Autoria – Wagner (Wilhelm Richard – 1813-1883 – Alemanha)

Libreto – idem.


 
Personagens:

Elsa de Brabant – Protagonista feminina – interpretada por uma Soprano.

Lohengrin – protagonista masculino. Interpretado por um Tenor.

Rei Henrique – Interpretado por um Baixo.

Conde Telramund – interpretado por um Barítono.

Ortrud – interpretada por uma Mezzo Soprano.


 
Local e Época:

Antuérpia, região de Flandres, Bélgica - século X.
 
Prefácio

Ao contrário doutros compositores do gênero, Wagner não delegava a outrem a elaboração dos libretos de suas óperas, pois se valia de seu talento de poeta e dramaturgo para executar a parte literária da obra e, com isso, centralizava em si toda a criação do espetáculo.
Em suas obras, Wagner mescla elementos da mitologia nórdica e germânica com o seu esplêndido poder criativo e o resultado é um enredo denso, complexo, rico em simbologia e sempre exposto em uma linguagem superior e corretíssima que em nada fica a dever ao esplendor de suas composições musicais; as quais, aliás, segundo a maioria dos entendidos, atingiram o patamar máximo em termos de beleza e de reforma estética. Para eles, a “renovação wagneriana” ensejou o renascimento do drama lírico de uma maneira totalmente distinta do que havia, até então, no mundo da Ópera.
E, realmente, a sua música é uma incentivadora, uma reguladora e uma definidora das emoções, já que são melodias que se equiparam a “personagens” capazes de despertarem os mais variados sentimentos e sensações. As vozes humanas e as instrumentais formam uma só sinfonia, ininterrupta e superlativa, capaz de atingir os mais elevados estados que o teatro lírico pode oferecer.
Ao público leigo, que não pode admirar tal maravilha de modo técnico e didático, resta o sempre abundante aplauso com que homenageia o compositor; tornando-o, desde a sua ascensão, um símbolo da grandeza alemã, idolatrado por seus compatriotas de todas as classes e saberes e, também, pelos cidadãos de outros sítios, que não lhe negam a mais sincera veneração.
Na sequência desses Ensaios dedicaremos o merecido espaço para o genial teutônico, apresentando primeiramente a Ópera presente, “Lohengrin”, depois “Parsifal” e, por último, o grande ciclo, “Anel dos Nibelungos”, constituído por O ouro do Reno (prólogo), A Valquiria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses.

