A retribuição

Hoje em meu evangelho ao ler mensagem “A retribuição” (Fonte Viva, Chico/Emmanuel), levei um susto. Se eu estivesse na alfabetização, a professora diria que foi um estalo ( a gente chama isso para o exato momento em que a criança olha para o quadro, para a folha e consegue ao juntar as letras ler a primeira palavra), ouso dizer, um estalo paradoxal.

A pergunta inicial era: “Pedro disse-lhe: e nós que deixamos tudo e te seguimos que receberemos?” (Mt. 19:27) Acredito que não foi Pedro e nem eu a única mortal sobre esse planetinha azul que muitas vezes se pegou e pega esperando a retribuição divina ou humana. Penso ser ainda da condição humana, ou melhor, dizendo, do nível evolutivo em que nos encontramos. Pois bem, Emmanuel como sempre usando a natureza para explicar mostrou explicações extremamente paradoxais que seria mais ou menos assim: “ a retribuição de seu esforço em amar, evoluir, ser feliz é o servir, enxergar o outro”. Muita calma nessa hora! E eu?

No Evangelho encontramos: “No seu ponto de partida, o homem só tem instintos; mais avançado e corrompido, só tem sensações; mais instruído e purificado, tem sentimentos; e o amor é o requinte do sentimento”.

Bom, podemos olhar ao nosso redor e observar... Existem pessoas, parece que muito mais agora, as hedonistas, que transitam entre o instinto e as sensações, e dá-lhes mais sensações. Possuem ou lutam por possuir bens, pessoas, status, poder. Para essas pessoas nada é suficiente. Em seu egoísmo e orgulho jamais assumirão publicamente que tem um imenso buraco negro em seu ser; falta algo e isso as impulsiona a querer cada vez mais ir a busca das mesmas sensações que a materialidade supre momentaneamente. É como droga, sexo, bebida, comida, jogo, poder e todos os vícios de caráter. Matamos e morremos por eles, mas o buraco fica ali denunciando que falta algo...

De repente o estalo, já na exaustão do sofrimento e do cansaço, o homem começa a perceber que existe o outro independente dele. Penso que esse olhar começa quando olhamos pela primeira vez um filho, um ser vivente para além de nós e mesmo ainda sendo egoístas e orgulhosos, sentimos a vontade de proteger; abrimos espaço em nosso centro para esse ser entrar. Começamos a dividir genuinamente. Estamos engatinhando para os sentimentos. É claro que se na natureza as transformações não acontecem aos saltos, conosco não será diferente, ainda lutaremos com unhas e dentes pelas mesmas coisas de antes e nosso amado será a desculpa. Quem já não ouviu a frase: Faço tudo por meus filhos! Morro por ele, ela! Trabalho para dar garantias! E por aí afora?

Nessa fase entre dois mundos, na transição, tudo fica misturado e ainda, sendo seres extremamente egoístas e orgulhosos queremos que o outro siga as regras de nossa cartilha. Como o outro ainda é extensão do meu ser, não posso permitir que ele construa do jeito que ele quiser e souber sua existência, sua trajetória, sua felicidade. Daí os grandes conflitos entre gerações, pais e filhos, famílias.

O mais engraçado, tragicômico, é que antes as cruzadas eram com derramamento de sangue, agora são com derramamento de prisões psicológicas e a coisa se complica com as inversões de papeis quando reencarnamos. Aquele que oprimia passa a ser o opressor... E a confusão não vai ter fim?

“Pedro disse-lhe: e nós que deixamos tudo e te seguimos que receberemos?” Notemos que Pedro é claro quando diz: “nós que deixamos tudo”. Novamente o estalo! O que de fato eu deixei? O que de fato eu me desapeguei? Qual foi meu esforço para sair de mim? Quando foi que o planetinha azul parou de girar ao meu redor? Quando foi que minha felicidade já não estava atrelada à obrigação do outro fazer-me feliz, servir-me, seguir minhas vontades e desmandos?

O mais surpreendente é que não consigo lembrar-me na literatura espírita, no Evangelho, nas Leis divinas nenhum exemplo em que a Espiritualidade Maior, Jesus, Deus, atrelam sua felicidade, sua evolução, perfeição no caso de Deus, a responsabilidade a esse insignificante ser que sou.

Vejo sim, pesar, tristeza, não porque eles não conseguem ser felizes por causa de minha birra, infelicidade, imperfeição, mas porque eles sabem que ainda debato-me parada lá atrás na guerra entre instinto e sensação. Que como bebê, ainda me arrasto, engatinho, porque arrogante, não seguro nas mãos das leis divinas para dar o impulso de levantar-me e sair caminhando de mãos dadas com Eles.

Daí parece estar fechando um ciclo, quando eu de fato solto, deixo tudo, cada coisa vai pro seu lugar e ao fazer isso olho o outro com compaixão, amor, respeito e mesmo com pesar deixo-o seguir e construir seu caminho.

Meu papel de provedor/controlador, passa a ser aquele que segue ao lado, note, ao lado construindo minha evolução e felicidade independente da escolha do outro. Com a sensação que da mesma forma que a Espiritualidade Maior compreende meu nível evolutivo, eu também já consigo tentar seguir o exemplo: estar ao lado para intuir (para nós encarnados, dar orientação ou conselho quando solicitados), amparar a queda, pegar no colo, soprar as feridas, mas colocar novamente no chão para que nosso amado siga com sua evolução individual. Isso é servir!

E com convicção de alma (espírito encarnado), o paradoxo torna-se um ciclo perfeito e não há melhor definição de amor, não há lei mais perfeita, do que “Fazer ao outro o que quero que o outro faça para mim!” 16/03/2015.

Darlene Polimene Caires
Enviado por Darlene Polimene Caires em 19/03/2015
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