Repertório doméstico (excertos)
Quadro da Cruzada do Rosário em Família - estávamos brincando na
sala, numa tarde, quando os Seminaristas João do Padre
e Diogo de Lia Fidélis chegaram com o diploma, com a
imagem de Nossa Senhora, fundo branco, gravura em
azul, e se me não engano datado à mão de agosto de
1954, justamente o mês em que Getúlio, na
impossibilidade de amar mais o Brasil, deixou-o sem
rima ou rumo. O quadro foi logo emoldurado e deve
ornar hoje alguma parede do Solar Miranda.
Arquinho de ferro - composto de duas metades, juntas
no alto em argolas, com as pontinhas em ganchos,
servia para tirar as panelas, pelas asinhas, da
labareda que lhes ardia eternamente - deixando-as de
bunda quente.
O gancho da cozinha - de arame forte, formato em S,
com pontinha bem afiada, como esses de açougue, servia
para pendurar toucinho, ou carne seca. Ficava
pendurado numa haste metálica chumbada na parede.
Carderão - havia o mais antigo, pretinho, de ferro, ao
qual se veio juntar um mais moderno, esmaltado,
maiorzão, que servia principalmente à fervura do
leite, aquele leite gordo, cuja nata era preciso a
gente ficar de olho para, no processo de fervura, não
deixar vazar e brear o lado externo do carderão, a
chapa do fogão, e tudo o que estivesse na imediação. O
termo carderão tinha outras aplicações, a mais comum
delas, passada por Tia Vicentina, dizia respeito à
forma pouco ortodoxa com que a prima Cota se dirigia
ao marido, o Bejo: Carderão de merda.
O machado de José - temos um quadro retangular,
gravura antiga, quase enegrecida com a imagem do Bom
José, de machado às costas - se a memória me não falha
e o machado não me talha. O curioso é que sendo
carpinteiro o Santo, faria mais sentido uma enchó, ou
um serrote, já que machado está mais para lenhador.
Contudo, vendo o bom Dito lavrar toras tortas para
fazer laterais de carro de boi, com o auxílio de um
simples machado, pelo também destro Alcino
acompanhado, cada um fazendo um lado, fica então José,
de apresentar ferramenta de carpinteiro dispensado por
inteiro.