 
Enredo

O cenário inicial reproduz um local ritual de “julgamentos” ou “juramentos”, às margens do rio Scheldt, arrabaldes de Antuérpia.
Ali, o Rei Henrique e a sua corte aguardam sob uma frondosa árvore, as partes envolvidas em uma grave questão que demanda a sua autoridade para ser solucionada com a máxima justiça.
De um lado estão Elsa e seu irmão Gottfried de Brabant, filhos do falecido governador daquele principado; do outro, o Conde Telramund e sua esposa Ortrud, que haviam ficado como os guardiões e tutores dos órfãos.
Porém, influenciado pela esposa, o Conde passou a desejar a morte das crianças para lhes usurpar o governo e se apossar de sua herança; e com essa sórdida intenção, o casal acusou Elsa pelo desaparecimento do irmão, denunciando-a como a assassina do mesmo para herdar o Direito Sucessório que a ele pertencia.
Assim, para seguir os trâmites da legislação do lugar e da época, ele convoca a presente reunião e na presença da maior autoridade do país, o próprio rei Henrique, exige que ela se defenda de acordo com o costume, que prevê um duelo entre o acusador e o acusado, ou outrem que ele indique, ficando o vitorioso na refrega com a sua versão aceita e estabelecida.
Elsa entra em cena cabisbaixa e chorosa, na companhia de suas damas. O Conde mostra-se confiante, pois sabe que ela não poderá se defender sozinha e nem conseguirá alguém que lhe tome as dores.
E, de fato, ela declara a sua impossibilidade de vencer uma luta como aquela, bem como a inexistência de algum cavaleiro que o faça por ela, exceto, diz, se por um milagre, o cavaleiro de reluzente armadura que frequenta os seus sonhos se materializasse inesperadamente e a amparasse.
Nesse ponto acontece um dos ápices da Ópera, pois ao descrever os seus sonhos, Elsa entoa uma das mais lindas Árias da obra, na qual descreve o heroico cavaleiro que defenderia a sua honra ultrajada.
Porém, a realidade da situação volta com toda força quando a fanfarra toca o “Dobrado” convocatório para que o acusado apresente o seu defensor e nenhum dos presentes se mostra disposto a enfrentar a prova mortal.
Instala-se um silêncio perturbador, mas quando a banda faz a terceira e última chamada, um murmúrio perpassa a multidão, que vê, com certo assombro, a chegada pelo rio de um cisne atado a um pequeno bote, por uma corrente de ouro.
Dentro do barco, um cavaleiro de armas reluzentes prepara-se para desembarcar e tão logo pisa em terra, apresenta-se ao Rei como o defensor da jovem acusada. Em seguida, pede-lhe a devida permissão para casar-se com ela, assim que vencer o duelo. À jovem promete fazê-la a mais feliz das esposas; mas, alerta, ela, ou qualquer outra pessoa, nunca deverão perguntar-lhe o nome e a origem.
Radiante de alegria, Elsa concorda com essa exigência e começa a sonhar com a sua felicidade futura.
Na sequência, o Rei Henrique faz uma prece e roga a Deus para que a Justiça seja feita plenamente. Todos os demais o acompanham na oração e no desejo de equidade.
Finda a reza, o espaço para o combate é delimitado e o toque das trombetas sinaliza que após o Rei Henrique arranhar o escudo por três vezes, o duelo terá início.
Os lutadores iniciam a troca de golpes, mas em pouco tempo e com muita facilidade o desconhecido (Lohengrin) derruba Telramund, sem, no entanto, matá-lo, como poderia fazer.
O público delira com aquela performance e com a queda do malvado Conde, enquanto Elsa e o cavaleiro saboreiam o triunfo e a dádiva do amor.
No outro lado, Telramund e Ortrud amargam a derrota humilhante e a frustração de seu plano de usurpar o poder e a herança dos jovens.
E, assim, entre a glória e o ressentimento, termina o primeiro ato.

