DIAGRAMA

É noite de lua cheia e do alto,

Muito intenso, desce um raio de luz,

Que chega lindo, radiante,

Bailando leve e exuberante,

Qual uma dádiva lunar

A estes pobres lunáticos,

Feito nós.

E cantando,

Assim:

Sou um raio de luz,

Sou a cor do luar,

Sou o brilho dos olhos

De o verbo amar,

Sou a tinta da letra,

Sou a voz da canção,

Sou a corda afinada,

Do teu violão,

Quando desce do céu,

Venho a te procurar,

De prata te cubro,

Quero te enamorar,

Olho-me em ti,

Vejo-te em mim,

Hoje sou teu começo,

E serei sempre o meu fim.

Mas de repente:

Como que saindo alucinada de um transe,

Parou de cantar e olhando em volta, abismada,

Como que procurando alguma coisa ou mesmo nada até,

Exclamou, Como se perguntando, onde estou?

E nós, sentados como sempre, ainda pasmos,

Na mesma pracinha, do Nego Gato, chegado,

Onde sempre reunimos nas noites de lua cheia

Boquiabertos, sim senhor, mais ainda,

Ao ouvir tudo que ela nos falou,

Assim:

Que lindo jardim,

Envolto em luz,

Prateado,

São flores,

Viçosas,

São gentes,

Formosas,

Meu povo,

Artista da lua,

Que vivem na rua,

Nem casa eles tem,

Sequer um espaço, para se abrigar,

Vivem peregrinando pelas ruas de Santana,

Propagando a bela arte, pela arte de fazer arte.

E nós, que ainda comemos aqueles reles pão,

Que nem o diabo, mais doido, quer amassar,

Sobrevivemos, quer dizer, achamos que sobrevivemos,

E queremos sobreviver por muito tempo ainda,

Para continuar nossa luta por nossa meta,

Por melhores dias, para nós, para os nossos filhos,

Por nossa liberdade, pelo fim da censura,

Pela despolitização da cultura, ó quem dera,

Coisa que passa a largo e desvia nos colarinhos,

Como se nunca nos visse, como se não existíssemos,

Sentimos-nos mais marginalizados,

Desprezados e, muitas vezes mal olhados,

Reprimidos até por nós mesmos, muitas vezes,

Mas somos teimosos, incansáveis e bons lutadores,

Reais e leais formadores de opiniões.

Por isso, enquanto pudermos, ou nos deixarem,

Usar de nossas armas, de nossa arte,

Mostraremos ao mundo, o que nós temos,

O que nos faltam e o que nos tiram,

Nossas palavras, nossas verdades,

Todas as verdades, que tendem a morrer,

Em nossa boca, antes mesmo de nascer,

Sufocadas sob o peso da corrupção,

Que cresce de repente em nossa volta.

Vil corrupção:

Esta tal que se instalou em nossa terra,

Feito uma peste, feito um câncer maligno,

Que vive a corroer as nossas almas,

No habitat do poder dos soberanos,

Infiltrando-se pelos gabinetes,

Propagando-se pelas câmaras,

Pelo senado e ministérios esplanados,

Mantendo-se alojado no coração do planalto,

De cada palaciano que sorri contagiado,

Pela febre da burguesia, no leito do capitalismo.

Enquanto que aqui, ainda tentamos levar adiante,

Nosso movimento brilhante, preciso,

Que já nasceu a ponto de morrer,

Mas luta desesperado pela vida que a arte lhe dá

E com a lua a nos inspirar o sonho parece crescer,

Por isso ainda podemos dizer a toda boca:

“O sonho não terminou”

O brilho aqui sempre existiu,

A fé nossa nunca nos deixou.

Mas a nossa alegria é ver que a cada dia

E que a cada bendita noite de lua,

Mais maduros nos sentimos,

Mais inspiração nós temos,

Mais trabalhos nós trazemos:

Para a vida,

Para todos,

Para Santana,

Para o mundo,

Para nós também,

Para crescermos,

Pois merecemos,

Estamos vivos,

E a cada dia, muito mais vivo ainda.

