Devaneio Filosófico

Toda minha incerteza advém da minha certeza de que o Homem não é um animal solidário.

A frase acima expressa, sem subterfúgios, certo pessimismo na espécie humana. É uma frase, sem sombra de dúvidas, pessimista na medida em que não deposita nenhuma possibilidade de redenção. Não há escapatória, nem, tampouco, meio termo. O fatalismo que a frase encerra, impõe que nosso destino está traçado; será?

Apoiado nas premissas, tanto na literatura, quanto na filosofia dos século XIX, acho que esse quadro, a partir desse corte temporal a que me lanço, poderia concordar sem rodeios. Posto que, tanto a literatura quanto a filosofia daquele período, só para ficarmos nesses gêneros, tem tratado o Homem como um ser infeliz e abandonado.

Peguemos Dostoiévski, na literatura. Toda sua obra nos apresenta um homem triste e infeliz, seja no campo afetivo, quanto no material. Mas, Dostoiévski, nem se debruça tanto na afetividade. Ao contrário, o campo de análise dele se dá prioritariamente no material. Em Irmãos Karamasov, por exemplo, temos um pai abastado mas que nega toda e qualquer ajuda a seus filhos. É um pai esbanjador e ciente de que da posse que tem, isso lhe autoriza humilhar seus filhos e qualquer outra pessoa de condição financeira inferior. Porém, ao se deparar com alguém que lhe supera em bens materiais, ele próprio já se coloca em posição subalterna. A medida de todas as coisas se baseia no que se tem, não no que se é.

Na filosofia, tomemos Nietzsche, Heidegger e Schopenhauer. Esses três autores, com pequenas nuances, trataram da condição do Homem naquela sociedade. Para esses a busca pela felicidade a todos custo, fazia do Homem um ser cada vez mais infeliz. Mas por que, talvez se perguntará? Penso que essa infelicidade se constata na medida em que o Homem, uma vez que tinha depositado toda sua fé num deus, não conseguiu que esse mesmo deus o fizesse mais feliz. Noutras palavras, Deus, não era um ser possuidor de razão, portanto, não sendo agraciado com essa faculdade de racionar, era, portanto, falso; uma criação do Homem para se apoiar quando se sentisse fracassado. Deus está morto, disse Nietzsche. Por que, se esse ser é dotado de toda autoridade moral que guia os homens? É justamente ai que repousa a "mortalidade" que Nietzsche atribui a Deus. É a moral, e somente ela, que torna o Homem infeliz. É somente pela moral que Deus se realiza. Para Nietzsche "matar" Deus, é devolver ao Homem o leme da sua vida. E Heidegger e Schopenhauer? O Primeiro, debruçando sobre o existencialismo, se depara com um Homem que não conhece a si mesmo. É um Homem sempre em busca de uma felicidade que não se realiza, pois, sendo um homem em constante busca, nada lhe será suficientemente adequado, e por isso, fica infeliz. Schopenhauer, em O Mundo como Vontade e Representação, nos apresenta um mundo que não agrada ao homem porque representado, portanto, imperfeito. Tudo é pura representação, inclusive, a ideia de felicidade que nada mais é que uma representação de felicidade aceita por todos. Portanto, igualmente, falsa.

Dito isso, voltemos ao início: o homem não é um animal solidário porque se pauta pelo interesse. Não há solidariedade quando o que se lança como premissa para essa solidariedade, é algum tipo de interesse. E interesse aqui não se significa, tão somente, a compensação monetária. Há muitas formas de interesse: interesse em ser bem visto, interesse em conseguir simpatia, interesse em aumentar o círculo de amigos, etc...

Então, o que nos resta? Estamos condenados à dizimação total da espécie humana? Não sei. Mas, penso que precisamos de um novo Iluminismo. Precisamos de um novo Homem. Um Homem que se lance, e que alcance, o coração dos homens. Um Homem que se olhe no espelho e não tenha medo, que não sinta dor, que olhe no espelho, e não conte suas rugas com tristeza. Que olhe suas rugas como marcas de um tempo que represente, e dê sentido, à vida. Que, ao olhar-se no espelho, esse homem saiba que seu tempo será o tempo do Outro que virá depois dele, e assim sucessivamente. Que esse Homem não necessite de deuses e mitos para que sua vida tenha algum sentido.

Numa única frase: que esse Homem pavimente sua estrada com o mais puro e nobre cimento para os que que virão depois dele.