 
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O segundo ato é encenado na reprodução de um pátio, delimitado por três edifícios. Ao fundo, a residência dos cavaleiros, à esquerda a vivenda das damas e à direita, uma catedral.
A baixa iluminação simula uma noite tranquila; porém, pouco depois, as vozes iradas do Conde e da Condessa quebram o silêncio ao discutirem asperamente sobre a culpa pelos últimos insucessos, que, eles sabem, resultará nos seus banimentos.
Apoiada em uma supersticiosa crença, Ortrud diz a Telramund que se ele tivesse conseguido tirar ao menos uma gota de sangue do desconhecido, o seu encantamento seria quebrado, mas como nem isso ele logrou fazer, ela terá que seguir um novo caminho para desvendar o nome e a origem do mesmo, pois “tem certeza de que tal revelação interromperá a magia que ele possui”. A perspectiva de poderem vingar-se do odiado casal os reconcilia e tacitamente eles se colocam a espera do momento para agirem.
Nesse momento, Elsa surge na janela e exprime toda a alegria que sente através de uma bela e terna ária.
Ortrud afasta-se do marido e aproveita o aparecimento da jovem para se mostrar “muito arrependida” pelos males que ela e o esposo causaram aos órfãos. E prossegue com a sua farsa, dizendo-se amiga de Elsa, a quem deseja toda a felicidade no casamento e na vida. Por último, como se estivesse preocupada com o seu bem estar, insinua que talvez o noivo da jovem seja um malvado feiticeiro, já que ele tanto oculta sua origem e identidade.
Porém, a despeito da gravidade da insinuação, Elsa não lhe dá importância e continua a viver a felicidade de quem encontrou o amor. Assim, pede licença a Ortrud e se recolhe, enquanto a pérfida Condessa invoca as deusas pagãs Odin* e Freia*, clamando pela ajuda de ambas.
Passados alguns momentos, Elsa volta à cena e ingenuamente convida a sua dissimulada inimiga a acompanhá-la nos preparativos para o casamento.
Nisso, amanhece e o pátio começa a ser ocupado por vários cavaleiros, soldados e cortesãos enquanto um arauto proclama o banimento de Telramund e, também, o casamento de Lohengrin e Elsa.
Por algum tempo, os acontecimentos seguem a marcha esperada, porém a caminho da igreja, Elsa e suas acompanhantes são rispidamente abordadas por Ortrud, que, dentre outros impropérios, grita que não mais se curvará ante sua ex-tutelada e a desafia a dizer o nome de seu futuro marido.
A noiva mantém o comportamento digno e responde que o seu noivo é um cavaleiro livre de pecado, dono de uma moral ilibada e muito bondoso, como bem prova o fato de ele ter poupado a vida de Telramund, quando podia tê-lo matado ao vencer o duelo.
A lembrança desse último fracasso acirra o ódio de Ortrud que, então, volta à carga com mais ressentimento. Como se estivesse presa a uma obsessão ela insiste em desafiar Elsa, exigindo que ela confesse desconhecer quem é, na verdade, o seu futuro marido. E prossegue sua ladainha, repetindo que ele é um perigoso feiticeiro que trará a desgraça para todos.
Elsa se mantém dentro da civilidade, mas o escândalo da Condessa não passa despercebido ao Rei Henrique, que tendo chegado naquele instante, não tem alternativa que não seja a de expulsar a litigante mulher de Telramund.
Isso feito, a cerimônia tem início, mas logo é novamente interrompida, agora pelo Conde Telramund que exige ser ouvido, apesar dos protestos dos cavaleiros. Seu discurso, porém, é uma mera repetição das acusações de sua esposa contra Lohengrin e não causa nenhuma comoção.
Lohengrin, responde que a sua honra não pode ser questionada e que é responsável apenas por Elsa, não podendo responder pela felicidade e prosperidade do reino ou de terceiros. É uma contra argumentação parcial, haja vista que, novamente, ele não declina sua identidade, mas, ainda assim, é satisfatória para o Rei e para os cavaleiros, que, aproveitam a ocasião, para decretar o banimento definitivo do casal de nobres decaídos.
Todavia, Ortrud e Telramund, apesar do rigor do castigo que sofreram, saem da igreja contentes, pois sabem que semearam o germe da desconfiança na mente e no coração da jovem esposa.
E, de fato, a dúvida foi instalada, como bem sabe Lohengrin, pois ele percebe que ela passou a temê-lo.
Enquanto isso, o cortejo caminha e quando estão às portas da catedral a orquestra toca a música que servirá para Elsa perguntar o que antes prometerá não indagar: o nome de seu amado.
É o fim do segundo ato.

