As amoreiras da Lagoa
Tive uma infância alegre e livre, me divertia com a natureza ao redor, as imensas dunas, os arroios e as sangas, o campinho de futebol que construía com os amigos e zelava como seu fosse um Maracanã. Empinávamos pipa, jogávamos bolita, taco, brincávamos de “sela”, “garrafão”, “bafo” e fazíamos casinhas nas árvores ou em qualquer arbusto frondoso que parecia com as aventureiras histórias de Robinson Crusoé. Percebia que a maioria das casas não tinha muros ou cercas. Isso possibilitava um livre transito das crianças aos quintais das casas de veraneio, em sua maioria eram casarões com um grande pátio. Nestes espaços encontrávamos verdadeiros tesouros: as árvores frutíferas e pomares. Recordo quando eu e meus amigos íamos para a escola passando de quintal em quintal enchendo os bolsos e o estômago com diversas frutas: araçá, abacate, goiaba, limão, pitanga, butiá, acerola, laranja, manga, maracujá, jambolão e tudo mais que a estação do ano nos proporcionava. Tempos felizes em áreas que considerávamos comunais.
As árvores frutíferas são essenciais em uma cidade, pois conferem um ar de intimidade e de ligação dos cidadãos com o seu lugar. Constatei essa relação afetiva observando as pessoas que transitam às margens da consagrada Lagoa do Violão, o coração líquido de Torres. Pessoas de todas as idades colhem as amoras, num gesto simbólico de comunhão com sua terra. Nesse ritual com as amoreiras, olhamos cuidadosamente, apreciamos, selecionamos as amoras maduras, estendemos o braço e gentilmente coletamos a fruta desejada, simbolizando a cumplicidade e o companheirismo entre as pessoas que se alimentam e a Mãe Terra que fornece sua energia vital.
O simples ato de utilizar os espaços públicos para o benefício de toda a comunidade propicia a tão almejada qualidade de vida. Não é a toa, que pessoas de diversos lugares querem vir morar aqui! Devemos unir esforços para preservar esses elementos naturais para garantirmos este usufruto para as futuras gerações. A Lagoa do Violão aos poucos foi se transformando num “Cavaquinho” devido ao aterramento de suas margens que não respeitaram sua Área de Preservação Permanente (APA), habitat de uma diversidade de animais e plantas. Poluímos exageradamente nossos mananciais hídricos, tanto a Lagoa do Violão, o Riacho (infelizmente conhecido como “Valão” pelo excesso de esgoto), a Sanga da “Água Boa” e o Rio Mampituba. Só vamos preservar aquilo que conhecemos e amamos, e pelo visto, nossa cidade está necessitando de zelo e carinho. Quem tem a responsabilidade pela manutenção de um ambiente saudável? Todos nós! Como podemos agir? Transformando nossos hábitos e percebendo que todas as pessoas estão interligadas de alguma forma. Vamos nos alimentar com mais amoras que como uma hóstia nos conecta com as belezas de nossa terra, plantando mais árvores frutíferas nativas pela prosperidade de nosso povo.
Publicado no Jornal Litoral Norte RS