses para exercer. O som articulado exije ouvintes, o grito não, não é direcionado, apenas liberto das grades osseas que o impedem de ser. Por isso escrevo, a palavra grafada não pede nada, não espera nada, não reflete de volta, não contesta a sí mesma, não se deturpa em caminhos de entonação.

A falha da palavra escrita é a dependência do pensamento, a necessidade de compreensão e interpretação que nem sempre é possível. Há dias em que só o que possuo são gritos ininteligíveis e sou então compelida a, de alguma forma, encerrar em mim os urros incontíveis que sou incapaz de traduzir.