A Olaria e as Caieiras da Praia da Cal

Entre a Torre Norte (Morro do Farol) e a Torre do Meio (Morro das Furnas) localiza-se a Praia da Cal, chamada assim devido ao processamento e queima de cal para a construção das edificações da vila de Torres. No século XIX, era chamada de Praia da Olaria, pois na extremidade sul junto ao morro funcionava uma olaria que era responsável pela produção de telhas e tijolos. Descrições minuciosas de 1844, do Ten. Cel. Francisco de Paula Soares de Gusmão, ilustra com nitidez as atividades exercidas na olaria e a exploração econômica dos recursos naturais:

“Este 2° outeiro – conhecida pela Torre do Meio – em razão de sua situação entre as outras duas, não deixa de ser notável, porque no seu cimo tinha uma bacia ou depósito de águas da chuva, que formava uma lagoa, no fundo da qual / parecera? extraordinário / encontrei excelente barro para telha e tijolo, do qual me aproveitei, fazendo para o mar um profundo rasgamento [SIC] por onde a esgotei, a fim de aproveitar-me de todo o barro que tinha em si.

Nesta mesma torre, para facilitar o serviço, arranjei o forno e a olaria a minha custa, pagando aos Mestres que vinham ensinar aos Profissionais, e assim consegui fabricar-se telha e tijolo para a Igreja, residência para mim e o Padre, e também para os moradores que quisessem aproveitar.

Não menos interessante para nossos trabalhos foi encontrarmos entre esta Torre e a primeira, um prodigioso depósito de grandes caramujos que no tempo invernoso de grandes marés as águas sobem consideravelmente nestas praias, e depois retirando-se ficam os caramujos envolvidos na areia que o mar tenha lançado e foi-me de suma importância esta mina preciosa para as obras da Povoação das Torres, porque certamente seria muito dispendioso levar cal àquele lugar, é que quanto não seria preciso e com que transporte o faria eu? Entretanto eu consegui destes caramujos fazer excelente cal, melhor que a de marisco, e com ela edificou a Igreja, meu quartel do Capelão, o da guarnição e os depósitos indispensáveis para acomodar a Tropa da Guarnição, os presos empregados nos trabalhos da nova povoação e os objetos militares, assim pude ultimar o meu desempenho de criar a povoação sem despesa da Nação.” (Correspondência de Soares de Gusmão ao Visconde de São Leopoldo datada de 24/09/1844, publicada no Raízes de Torres (1995)

As informações obtidas nesta correspondência nos remetem a uma área de extração de sedimento argiloso para o fabrico de telhas e tijolos na parte superior da Torre do Meio. A lagoa e o “rasgamento profundo em direção ao mar” ou canaleta para escoar a água mede cerca de 1,70 metros de largura por 20 metros de comprimento, ligando a lagoinha até a encosta leste desta elevação, conhecida como paredão. O objetivo deste escoamento era facilitar o acesso dos trabalhadores à matéria prima tão desejada. Concomitante ao funcionamento da olaria existia uma caiera de propriedade de Soares de Gusmão. Ele ressalta a utilização dos concheiros naturais que se formam na extremidade sul e norte da praia e que produz um cal de boa qualidade. Vale ressaltar, que os fornos de cal exploravam além dos concheiros naturais, os sítios arqueológicos tipo sambaqui pela abundância de material. Esta prática resultou no desmonte e destruição de diversos sambaquis de Torres, a prioridade eram as construções da povoação, principalmente as edificações dos oficiais e párocos. Segundo Rui R. Ruschel, em correspondência da câmara municipal de 30/10/1881, um “Quilolitro de cal” valia apenas 200 réis [...], seria produzido com a trituração e queima de cascas de mariscos de sambaquis no “Rancho da Cal”, na extremidade sul da Praia da Cal. No século XX, o proprietário do Rancho da Cal era Elói Krás Borges. Provavelmente, houve uma substituição paulatina da olaria pelos fornos de cal que devem ter funcionado até os anos 1940 ou 1950. Tudo indica que por cerca de cem anos houve a exploração dos fornos de cal nessa exuberante paisagem das Torres.

Publicado no Jornal Litoral Norte RS.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 31/03/2015
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