Empombações

E chegou lá em casa o Osvaldo com o casal de pombos. Um agrado seu aos pimpolhos de papai, a quem votava amizade e consideração. Papai não estava, e como o Osvaldo não podia demorar, deu-nos um dedo de prosa e aqueles bichinhos das patas cor-de-rosa.

As explicações sobre o manejo, o trato, foram rápidas, como se já as

manjássemos de priscas eras. E não é difícil deixar pombas em mãos de crianças, comentava ele sorridente, ao sair. Tratados a grãos de arroz não-cozido, e presos na cozinha, que era o único espaço que nos pareceu apropriado para lhes conter uma eventual fuga, comeram com vontade, limpando o chão de vermelhão numa rapidez de dar gosto.

Eram ambos da mesma cor, esse cinza chumbo, com alguma plumagem escurecida e de brilho metálico em volta do pescoço. E absolutamente iguais, sem que se pudesse atentar a distinção entre macho e fêmea. E não parecia dispostos a nos fazer, de imediato, essa revelação.

Mas os tratamos com os cuidados devidos, ainda que na base do ensaio e erro, promovendo-os ao alto do telhado, não sem antes dar-lhes uma aparada numa das asas. Como casa receberam um caixote de madeira que antes havia hospedado o sabão santa-luzia, em barras, aquele pintadinho. Não pareceu haver incompatibilidade com a nova casa e tampouco entre o casal.

Casal mesmo, observadores que éramos e viemos a descobrir quando além do arrulho, houve aquele embrulho. Vieram a preparação do ninho, os ovos e os filhotes. Um casal também e, não sei se em conquência do sabão, ou se do arroz, que já havia se convertido em milho: absolutamente branquinhos. Havia uma ligeira diferença de tamanho entre os nascituros e ela permaneceu ao longo de sua existência. Mas a

plumagem era das nuvens, daquelas alegres dos meses sem chuva.

E a família columbina foi aumentando, paulatinamente, e quando tudo indicava que estávamos à véspera de uma explosão malthusiana, a natureza tratou de corrigir as tendências. Um dos casais, esses pretinhos só com uma abinha branca nas asas, não se entendia desde a adolescência - e faziam tudo pra não morarem juntos.

Indiferença, bicadas e vai ver até que se maldiziam - em linguagem que ainda não estava ao nosso alcance. Ou então eram ambos de um mesmo sexo e ficávamos tentando aproximá-los desavisadamente. Ou mais complexo ainda: homo-afetivos?

E não ficou só nisso o controle da natureza, aquela incompatibilidade era só um pre-aviso, um presságio. Algum gambá - ou ave de rapina - passou a dar em cima, em baixo, ou lateralmente, e filhotinhos iam sumindo de seus ninhos.

O último ato é que foi meio chato, mas pelo menos mostrou a coragem dos bichinhos em meio à adversidade. Foi decidida a eliminação física dos sobreviventes. Vinham dando trabalho e além de danificar telhados e beirais podiam transmitir algum parasita, coisa e tal. Iriam pra panela.

E a bala. Um Roberto, cara esperto e experto que por lá estava, deu as direções e melhores ângulos para a execução. O confortante foi ver que só uma das balas achou o endereço certo, ou aproximado. O resto é

história pombalina sem o marquês.

E a carne de gambá era bem superior...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 01/03/2015
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