A ABOLIÇÃO E A FORMAÇÃO REGIONAL
A ABOLIÇÃO E A FORMAÇÃO REGIONAL
LUBIÃO MAGNO
A abolição do cativeiro(1888) e a queda da Monarquia(1899) influenciaram a expansão do povoamento para novas áreas da região sul da Bahia, como também continuou a adensar sua população nas zonas mais antigas, mantendo-se, todavia, o tradicional contraste entre as áreas costeiras e as terras do interior.
No plano econômico, além do desenvolvimento extraordinário da lavoura de cacau no sul da Bahia, a estrutura social sofreu impacto da extinção do trabalho escravo, mantendo-se, no entanto as condições semifeudalistas que subordinavam todos trabalhadores rurais, frente ao poderio dos latifundiários em geral residente nas cidades costeira.
Definiu-se, por outro, nesta fase de formação regional, a importância da cultura cacaueira, cujo primeiro impulso ocorreu precisamente no último decênio do século XIX em conseqüência de vários fatores. O mais importante objeto deste ensaio foi a absolvição do cativeiro em 1888, que liberou importante cotigente de mão-de-obra em condições de se encaminhar para a formação de novas lavouras, já que antes a principal inversão dos cativos era nos canaviais: e o braço negro passou a se deslocar, em grande parte, das áreas tradicionais para aquelas onde os salários se mostravam menos aviltados ou existiam novos espaços disponíveis a serem explorados.
A abolição da escravatura, à semelhança de uma” reforma agrária”, não constitui por si só uma ruptura nem criação de riqueza. Constitui simplesmente uma redistribuição de terras com uma nova ordem coletiva. A aparente complexidade desse problema deriva de que a propriedade da força do trabalho ao passar de escravo ao individuo em si, deixa de ser um ativo para constituir-se em elemento produtivo.
“ Os escravos liberados que abandonaram os engenhos encontraram grandes dificuldades para sobreviver” CELSO FURTADO. Formação Econômica do Brasil. Pág. 172. Mais a disponibilidade de terras devolutas nesta área da Bahia, transferidas para o domínio da união pela primeira constituição Republicana (1891) provocou em grande escala o chamado “caxixe”, modalidade de ocupação de terras ou artifício para quais certos homens se apoderavam da propriedade de outros.
Nas regiões urbanas, pesavam já um excedente de população que desde o começo do século constituía um problema social. Para o interior, as novas roças de cacau e plantios de subsistência (mandioca, milho, inhame, feijão, batata, bananas, etc.) se expandiram a grandes distâncias margeando o curso dos principais rios regional (Pardo, Contas, Almada. Jequitinhonha, Engenho, Cachoeira) exercendo uma pressão demográfica sobre as melhores faixas de terras se faziam sentir claramente. Não foi difícil, em tais condições, atrair e fixar uma parte substancial da antiga forca de trabalho escravo, mediante um salário relativamente baixo e perspectiva de ocupação de terras ainda não desbravadas.
A emergência generalizada de novos plantadores tornou-se a saída vislumbrada à desagregação do escravismo nos marcos da economia agrária, que tinha na cultura de exportação o seu sustentáculo. No caso do cacau, não apenas pelo interesse específico deste trabalho, mas fundamentalmente, porque se trata da única cultura estadual que não conheceu relações escravistas, guarda certa especificidade. “ A cultura amplia-se, na segunda metade do século XIX, favorecida pelos preços internacionais, reunindo numa região de terras devolutas, milhares de pequenos proprietários independentes, a quem se tem chamado de quase-camponeses”. GUSTAVO FALCON. Os Coronéis do cacau. Pág. 26. Cabe tão somente lembrar que o reduzido desenvolvimento mental da população submetida ao cativeiro provocará a segregação parcial desta após a abolição, retardo sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico da região.
Observada a abolição de uma perspectiva ampla, comprova-se que a mesma constitui uma medida de caráter mais político que econômico. Abolido o trabalho escravo, praticamente em nenhuma parte houve modificações de real significado na forma de organização da produção ou mesmo na distribuição da renda, mas sua constância e tenacidade fizeram deste povo – assim caldeado sócio e economicamente diferenciado das dos cidadãos de outras regiões do Brasil.