Impressões do dia 15

Na última passeata (15/03), a brados retumbantes, com direito a hino e tudo, a multidão vociferava, a plenos pulmões, sufocados de ódio, seu ódio em verde a amarelo. Tudo, como que tomado de certa catarse coletiva, mais para histeria, cobria-se, não com o manto dos puros, mas com a veste dos hipócritas, diria o terapeuta quando constata que seu paciente culpa o Outro pelos fracassos da vida. Ou, pior, quando durante a seção, o profissional percebe que seu paciente, incapaz de reconhecer sua responsabilidade no que condena, junta-se à tosca massa, para exigir comportamentos que só existem, porque desde tempos remotos, o quadro fora pintado por aquelas mãos.

A horrenda urbe, patrocinada por emissora que não resiste a um golpe, colocou em cena toda sua verve nazifascista em campo. O filme não é novo, e as caras, todas elas, igualmente conhecidas de tempos outros, embebecidas por algo que lhes pudesse dar algum sentido, em coro e em ordem, como gado a caminho do matadouro, seguiam, porém não caladas, e somente nisso diferenciavam dos bois, para a batalha composta de beócios senhores. Em tudo, e historicamente, os autores do quadro que eles atacavam, era parecido com o horrendo e torpe espetáculo desfraldado sob solicitações igualmente torpes. Deu-se, ainda, à senhora hipocrisia, o elementar cerimonial das damas. Senhoras de peles esticadas à bisturi, dentes branquiados à laser e cabelos armados, tão armados, que um pássaro desatento poderia chocar seus ovos como se estivesse em seu ninho.

Senhoras refugiadas na mais torpe aparência de que detinham algo palpável de cidadania, elas, que noutros tempos e com o mesmo discurso, saíram às avenidas em defessa da família, e da propriedade. Um horror, e olha que nem era 31 de outubro. Todavia, a considerar as doces palavras, vomitadas a decibéis que retumbavam por todos os cantos, propagavam aquele dia como o Dia D. O dia em que o Brasil teria sua certidão de nascimento registrada em cartório de área nobre; longe dos incômodos barracos, dos incômodos pretos, dos incômodos pobres dependentes dos programas sociais, como se eles, os detentores da moral e da ética, pudessem se olharem ao espelho e ver a transparência que teimavam em evocar. Ora, pois, tantas foram as demonstrações de boçalidade que eu, já a caminho do quinhão de terra que me cabe, lamentei por pertencer ao gênero humano.

E, ainda, a se considerar que a pauta era desconhecida da grande maioria, não resta dúvida, que a disposição de ir àquele evento não prescrevia em si outra coisa senão desfraldar, para quem quisesse ver e ouvir, todo o ódio contido, todo o rancor àqueles que os manifestantes elegeram como seu inimigo de classe. As virulentas, para não dizer purulentas, falas com que se expressavam diante de crianças que, desde pequeninas, já estão frequentando a escola da exclusão, a escola do ódio dirigido aos que "eu julgarei" serem inferiores a mim. Assim como o filme, esse quadro também não é novo. A tonalidade da tinta não se alterou, mesmo que já se tenham passados mais de 50 a anos do dia em que essa mesma massa, tomada de um ódio e rancor, deu total, na verdade contava com isso, apoio às forças que tomaram em suas mãos a Nação. E foram longos anos de lágrimas, dores e desaparecidos.

Dia 15 ficará na história, não como o dia em que o povo saiu às ruas para lutar por mudanças reais, mas, e isso é muito triste, para querer recolocar o Passado como se fosse o evangelho de um tempo em que a noite durou 21 anos.