Morro das Pedras: arte rupestre em local enigmático
Na área rural do município de Torres/RS, na localidade conhecida como Areia Grande existe um sítio arqueológico de grande relevância científica, identificado como RS-100 ou Sambaqui Morro das Pedras. Este sítio foi registrado durante um período de intensas pesquisas arqueológicas na região, por renomados arqueólogos como José P. Brochado, Pedro I. Schmitz, Miguel Bombim e a arqueóloga Ítala Becker em 1966. A história da arqueologia em território torrense remonta as descrições dos naturalistas do século XIX e cientistas como Edgar Roquette Pinto em missão exploratória em 1905. A partir da década de 1950 iniciam projetos mais sistematizados de cunho acadêmico e diversos salvamentos arqueológicos e a identificação e registros de uma diversidade de padrões de assentamento, como acampamentos de caçadores-coletores, aldeamentos guarani e sambaqui.
Forma-se uma elevação em meio a área alagadiça, explorada pela rizicultura (plantação de arroz) e criação de gado onde está situado o sítio em meio a mata preservada. Estas ações no entorno estão prejudicando a integridade física e os remanescentes arqueológicos impactando diretamente sua cultura material. As futuras pesquisas ficam comprometidas com a paulatina destruição destes testemunhos e a dispersão dos artefatos que remontam a longínqua presença humana no vale do Rio Mampituba. O Morro das Pedras torna-se um local enigmático pelas características dos vestígios encontrados: sepultamentos humanos, acúmulos de conchas e ostras, artefatos líticos e megalíticos com grandes blocos de rochas compondo uma espécie de muro de contenção que circunda o sítio com altura aproximada de 0,80 centímetros e muitos blocos dispersos em posição colunar (monólitos) com cerca de 1,80 m de altura, além de inscrições rupestres com diferentes formatos, associadas a tradição geométrica.
A arte rupestre está presente, em sua maioria, nos megalitos dispersos no sítio formando painéis com petroglifos (desenhos em baixo relevo em superfície rochosa). As expressões artísticas das populações primitivas eram manifestadas pela produção de estatuetas, instrumentos musicais, ferramentas e utensílios, nas construções e nas pinturas e gravuras rupestres, compondo o vasto domínio da arte primitiva. Muitos são os sítios rupestres famosos e consagrados em praticamente todos os continentes, a exemplo da exuberante Caverna de Lascaux, na França ou as representações da Ilha do Campeche e Urubici em Santa Catarina, a Pedra do Ingá na Paraíba ou o complexo do Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí em território brasileiro, entre outros sítios de referência na América do Sul.
No mês de janeiro do corrente ano, à convite dos pesquisadores independentes Joaquim Cunha e Ronaldo Rocha juntamente com Lourenço e Sandro da Aldeia Nhu Porã fomos realizar uma vistoria no Sítio Arqueológico Morro das Pedras. Os pesquisadores Joaquim Cunha e Ronaldo Rocha (natural da localidade de Rio Verde nas proximidades do sítio) conhecem a região há muito tempo e relatam que os moradores locais sempre apontavam para o local com certa precaução e assombro, principalmente por causa dos enterramentos e ossos humanos encontrados. Alegam pela peculiaridade do sítio, que o Morro das Pedras seria um Centro Cerimonial utilizado pelos povos primitivos e que posteriormente, teria sido um ponto de referência para a consolidação da redução jesuítica de “Embitiba” nas adjacências, onde hoje, seria a cidade de São João do Sul no início do século XVII. Pela configuração espacial dos monólitos, os pesquisadores utilizam um modelo arqueo- astronômico para interpretação do sítio, por vezes associando a influência pré-colombiana na região. São hipóteses e argumentos que sustentam uma das correntes da ciência arqueológica, mas não é consenso entre os pesquisadores da área. Ainda não temos evidências suficientes para justificar teorias de ocupação e a funcionalidade do sítio Morro das Pedras e nem sua filiação étnica. Por certo, podemos ser enfáticos, em ressaltar o potencial científico e as problemáticas arqueológicas que conferem o estímulo à novas pesquisas com uma perspectiva interdisciplinar entre a Antropologia, História, Sociologia e Arqueologia, fornecendo dados mais precisos e interpretações mais profundas sobre esse processo de povoamento primitivo do litoral norte gaúcho e extremo sul catarinense. O sítio Morro das Pedras é menos conhecido que os outros “morros” de Torres, mas não é menos importante, pertence ao patrimônio arqueológico do município e seria muito importante haver subsídios para o fomento de estudos para a preservação e gestão destes bens, incluindo um plano de manejo que priorize as ações educativas e o turismo cultural.
Publicado no Jornal A Folha