O momento da Partida
A morte sempre me foi algo curioso. Nunca tive medo, caminhava criança pelos cemitérios cheia de respeito e certo encantamento; associei a morte a silêncio e paz, ao vento entre as arvores e a cenários de granito. A vi sempre como um ser independente, mais do que como um mero acontecimento. A imaginava mulher, uma senhora de baixa estatura e olhos penetrantes; gentil mas resoluta. Nunca me pareceu assustadora mas era intimidante, sua simples presença causava mudez e olhares perdidos.
Mesmo com o passar dos anos, quando a imaginação já não é tão viva e livre, ainda a vejo assim, intrigante, misteriosa e por vezes sedutora.
O medo da morte é talvez o mais primitivo e, arrisco a dizer, o único que nunca encontrei. Creio que temer a morte seja na verdade temer o definitivo, palavra aterrorrizadora para nossa natureza evolutiva. Mesmo aos que acreditam na existência de algo mais, a única certezaé de que "somos" e a morte é a possibilidade gritante de deixar de ser. Talvez por isso ela também atraia.
O mistério de sua natureza e as inúmeras teorias e possibilidades seduzem a curiosidade fúnebre. A existência, por sí só, pode ser demasiado peso e muitas vezes sou levada a crer que a dama vestida em capuz negro e empossando sua lâmina incorruptível é na verdade senhora gentil, coberta de branco, pronta a nos levar pela mão para a liberdade definitiva de tudo o que nos oprime.
Ouvi algumas vezes que desejar a morte é o maior ato de egoísmo e covardia. Ânsia de fuga libertação individual, legando aos que ficam um caminho sôfrego. [...] [...] [...] [...]
Quão covarde é o medo da inexistência? Quão egoísta é preferir o contínuo sofrimento do outro para evitar a própria dor?