15 de Março e o espelho
Quando paramos em frente a um espelho, vemos a nossa imagem refletida.
Por enquanto, os espelhos possuem apenas a propriedade de refletir a nossa imagem física. E é bom que continue assim. Caso inventem um espelho que consiga refletir a alma humana, aí o caminho para o caos estaria trilhado.
Os movimentos marcados para hoje, sexta-feira 13, e para domingo, 15 de março, refletem uma imagem um tanto peculiar da alma brasileira, neste momento também peculiar pelo qual passa o Brasil.
É peculiar porque se colocam, frente a frente, retratos da falta de honestidade de toda uma nação. E o reflexo é exatamente este caldeirão de insensatez ideológica, refletida nas posições políticas que se embatem na internet e que, depois, vão para as ruas estampando a falta de coerência.
Explicando melhor, vamos colocar alguns fatos.
Para começar, o impeachment é inviável. Em que pese se tratar de um processo eminentemente político, tal processo está alicerçado em fundamentos jurídicos, previstos na Lei 1.079/50, que normatiza, dentre outras coisas, os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República.
Apesar da imprecisão (talvez proposital) do texto da lei, acerca da tipificação das condutas que podem acarretar o processo de impeachment, a verdade é que os fatos pelos quais acusam a Presidente, não consubstanciam as hipóteses normativas enunciadas no texto legal, ou seja, não há embasamento jurídico para impeachment.
Não obstante, não acho certo chamar de golpe, o movimento diante da insatisfação com o atual Governo. É o exercício da liberdade de expressão e faz parte do jogo democrático, desde que exercido dentro das balizas da licitude.
Em segundo lugar, caso houvesse o indigitado impeachment, o Brasil seria governado pelo PMDB.
Sinceramente, é melhor deixar a Dilma lá. Não votei nela. Mas é melhor ela, do que a malta do PMDB.
O que eu não consigo entender, e aqui eu retorno ao que coloquei no início deste texto, é essa hipocrisia, que contamina tanto os governistas, quanto os oposicionistas.
É uma hipocrisia teimosa fincada: A) na não aceitação dos próprios defeitos, quando se busca sempre culpar os outros e B) na contradição que emerge da defesa de argumentos, custe o que custar, desde que, ao final, o argumento saia vitorioso, apesar de falso.
Para não ficar muito vago, vou tentar explicar, com alguns exemplos bem ilustrativos, advertindo que citarei apenas dois exemplos, dentro de um número sem fim de incoerências desse tipo.
Na última eleição, uma das severas críticas dirigidas a Aécio Neves foi a escolha do nome do Ministro da Fazenda, Armínio Fraga.
O pessoal do PT traçou um perfil demoníaco, dizendo que ele se alinhava aos interesses do mercado financeiro internacional, que era um sujeito que fez fama e fortuna no ambiente das bolsas e do capital especulativo e que estava alinhado ao neo liberalismo. Realmente, era tudo verdade.
O que eu não vi - e aí vem a hipocrisia -, foi esses mesmos críticos fazerem menção a um nome que também fez fama no mercado financeiro internacional, era alinhado ao mundo capitalista e neo liberal dos bancos, mas se tornou homem forte do governo Lula.
Para quem não lembra, Henrique Meirelles, o todo poderoso presidente do Banco Central, durante os oito anos em que Lula governou, assumiu a presidência de Global Banking do FleetBoston Financial, antigo BankBoston, em outubro de 1999.
Tem mais: na mesma eleição em que Lula foi eleito presidente, em 2002, Henrique Meirelles foi eleito deputado federal por Goiás, pasmem, pelo PSDB!
Pois é. Um tucano, vindo de um dos expoentes do mercado financeiro global e que foi presidente do Banco Central do governo Lula. Mas, alguém falou algo sobre isso?
Se colocassem o Henrique Meirelles em frente a um espelho, não seria surpresa se a imagem refletida fosse a do Armínio Fraga.
Mas, o que vale é que o argumento petista saiu vencedor.
Outro exemplo desta teimosia hipócrita que enseja argumentos contraditórios foi a fatídica derrocada da Marina Silva, frente às mentiras contadas pela Dilma, no 1º turno da campanha eleitoral passada (aliás, hoje, passadas as eleições, se Dilma entrar na frente do espelho, a imagem refletida será a do Pinóquio).
Marina Silva foi duramente criticada por ter tido apoio da educadora Maria Alice (Neca) Setubal, acionista do Banco Itaú.
Apesar de acionista, Neca Setubal nunca exerceu cargos no grupo financeiro administrado pela família.
Pois bem. Como dito, este fato serviu para que os petistas acusassem Marina Silva de estar alinhada à elite da burguesia financeira que, historicamente, sempre foi contra a melhoria de vida da classe trabalhadora e blá blá blá. Isso todo mundo viu e, certamente, foi um dos ingredientes que fizeram a Marina sequer passar para o 2º turno.
O que eu não vi foi a revolta desses mesmos críticos, quando a Presidente Dilma, na tentativa de superar a crise de credibilidade que envolvia o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, buscou como seu sucessor... Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. Ué, Itaú não pode, mas Bradesco pode? Como assim?
Como o convite foi rejeitado, sobrou para o atual Joaquim Levy.
Essas contradições refletem a hipocrisia que um espelho normal não consegue refletir.
Repito: é a hipocrisia da alma. E isso é um problema atávico e histórico.
Governo após governo, o que fica patente é a tentativa burra de querer mudar o Brasil atacando os sintomas e não as causas. E é assim porque somos todos hipócritas. É mais cômodo culpar os políticos, e não aqueles que dão poderes a eles.
Não estou a defender a pouca vergonha do nosso cenário político. Longe disso. Apenas busco apontar que esse cenário é consequência da nossa hipócrita teimosia de não querer admitir que o problema é nosso. Tem que mudar a gente e não os outros.
Fôssemos retratados com classe e talento artístico, arriscaria dizer que o retrato do brasileiro seria comparável ao degradante caso do Dorian Gray.
O problema é que ao ser humano não é dado aceitar, com facilidade, seu lado podre. Não somos acostumados a admitir os nossos erros.
Olhamos para o espelho e, quando vemos um defeito, o problema é do espelho.
Dilma Roussef é o espelho. Renan Calheiros é o espelho. Fernando Collor de Mello é o espelho. Paulo Maluf é o espelho. Lula é o espelho. Aécio Neves é o espelho.
E o que vamos fazer para solucionar os problemas? Quebrar o espelho? Será que resolve?
P.S.: na literatura nacional, para entender o pegajoso pântano da alma brasileira, sugiro a leitura da obra-prima “Viva o povo brasileiro”, de João Ubaldo Ribeiro.