O BANCO NAQUELA PRAÇA (III)
Capítulo III – A VOLTA DO PREFEITO... E O TRATOR?
Ainda inconformado com a primeira derrota, o prefeito volta a praça na manhã de uma sexta-feira, com um pensamento: “Jamais serei derrotado por um bando de vagabundos aposentados”, e sua disposição em remover a praça parecia maior ainda, marcou encontro com um novo tratorista as oito horas da manhã, em ponto! Esperando que a querela com os opositores ao seu projeto se alongasse, levou em nos bolsos da calça quase uma dúzia de bombons de chocolate finos.
Mariquita já arregimentara outros “loucos”, de outras praças, formando um pequeno batalhão de defensores, que passaram a contar com baldes de água para refrescar a cabeça do insistente prefeito. E ela foi a primeira a encarar o gestor municipal, com maliciosas: “Venho sozinho foi? Por que não trouxe a primeira dama? Ou preferiu que ela ficasse com o outro?”. Ao perceber que tinha ido longe demais, Mariquita tratou de emendar: “Com o outro problema social. O do cocô fedorento que virou os banheiros que não construíram nas casinhas populares”.
Já era de conhecimento público e publicado no jornal Vanguarda, que o prefeito havia recebido uma verba da Fundação Nacional de Saúde para construção de banheiros em residências carentes em bairros periféricos, e que o dinheiro foi parar no seu luxuoso banheiro com piscina de hidromassagem. Mariquita que não sabia o que é um hidromassagem,acabou por dar uma conotação humorística ao momento ao novamente se dirigir ao prefeito: “É! Tu aqui suando e sua mulher recebendo massagem do tal Hidro. Pensa que a cidade não sabe?”.
O relógio já se adiantava pelas nove horas e mais um pouco e nada do trator chegar com o novo tratorista. O prefeito que já havia devorado uns cinco bombons, sem oferecer nenhum a ninguém, se via acuado por mais de uma dúzia de “loucos” com meia-dúzia de baldes de água suja, retirada dos buracos da rua que a acumulavam desde a última chuva. Desesperado pela demora ele começou a bufar também pela boca: “Está droga de trator vem ou não vem?”, berrou ao celular.
Ocorreu que os pardais haviam resolvido dar um vôo mais longo, e sobrevoaram nos primeiros raios de sol por cima da garagem municipal, e uma pardal fêmea, voluntária na causa da praça, pousou na chaminé do trator e com precisão colocou um no seu cano. O ovinho desceu e foi-se quebrar em cima de uma das bielas do motor. Como se sabe clara de ovo é uma eficiente cola! Resultado, o motor ficou travado para desespero do prefeito.
A autoridade resolve então ir embora e praça teria mais quatro dias de vida: O final de sexta-feira, o sábado, o domingo e a segunda-feira, que sendo dia de feira as ruas do entorno da praça estariam tomadas por barraquinhas coloridas, cachos de bananas, mamão, melancia, coco, rapadura, carne de sol e o grito alegre dos camelôs: “Calcinhas minhas senhoras, calcinhas importadas (não dizia que era do Paraguai), pague duas e leve três. Jogue a fora a que está usando, não ande de calcinha furada”. E a praça protegida!
O repórter passou o dia na praça pegando depoimentos e entrevistando alguns mais corajosos, pois haviam aqueles que temiam o “ditador” e se esquivavam: “Eu não gosto do prefeito, mas eu votei nele e não falo contra ele para ver se ele não aumenta o IPTU lá da minha casa”, eram desculpas este tipo, sem falar aqueles que se orgulhavam de receber todo mês uma cesta básica com novecentas gramas de feijão, oitocentas de arroz, farinha, fubá, polvilho, tudo com peso roubado, e que chegavam como se fosse um quilo de cada alimento, e também a lata de óleo com 750 mililitros (o correto seria 900) Só o sal era quilo um certo.
Os alimentos já pesados eram fornecidos por uma empresa especializada em cestas básicas, que de cortesia oferecia um serviço exemplar de limpeza de cofres públicos, o que era de certa forma um orgulho para o prefeito: “Como pode haver sujeira com dinheiro público, se o cofre está limpo?”, repetia alegre ao tempo que anunciava que sua administração era transparente. E como era! De tão transparente ninguém conseguia enxergar nada!
O final da sexta-feira foi calmo, e ao cair da noite, em que um grupo de seresta se arriscava a apresentar-se no coreto, isto enquanto o prefeito não resolvesse tributar o show, o movimento foi maior. O guarda municipal já havia ido embora, mas voluntários estavam ali para guardar as plantas e regar as raízes: “As raízes devem se alimentadas umas com água outras com lembranças, saudades e perdões”, disse o padre Joãozinho, que domingo lançaria naquela praça o seu primeiro CD de músicas cristãs.
Os seresteiros entoaram lidas canções, alguma de canto triste, e até adaptaram a belíssima letra "Luar do Sertão", de Catulo da Paixão Cearense em uma paródia sobre o momento:
“Não há, ó gente, oh não
Luar como o desta praça.
...
Se Deus me ouvisse
Com amor e caridade
Me faria essa vontade
O ideal do coração:
Era o não a morte,
Desta linda praça
Nesta bonita cidade
do meu Sertão...
E até os assaltantes atrasaram no expediente para ouvir e chorar a ameaça que praça sofria: “Depois diz ele (se referindo ao prefeito) que os ladrões somos nós. Nós roubamos individualmente. Ele quer roubar no coletivo, a felicidade e alegria de todos de uma vez”, disse o letrado ladrão ex-funcionário da tesouraria da prefeitura, onde aprendeu o ofício, agora chefe de um bando de pivetes.
O repórter se aproximou e o perguntou o que achava da redução da idade penal para dezesseis anos, o marginal respondeu. “A gente também regride, começaremos a usar uma força tarefa de quinze anos para baixo, recrutada não na linha verde ou vermelha, mas na linha da miséria!”.
O marginal tirando algumas anotações revelou um dado estatístico. A quantidade de menores usadas nos assaltos é mínima, a culpa é de você jornalista!”, e apontou para o jornalista, continuando: “Você é que cria sensacionalismo nesta questão e ensina nossos métodos para gente que nunca sabia que roubar e ficar impune é tão fácil assim”, e concluiu: “Meus filhos não conhecem a minha profissão e eu não gostaria que eles fosse confundidos com criminosos”.
Disse ainda na sua ótica, de quem está por dentro: “Se aprovada uma lei de redução da idade penal, será o mesmo que dizer que todos adolescente são potenciais marginais.” E recebeu aplausos de Mariquita, antes de empreender um rápida fuga, avisado que foi pela sirene e o giroflex vermelho e azul, de que a polícia se aproximava.
E os pardais se recolheram ao telhado da escola, não sem antes comerem os piruás deixados pelo pipoqueiro. Os catadores de latinhas limparam parte do lixo deixado naquela noite de vitória parcial, e a praça dormiu silenciosa.
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