O processo de gentrificação no entorno do Parque da Guarita
O povoamento do litoral não teve planejamento e o processo de ocupação privilegiou os locais que forneciam os melhores recursos para a manutenção da vida. Entre as falésias de Torres, as determinantes ambientais ditaram as regras para a consolidação da vila e das comunidades de entorno. O panorama litorâneo apresenta dunas, banhados, matas, lagoas, rios e o oceano, sendo as encostas das elevações rochosas, como a porção oeste da Torre Norte (Morro do Farol), locais propícios para fixar moradia e desenvolver o povoado. O núcleo urbano e seus casarios de “pedra e cal” centenários, como a própria Igreja São Domingos (1824) são testemunhos da embrionária vila de Torres. Haja vista, Torres não se resumia à Rua de Baixo e Rua de Cima onde concentrava-se o centro administrativo e comercial. As áreas de periferias já eram povoadas há muito tempo pelos marisqueiros, bicuíras e pescadores que viviam nas proximidades da orla. Com a expansão turística-urbana e o crescente interesse pelas praias, forçaram a comunidade local para as periferias. Fotografias históricas demonstram a arquitetura popular litorânea com as casas de taipa e madeira cobertas com folhas das palmeiras em estilo rústico localizadas onde hoje é a praia da Guarita, praia da Cal, Itapeva, nas margens do Rio Mampituba entre outros locais que para os imobiliários valem milhões de reais.
No final de 1980 e início da década de 1990, o bairro São Francisco localizado ao sul da praia da Cal e atrás do Parque da Guarita sofre um conflituoso processo de ocupação. Eram máquinas de grande porte abrindo ruas e removendo as dunas, construção e destruição de casas devido a um problema judicial entre a Prefeitura e os requerentes da área em questão que nós moradores locais conhecíamos como os Bastians. Não tínhamos saneamento básico, iluminação pública ou ruas calçadas, um típico bairro de periferia com suas mazelas. E nesta época, escutei de um morador mais velho que nossa área seria disputada no futuro pela sua localização privilegiada próximo ao cartão postal de Torres: a Guarita. Segundo este senhor: “Os ricos vão dominar tudo por aqui!” Ele tinha razão. Estamos passando por um processo de “gentrificação” ou a dupla exclusão dos excluídos. O termo foi cunhado pela socióloga britânica Ruth Glass e posteriormente incorporado pelo geógrafo Neil Smith para analisar as transformações imobiliárias em áreas periféricas e marginalizadas em iniciativas de caráter excludente.
Na região sul da cidade de Torres, percebe-se este fenômeno com a construção de condomínios de luxo como o “Ilhas Park- Pedra da Guarita” ao lado de um dos bairros mais pobres e violentos, o Guarita conhecido como o Arroio. Quais são os benefícios e impactos da gentrificação? Alguns dizem: Vai valorizar meu terreno!; outros: As ruas vão ficar melhores! Revelando suas preocupações com a infra estrutura e esquecendo as demandas sociais. Nosso povo não quer ser “serviçal” de madame! Quer oportunidade de formação humana e profissional, um bom espaço público, um centro de convivência, uma creche, um posto de saúde, ou seja, uma vida digna. As consequências surgem com o aumento da repressão e violência e o abismo profundo entre as classes sociais, as pessoas que “muito” tem, dentro dos muros, e as pessoas que “nada” (ou quase nada) tem fora dos muros. Só espero que não queiram privatizar o Parque da Guarita como um pacto de “responsabilidade ambiental”. Se a justiça social é o destino, empreendimentos segregacionistas em modelos de Cidades- Estado são uma agressão psicológica e afetiva engendrando relações sociais de poder e submissão e promovendo injustiças e opressões de todos os tipos.
Publicado Jornal Litoral Norte RS