Holocausto à brasileira

A campanha eleitoral foi pautada por muitos escândalos; achei que não deram o suficiente destaque à devolução de um helicóptero flagrado com um carregamento de cocaína ao traficante. A maior lacuna no debate, no entanto, creio ter sido o esquecimento do maior de todos os escândalos do país: o genocídio perpetrado pela nossa polícia. Como todos sabemos, e muitos apoiam, policiais cometem assassinatos corriqueiramente, com absoluta naturalidade. O escândalo absurdo tem essa dupla face: o cometimento dos assassinatos e a naturalidade com que nosso holocausto é visto por todos.

Durante a segunda guerra mundial, os alemães fizeram o que chamaram "limpeza étnica", executando um imenso contingente de pessoas pertencentes às minorias étnicas na Europa. Isso é visto por nós como um grande absurdo; condenamos veementemente todos os carrascos nazistas que perpetraram tais atrocidades, eram uns monstros, mas, somos melhores que eles?

Temos um bom argumento em nossa defesa: não assassinamos tantas pessoas, ao menos anualmente (eles poderiam alegar que, no total, ao longo dos anos, acabamos executando mais pessoas que eles, mas são uns monstros, calemo-los).

Talvez possamos alegar, dirão alguns, que os alemães assassinavam judeus branquinhos e bonitos, enquanto nossos valentes policiais matam favelados, gente reles que não vale nada; acho que muitos de nós pensam assim, por isso o crime seria só deles.

Outros dirão que o que nos abona é o fato de matarmos criminosos. Está na cara, dirão, que determinados elementos encontrados nas favelas são traficantes, e, sendo assim, naturalmente, merecem morte cruel e sofrida, e nenhuma piedade. Sabendo-se serem traficantes, devem ser executados de imediato, dizem.

Também sabemos que não é crime matar traficantes na favela, isso pode; criminosos devem morrer (não somos assim?).

E desse modo, prosseguimos perpetrando um vasto genocídio, um imenso holocausto comparável ao dos nazistas; só nós não vemos isso.

Uns 130 anos atrás, ainda vendiam-se pessoas, como animais, por aqui, gentes que podiam ser espancadas e mortas por seus donos; ai da escrava que causasse ciúmes a sua dona. Isso seria visto como barbaridade, hoje, melhoramos um pouco. Em breve, espero, perceberemos outras barbaridades, tão execráveis quanto essas. Assassinar pessoas é uma conduta abominável, imperdoável; nossa complacência com isso é, no mínimo, desabonadora.

Durante a campanha eleitoral percebi, nitidamente, uma redução do extermínio policial, notei apenas a chacina de 4 adolescentes, e, mesmo nessa, a execução foi disfarçada; parece ter havido uma trégua.

Temo que os ódios tenham sido apenas represados, mas vejo a suspensão das execuções de forma alvissareira, sugere ser possível o fim de prática tão abominável.

Abramos nossos olhos para esse crime hediondo.

Parem o holocausto imediatamente.