Rousseau e o Romantismo - Parte XV -
Emílio e a pedagogia rousseauniana
 
Fiel à sua crença acerca da “bondade natural do homem” e da “ação deletéria da civilização” sobre o mesmo, Rousseau partiu do pressuposto de que a Educação deveria, sobretudo, estimular essa “bondade natural”, protegendo a criança da influência corruptora da Sociedade, cabendo ao Mestre estimular as habilidades e tendências positivas congênitas da criança, para que ela se tornasse apta a conviver com o seu meio.

Para que esse objetivo viesse a ser alcançado, a formação teria que ser iniciada logo nos primeiros dias do infante, cabendo à mãe alimentá-lo, fortificá-lo e aplicar-lhes testes severos para criar-lhe força e resistência física e moral. Na sequência, o estímulo intelectual deveria ser desacelerado para que a criança demonstrasse os seus interesses naquela quadra da vida. Quando o jovem atingisse a puberdade a sua sensibilidade deveria a ser habilidosamente controlada para que se fortalecessem os laços de confiança entre Mestre e discípulo e o adolescente aceitasse de boa vontade o “Contrato” estabelecido entre ambos. A partir daí, deveria o Educador ajudá-lo a descobrir as alegrias da religião (sic) e as dificuldades da vida em sociedade.

Porém, para que tal método seja efetivado, certas condições seriam imprescindíveis ou, no mínimo, recomendáveis. A saber:

a) Inexistir qualquer restrição física no ambiente em que o aluno vive e estuda.

b) Inexistir qualquer restrição moral nesses mesmos ambientes.

c) Dar plenas condições ao aluno para que ele desenvolva o seu “eu natural”; isto é, a sua personalidade, isenta dos preconceitos formados pela Sociedade.

d) Afastar o aluno da vida social, restringindo o seu contato ao Mestre. Seu debut no grupo social só aconteceria na adolescência posterior, após ele ter desenvolvida a sua Razão; ou seja, a sua capacidade de julgar corretamente os fatos e as pessoas, sem se deixar influenciar por falsas ideias, por conceitos equivocados e por prejulgamentos maléficos.

Debutaria, portanto, quando a companhia de outras pessoas fosse uma de suas necessidades naturais. Ser-lhe-ia, então, permitido desenvolver relacionamentos pessoais, enquanto estudasse as matérias que Rousseau julgava adequadas para essa faixa etária: história e religião.

Ao fim desse processo, o aluno é encaminhado para a “Sociedade de uma grande cidade”, pois ele estaria apto a entender seus meandros e a se comportar como um bom cidadão.
 
Emilio – considerações sobre a obra.
 
A obra subdivide-se em cinco partes, chamadas livros, que tratam os diversos momentos no desenvolvimento da criança. Em resumo, tem-se:

Livro I - trata da idade da natureza* e da nutrição do “infante”, abrangendo de 0 a 2 anos.

Livro II - fala da idade da natureza* e da formação básica do “menino**” abrangendo de 2 a 12 anos.

Livro III - expõe a idade da força adolescente, abrangendo dos 12 a 15 anos.

Livro IV - apresenta a idade das paixões no jovem, indo dos 15 a 20 anos. Nesse capítulo estão as célebres considerações do Vigário de Saboya, na famosa “Profissão de Fé do Vigário de Saboya”.

Livro V - marca a idade da sabedoria no jovem adulto, indo dos 20 aos 25 anos.

Nota * - entende-se por “idade da natureza” (por semelhança aos homens primitivos) a faixa etária em que predominam as sensações, os instintos, vez que a Razão ainda não está ativa, embora já esteja presente no homem desde o seu nascimento.

Nota ** - observe o leitor (a) que o método foi desenvolvido para ser aplicado em meninos, vez que não se considerava importante educar as garotas; misoginia que veio a ser quebrada há pouco tempo.


Através das considerações do célebre Vigário Saboya, Rousseau expande nessa obra os princípios acima colocados, colocando a “criança Emile” como o protótipo de todos os alunos. A partir daí, ele traça o seu ideário acerca do processo educativo, citando as condições e as práticas que, a seu ver, seriam as ideais para uma formação perfeita. A saber:

a) A criança Emile residiria no campo, afastada da Sociedade. Essa medida visaria afastá-la dos vícios e lhe permitiria desenvolver-se em harmonia com a natureza e não em confronto com a mesma. Não lhe seria ensinado, por exemplo, o duvidoso mérito de “domar a natureza” como era moda na época e que, infelizmente, ainda vive na mente de grande parte da população, bastando que se veja o quão popular são os rodeios, as vaquejadas e outras diversões cruéis que revelam todo o sadismo do populacho.

b) Seus impulsos seriam considerados, mas canalizados para que ela aprendesse a ter constante e genuíno autorrespeito, bem como pelos demais.

c) Deveria ser-lhe concedida a guarda e a responsabilidade por um jardim para que ela aprendesse e desenvolvesse o senso de propriedade.
d) Deveria ser-lhe ensinado o oficio de carpinteiro para que aprendesse o quão difícil é a vida de trabalhador braçal.

Ministrados esses primeiros ensinamentos, a criança Emile seria introduzida ao convívio social para atender à necessidade natural que o ser humano tem de interagir com seus semelhantes. Na sociedade ela desenvolveria o seu senso moral, dando vazão à sua necessidade intima de melhorar eticamente até o ponto de se elevar acima das paixões rasteiras e alcançando, por fim, a virtude.

Por fim, Rousseau relata a descoberta que a criança Emile faz do amor, o qual, todavia, ela sabe que deve combater e vencer graças à firmeza de caráter que a Educação lhe proporcionou. Sabe que deve deixar aquela satisfação emocional para completar seu processo educativo nos assuntos da Política.

Por último, deve-se ventilar a estranheza que causa em alguns estudiosos, o fato de ser permitido à criança Emile um único livro, “Robson Crusoé”, de Daniel Defoe. Contudo, a escolha não foi aleatória nem equivocada, haja vista que nessa obra, o protagonista, após ter naufragado, sofre um novo processo educativo, que teria algumas semelhanças com o método proposto pelo genebrino.

Também se deve reconhecer que as situações que Rousseau considera ideais para o aprendizado dificilmente se repetem no cotidiano, porém, ainda assim, o valor de sua proposta deve ser considerado, primeiramente por ter quebrado os vetustos regimentos que vigoravam até então e, também, pela atualidade da obra que contínua a ser a fonte e a base para vários estudos da atualidade, desde que Pestalozzi (Johann Heinrich – 1746-1827 – Suíça) a usou pela primeira vez nos tempos atuais.


Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.