O EU E O SILÊNCIO COMPARTILHADO

É tempo de Semana Santa e as circunstâncias sugerem a reflexão a partir da poética que se insere na realidade – um sopro de vento e hóstia em comunhão:

“À SOMBRA DA CRUZ DE PÁSCOA

A poesia revoluteia em mim

à sombra da cruz de páscoa.

Ajoelho-me na pretensão de homenagear

a hipocrisia dos homens ao Cristo crucificado.

Sempre a dimensão humana, controversa, aleatória.

Em antagonismos de pregação e práticas

a igreja de Pedro desce

de seus castelos de ouro e púrpura

e beija os pés dos desvalidos.

A hipocrisia campeia incenso e mirra

e o meu dízimo é a palavra: humana

como um beijo no bezerro de ouro.

Segue a humanidade à busca do

que parece estar fora do ser,

conquanto está dentro dele:

uma luz que brilha, enquanto

ressuscita o INRI – o deus dos perseguidos,

à busca dos cordeiros.

E no meu íntimo a punição: tanta pompa

aos sacrílegos de todo o tempo...

E o herege inconvicto deita-se sob a alça

da tumba, com pouco tempo e vontade

para a louvação desbragada.

O coração sangra os mistérios dolorosos.

Quem sabe amanhã tenhamos peixe e vinho

à ceia dos aflitos...

O Santo Padre estatela-se sob céus de chumbo,

beija os enlameados e chora a exclusão.

Um soldado romano chicoteia a humildade.

A hecatombe humana vivencia, de costas,

as doze estações da via sacra...

– Versos de Joaquim Moncks; do livro inédito “A BABA DAS VIVÊNCIAS”, 2013/15.

http://www.recantodasletras.com.br/poesias/4216138 “

– Marilu Duarte, via e-mail, em 03/04/2015:

O que é a Poesia, senão imagens controvertidas e desconexas de uma visão real e incrivelmente idealizada, que dançam aos olhos do poeta, ensaiando a mais bela e pura coreografia? “Ajoelho-me na pretensão de homenagear/ a hipocrisia dos homens ao Cristo crucificado.”. Uma expressão humana, repleta de humildade e ao mesmo tempo de repúdio à farsa, que nos faz lembrar as palavras de Santo Agostinho: – uma virtude simulada é uma impiedade duplicada: à malícia une-se a falsidade. De certa forma, o texto nos revela a fartura, a opulência dos castelos dos poderosos, que contrastam com a igreja de Pedro, que é “pedra sobre pedra”, onde a fé e a esperança deveriam ser edificadas no dia a dia de nossas vidas. Nestes versos, “ ... e o meu dízimo é a palavra: humana/ como um beijo no bezerro de ouro”, percebe-se a luta quase infrutífera do ser humano entre o Ser e o Ter. O ter é o poder e o ser o próprio contexto histórico e individual de cada um, que se perde em desafios e propostas fáceis e sedutoras. A páscoa transformou-se na externalização do poder. Desfilam presentes e ovos de chocolate de todas as cores e sabores, de acordo com o poder de compra, daqueles que cultuam o materialismo, indiferentes à espiritualidade e ao renascimento. Afinal, “... E o herege inconvicto deita-se sob a alça/ da tumba, com pouco tempo e vontade/ para a louvação desbragada.”. O Amanhã está no porvir e logo revelaremos o que somos e para que viemos. Somos todos humanos divididos entre o Eu verdadeiro e o Eu representado. Possui verdades incontestes a frase que descreves com tanta eloquência: “... O coração sangra os mistérios dolorosos./ Quem sabe amanhã tenhamos peixe e vinho/ à ceia dos aflitos...”. É bem possível que tal ocorra. Afinal, somos por vezes o próprio silêncio, preenchidos por ruídos, lembranças, emoções e um pouco do que sentimos do silêncio do outro. Obrigada, Joaquim Moncks, pela tua fala poética, envolvente e reflexiva, que nos transporta a um mundo de silêncios compartilhados.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/5194536