 
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O terceiro ato é encenado na representação da câmara nupcial.
Logo de início, o público é brindado com o famoso e sublime “Prelúdio” que embeleza a cena. Em seguida o Coral entoa a tradicional “Marcha Nupcial” e, na sequência, os nubentes cantam um apaixonado dueto, repleto de amor e de ternura.
Uma atmosfera de paz e de harmonia envolve o ambiente, mas, nem mesmo esse clima benfazejo é capaz de impedir que a angústia cresça no coração de Elsa. Os mistérios de seu marido não permitem que ela usufrua a felicidade do momento.
Assim, presa a um turbilhão de dúvidas e incertezas, ela pressente a volta do cisne que havia trazido Lohengrin, para levá-lo em definitivo. Tomada, então, de irresistível aflição, não consegue manter a promessa e em prantos pede que o marido revele toda a verdade.
É um momento doloroso e difícil, mas antes que ele possa dizer qualquer coisa, Telramund entra em cena com a espada em punho. Repetindo as acusações contra Lohengrin, atira-lhe outra espada e o desafia para novo duelo.
Todavia, como da primeira vez, Lohengrin não encontra qualquer dificuldade em dominar o combate e como num passe de mágica, Telramund é trespassado pela espada do herói. Contudo, para ele não há motivos de júbilo, pois ele sabe que o sangue derramado impedirá que continue com Elsa e, pesaroso, diz-lhe que a felicidade de ambos terminou junto com a vida do maldoso desafiante.
Esse sombrio vaticínio encerra a primeira cena.
A segunda cena é novamente ambientada nos arrabaldes da cidade, no “sitio dos julgamentos”, sob a copa da grande árvore.
Ali, enquanto o corpo de Telramund é velado, o Rei e os cavaleiros confabulam rapidamente e proclamam que Lohengrin agiu em legítima defesa e, portanto, não se pode imputar-lhe qualquer culpa naquela morte.
A absolvição comove o herói que, então, dispõe-se a revelar sua identidade. Conta que é de Monsalvat, a terra dos “Cavaleiros do Santo Graal”, filho de Parsifal (que protagoniza outra Ópera de Wagner) e se chama Lohengrin.
Nesse momento, o cisne que lhe trouxe reaparece e é recebido com tristeza pelo filho de Parsifal, já que é o sinal de que chegou a hora de partir. Amargurado, despede-se de Elsa e entrega-lhe o anel, a trompa e a espada, pedindo-lhe que as repasse ao seu irmão Gottfried, caso ele retorne algum dia. Em seguida, ajoelha-se e faz uma oração silenciosa, enquanto uma pomba branca pousa no barco puxado pelo cisne.
Ao perceber o pequeno pássaro, Lohengrin desata a corrente que prendia o cisne e este mergulha nas águas escuras para dela emergir transformado em um jovem príncipe, luxuosamente trajado. E Lohengrin apresenta-o como o legítimo governante da região.
O entusiasmo toma conta de todos e Elsa reconhece, emocionada, que aquele jovem é o seu irmão, Gottfried, que voltou para reassumir o trono dos Brabant.
A festa ganha, então, mais entusiasmo e o jovem herdeiro relata que seu desaparecimento foi causado pela bruxaria de Ortrud, que o transformou naquela ave e, depois, acusara a sua irmã de tê-lo assassinado. Mas, agora, tudo estava acabado e os dias venturosos estavam apenas começando.
Entrementes, Lohengrin embarca no pequeno barco e a pomba o leva de volta ao lar. Dele, fica a justiça restabelecida e a saudade que invade o sofrido coração de Elsa.

Histórico

Wagner começou a trabalhar nessa Ópera em 1845 e confecção da mesma apresenta uma curiosidade, já que ela foi iniciada pelo fim.
Com efeito, Wagner fez em primeiro lugar o trecho que viria a ser o terceiro ato; e, após observar que seria necessário descrever algumas situações anteriores, compôs o segundo e, por fim, ainda insatisfeito, decidiu escrever o aquele que seria o primeiro ato, para narrar as circunstâncias que dão ensejo às ações posteriores.
Pode-se dizer, a propósito, que esse processo singular confirmou a lei da matemática que determina que “a ordem dos fatores não altera o produto”, pois a resultante de seu trabalho foi essa preciosidade que ainda hoje encanta a todos os públicos.
Nela, Wagner se utilizou da mesma matéria-prima de suas outras produções, ou seja, a mescla de lendas nórdicas, germânicas e medievais com a grandiosidade de seu talento.
E usando, direta ou indiretamente, o mote do “Santo Graal (para alguns, o vaso de esmeralda em que José de Arimatéia recolheu o sangue de Jesus, ferido pelo Centurião romano)” ele fez de seus personagens, na presente Ópera e em “Parsifal”, os guardiões da relíquia que ainda hoje suscita acalorados debates acerca de sua real existência.
A escolha desses temas e personagens calou fundo na alma germânica, que pôde se reconhecer em cada um deles. Em outras terras, o espetáculo é apreciado pela beleza, pelo vigor e pela grandiosidade, sem, no entanto, deixar-se de admirar o amor do compositor pelas coisas de sua pátria e cultura.


 
Rio de Janeiro, 17 de abril de 2015.
 
Nota do Autor – Odin e Freia – a deusa Freia é uma das mais antigas divindades da mitologia nórdica e germânica. É uma divindade associada ao sexo, ao amor, à luxuria, ao ouro, à guerra e à morte. Odin, na verdade, é o supremo deus pagão da mitologia nórdica, popularizado como o pai do super-herói de HQ e cinema Thor.


Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015