PreconceitoX Igualdade
Preconceito X Igualdade
Cotas: exclusão ou inclusão numa sociedade elitista?
O chamado Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288 de 20 de julho de 2010) estabelece cotas raciais, garantindo aos negros e indígenas lugar nas instituições públicas para trabalharem e, em contrapartida, devolve aos “bons” empresários em forma de incentivos fiscais. De que se pode chamar tal acordo? Pode-se dizer, à vontade, que os negros e/ou índios não são plenamente capazes de competir no campo profissional e acadêmico numa sociedade exigente de mão-de-obra qualificada.
No caso das cotas, a reserva de vagas para negros e pardos é uma forma, segundo alguns, de “reparar” as injúrias sofridas pelos escravos durante a escravidão. Segundo Miriam Leitão, na época em que o assunto era bastante discutido, o ideal seria discutir a educação. Mas ela defendia que as cotas não excluem a ideia de ter que melhorar a educação em todos os níveis. Elas, porém, têm sua utilidade: garantem 30% (trinta por cento das vagas para as mulheres nas candidaturas, no comércio exterior há tratamento diferenciado para os países mais pobres; na área de tributos, os ricos pagam mais. Parece conto, ao ver como países, no caso o Brasil, com uma enorme carga tributária, vê-se um esforço fraquíssimo no que concerne a incentivos que derrubem barreiras de preconceito, sendo composto de etnias variadas.
Miriam dizia que o mérito acadêmico não está ameaçado pelo emprego das cotas. Porém, estranho, segundo ela, é entrar em restaurantes e ver só brancos na direção. Ter essa elitização fora da realidade nacional. Sem falar nas questões judiciais como resultado desagradável desse processo.
É no mínimo inaceitável alguém ser recusado numa instituição pública de ensino superior porque não quis responder a uma pergunta sobre a cor de sua pele que em nada se relaciona à sua capacidade intelectual. Uma exclusão como essa desfaz a concepção de um país democrático. A Lei maior, a Constituição do Brasil, diz que todos são iguais perante a lei, no entanto, como isso é aplicado no contexto acadêmico, levando-se em conta o uso das cotas?
O ensaio em questão não defende as cotas como um processo de inclusão dos esquecidos durante um período de exploração sofrida, porque seria admitir a indolência de homens e mulheres participantes outrora e agora, do processo econômico e também científico, sim, pois têm-se nos dias atuais, cientistas afrodescendentes em centros de pesquisa em muitos lugares do mundo. É óbvio que não tiveram o caminho facilitado por cotas ou esmolas sociais, mas provaram dia após dia, seu potencial extraordinário de sempre enfrentar, mas sem duvidar um instante, se o lugar seria digno deles ou não. São minoria, sim, contudo dispostos a prosseguir rumo aos mesmos direitos concedidos aos brancos.
Falar em cotas como medida paliativa, é um engodo, quando se sabe que o Estado deveria garantir estudo de qualidade para todos, independentemente de sua cor, posição social ou qualquer outro argumento. A inércia política está também ligada ao fato de que não há garantias da permanência deles no convívio acadêmico, em condições de igualdade em relação aos demais. Entretanto, depois de alguns anos dessa lei, muitos provaram estarem aptos para superar todas as mazelas impostas pelo preconceito. Só por isso, são vencedores.
Mudar a maneira como os brancos se referem aos negros ou índios, também é algo difícil. Mesmo quando um afrodescendente conquista seu espaço, é alvo de piadas “criativas”. Como no passado foram incorporados termos como: “trabalho de negro”, “negro de alma branca”, etc. Esse racismo sutil, às vezes explícito, manifestando-se nas relações de trabalho e no tratamento dado pela polícia. Não faltaram também, desde o século XVI, a criação de teorias supostamente científicas, tentando explicar biologicamente a inferioridade dos negros e justificar a violência dos brancos.
Por outro lado, há o posicionamento controverso por parte dos próprios negros no que tange a visão que possuem de si mesmos dentro da sociedade. Concorda-se, entretanto, ser em virtude do flagelo durante séculos de escravidão, contudo, já é amplamente discutido, que o Brasil deve sua formação em grande parte ao povo africano. Como caso pessoal, gostaria de mencionar o exemplo de meu avô materno (o qual não conheci) que, sendo filho de ex- escravos, aprendeu a ler sozinho, tendo mais tarde ensinado seu vizinho branco a ler e escrever. Foi, como poderíamos definir, um pedagogo. Isso ocorreu na década de 1940, sendo este episódio relembrado com orgulho por minha mãe.
Sempre haverá descontentamento quando algum segmento resolver romper com paradigmas impostos pela sociedade elitista, seja pela cor da pele, pela classe social, convicções religiosas e afins. Mas as rupturas devem levar ao avanço, a novos campos de atuação, porque todos têm um potencial a ser exaltado, basta terem uma oportunidade de desenvolvê-lo e condições de expressá-lo, contribuindo para o crescimento do país.
Abordando o tema preconceito, deve-se levar em consideração não se tratar somente da cor da pele ou nível social. O Brasil despreza seus deficientes físicos, visuais, auditivos, quando deixam de promover a acessibilidade aos mesmos. Isso provoca muitas vezes um isolamento cultural e social dessas pessoas acabando por acarretar problemas de ordem emocional e física. Quando se fala em inclusão, o assunto é por demais abrangente e tais pessoas também possuem (já comprovadamente) potenciais de superação das dificuldades, sem contudo, permitir que tais “limitações” as impeça de prosseguirem em suas realizações pessoais.
Os afrodescendentes precisam refletir que não estão sozinhos nessa luta pela igualdade, pelo reconhecimento de suas habilidades, devem com entusiasmo e afinco, unirem forças aos também marginalizados por estarem “fora do padrão” imposto pela sociedade.
As atitudes contra a discriminação étnica devem passar por ações de estudo aprofundado sobre as raízes, os antecedentes sociais e históricos da cultura afro-brasileira, o que certamente surtirá efeito significativo na construção do valor da diversidade existente no Brasil. A essência democrática deve estar pautada em manifestações de segmentos existentes na sociedade, abrindo espaço para um maior reconhecimento da cultura afro, mudando o quadro sombrio das distorções sociais.