"UT VITAM BABCANT" - Frassino Machado
Resposta a uma solicitação - via Net - de esclarecimento àcerca da expressão medieval latina « Ut vitam babcant »
Olá Carlos,
que grande bico de obra lhe arranjou a Sónia... eu já lhe direi dentro de dias ( quando me aparecer nos ensaios do Club de Música do Colégio ) que escusava de o incomodar com esta tarefa ciclópica que é fazer investigação em latim da Baixa Idade Média ! Deveria ter procurado melhor no seu ambiente próprio ...
A expressão a que ela se refere está "infectada" de influência oriental ortodoxa, fruto das exigências cautelares dos polémicos Concílios pre-Tridentinus. Faz parte de um relatório de pequenos itens sinaléticos dos meandros monacais e, quiçá, das Catedrais românicas ou proto-góticas do tempo. Só quem conhece bem os labirínticos re-cantos desses espaços específicos de reflexão/oração/serviço... é que poderá lá chegar! Frequentemente vêm-se expressões desse tipo quer em cortinados, quer em reposteiros, quer em mosaicos ou em pequenas tiras pegadas a páginas dos grandes livros do tempo, os chamados missais, ou então em livros de Ofícios para canto, com belíssimas iluminuras para consolo das almas e, como é óbvio, para retaliação/penalização dos espíritos diabólicos que espreitavam frequentemente nas esquinas dos grandes átrios ou nos patamares dos escadórios por onde transitavam as fileiras dos monges meio en-sonados pelas rotineiras madrugadas, a caminho dos seus cadeirais já roçados do Baptistério ( cá está, a propósito, outro termo de influência grega-ortodoxa ), do Canostério ( local dos ensaios pre-cerimoniais ) ou do Coro, onde as Horas oficiais decorriam... para felicidade de uns ( ut vitam ) ou penitência de outros ( In vitam ) à espera da hora mais desejada de laudes ... ( at vitam ) , ou como diria o monge ba(b)(r)dino a cantarolar em surdina a caminho do refeitório : o quan finale benedicta hora !
Mas, voltando à vaca fria, essa expressão tem todo o jeito direccionado para alguma dessas reservadas áreas específicas. Por lá passariam apenas as pessoas reservadas/escolhidas para os ofícios. Talvez a passagem ( Bab , do grego 'babuka', pont(o)e de passagem ) para o Canostério ) reservada aos eleitos ( ut vitam ) que, a posteriori orientariam as leituras cantadas a cappela, na mais pura sonoridade gregoriana.
Nos rigores tecnico-stéticos da vida monástica todas as sinaléticas faziam parte de um famoso código de conduta 'intra-muros' sem os quais seria praticamente impossível a orientação nomeadamente dos membros noviciantes que, fugindo do mundo para irem ao encontro de uma vida melhor ( at Vitam ) teriam assim garantida a sua adaptação ao seu novo modus vivendi. E, no silêncio dos conventos/mosteiros, entendemos como seriam úteis todas as pragmáticas orientações 'pontuais', sem as quais seria pior a emenda que o soneto !
Não querendo aspirar seguir as pisadas de Humberto Eco - esperando todavia ter sido útil e sugestivo - sempre direi, depois deste familiar arrazoado, que omne tulit punctum atque intelligenti pauca ! ...
Um abraço do amigo ao dispor
Frassino Machado