O CAMPEADOR DE INQUIETUDES

Joaquim Moncks (*)

Em mãos os arquivos originais de Moisés Menezes, bom e antigo amigo: escritor, poeta e compositor. Homem multifacetado, com uma bonomia capaz de chamar a atenção dos que circulam em nosso meio literário-associativo e nos festivais de poesia e música por este Rio Grande de Deus e alhures. Recruta-me para falar à posteridade e atendo ao chamamento, meio assustado com sua pujança varonil sexagenária, verbalizada em temáticas variegadas.

Nesta obra – uma espécie de rememoração de seu acervo literário de palco, livretos e esparsos internéticos, livros, discos, revistas e outros registros – o peregrino autoral comparece ajoujado a vários conhecedores de sua ótica andarilha de vastidões emocionais e intelectivas, sendo que em cada uma delas está o menino de Tupanciretã – a Terra da mãe de Deus, que se fez homem e libertário de ideias e anseios. A Poesia lhe toma o espírito e ele se faz campeador, como El Cid, na saga espanhola ancestral.

A peça literária é o andejo espírito subjacente ao homem revelado, suas fantasias e farsas, bem como relatou o grande bruxo e alquimista Fernando Pessoa em seu “Autopsicografia”. Em cada linha, um a um dos seus analistas e confrades comentaristas colocam autor e personagem no caminho do leitor e salientam o seu espiritual com talento e justeza. Cada qual com suas peculiaridades e modos de abordagem e pessoalidade crítica.

O poeta transita no poema em AS SETE FACES, pág..., dilatando a Poesia itinerária: “A face nua primeira/ da pampa longe do gado,/ distante de seus cavalos/ antes das lanças e espadas./ O ancestral pescador/ caçador e coletor./ Seu sustento, sua vida/ advém da natureza,/ harmoniza com o meio/ exploração racional./ Um viver sem sobressaltos/ natureza – homem – tempo.”.

Pretendeu tracejar a historiografia do peregrinar primitivo no território da província de São Pedro e plasmou o itinerário da humana criatura sobre si mesma, a qualquer tempo e quadra memorial. A liminar silhueta pétrea de Drummond em “No meio do caminho”, de 1928, se refaz aqui com transcendência e sugestionalidade. É o homem a vencer os antagonismos, as antíteses que forçarão a que marque a ferro e fogo a sua passagem, a sua peregrinação simbiótica. O homem é fruto do meio, segundo nos ensina a escola mesológica de Émile Durkheim, e me parece coerente, mercê de variantes que se agregam no decurso do roteiro terreno.

A reminiscência pastoril está vivificada no poeta Menezes e sua saga, porém é o pastor de ideias, o campeador lírico em seu território: “Depois a paz nas campinas/ nos setembros, remembrança/ tiros de laço, ginetes/ crioulos potros levitam/ por sobre as flores dos pastos. / A face linda do poema/ que vem sorrir feiticeira/ na moldura da janela.”.

Sempre haverá lugar para a Poética no espírito do humano ser, porque ela caracteriza o seu respirar alquímico em estado de pureza: flor e semente... Como estas que ora estão sendo colocadas nos canteiros de nossos acervos de solidão e musgo. O antigo, o presente e o futuro – num andejar de taura proletário – de pioneiro desde os seus primórdios territoriais. Para o incesto de quem se sabe raiz e sementeira. Sobranceiro testemunho de quem pretendeu e deseja a confraternidade pela palavra.

Sejam muito bem-vindos a este universo fraterno de quem é, antes de tudo, um condenado ao pensar. Como não poderá deixar de ser, teremos “molduras” para nossas janelas. E sonharemos futuro e pátria – como o universal F. Pessoa – a partir da Palavra.

Os ventos de coxilhas e pampas imaginários soprarão memorialmente sobre nossas pegadas. Porque assim sugere o poeta em suas alegorias. No mais, tudo é passagem. O que importa é andar e andar, “ e ao retornar terei certeza, enfim,/ haver encontrado o guri que fui.”.(Carta aberta..., pág...).

E dane-se a inquietude...

Passo de Torres/SC, 12 de março de 2015.

(*) Membro titular na Academia Rio-Grandense de Letras, sediada em Porto Alegre/RS.

– O texto destina-se às abas do livro “Peregrinas Inquietudes”, de Moisés Menezes, emérito poeta e escritor gaúcho e brasileiro.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/5168533