De repente parou bruscamente e para nosso espanto,

Interrompeu suas falas e olhou para traz exclamando:

Nossa! O que é isto, donde será que isto surgiu?

Assim tão maltrapilha e quase afogada em tristezas?

A coisa para quase caindo assim meio cambaleando

Como que embriagada com uma voz disforme

Quase sumindo sem dirigir-se a ninguém

Como se não visse ninguém, falou:

Gente do céu, não é que eu me perdi,

Cavalgando a galope, montado numa lembrança,

Deslizando a esmo pelos mares das recordações!

E pensativa completa:

É! É estranho, não sei se ia, ou sei se vinha,

Meus rastros sumiram, vai ver que eu voava, quem sabe!

Olhando de novo em volta como quem nada vê, matuta,

Que calma, não passa ninguém por aqui, preciso sair, Cansei.

Aqui nem tem onde sentar, confundo-me, que mundo,

É como viajar-me, por dentro de mim explorando-me a fundo,

Pelos corredores infinitos de meu pensamento e de repente cair,

Tentar me agarrar e perder-me de vez no buraco negro da amnésia

Que surge grandioso, brotando do farto ventre que pariu da memória,

Que morre de parto e se expande por minhas lembranças,

Enquanto que em mim a filha reina absoluta no branco que me fica.

Mas, e eu, quem sou? Se nem sei onde estou!

Ah...

Ainda se por acaso ainda passasse alguém por aqui, quem sabe,

Eu me descobrisse até, ou me reencontrasse, comigo.

E como se acordasse de seu transe

Olhou para os lados e disse como que se perguntando,

Quanta gente e porque todos me olham?

E você? Quem é você? Perguntou.

Dirigindo-se ao raio de luz, à frente,

Que brilha com tanta intensidade

O que você é?

E como se quebrasse um encanto falou:

Eu sou um raio de luz, como vê, este brilho é o meu nome,

Sou filha da lua, de Guaracy e Yaci, sou só melodia, sou letra,

Nasci da caneta da mão do poeta, profeta, seria uma lenda, não sou,

Só quero viver da arte da vida, com a arte de todos,

Aqui consegui, chamo-me canção! Pois não?

E estes outros? Pergunta a coisa, quem são?

Estes, responde o raio de luz, são meus namorados,

São eu, são eles que me vivem, que me dão vida,

Que me escrevem, cantam-me, pintam-me,

Sem eles sou só, sou nada, nem sou,

Seria uma tela em branco atirada no esquecimento

Mas para minha sorte eu os tenho e a cada lua,

Como pode ver, cresce mais e mais os meus amores e amantes,

Mas e você, pergunta o raio de luz, àquela coisa ainda estranha,

Que mal pergunte, poderia nos dizer de onde veio e quem é?

A coisa se olha toda e como se estivesse sozinha no mundo,

Diz-nos:

Não sei, pareço uma igara sem nó, desprezada,

Vagando a esmo pelas sarjetas do destino.

Nossa moça – exclama o raio de luz, solidária com o que ouviu:

– Que é isso? Tão bela que é e tão culta,

Só falta para ti, um pouco mais de brilho.

Quer dizer é bem melhor tentar sair desta nuvem,

Desta escuridão que a envolve que um raio de luz descerá,

E te encontrará, Amar-te-á com ardor, Com amor,

Será como uma lua de mel na lua cheia, ver você grávida,

Ver eu de novo, você parida e eu recém-nascida,

Feito uma obra de arte das mãos de um artista

Você se achando, criando-me, renascendo para o mundo,

Para uma nova vida, agora decidida, mais mulher, mais gente,

Mais viva, diferente, como nós aqui, o que você acha?

Isto é vida minha luz, diz-se a coisa, mas eu não sou nada,

Como vê mesmo iluminada estou murcha,

Caída e despetalada, amassada e atirada no lixo,

Que também não me quer, por não me ter a fazer,

Sou só a cultura desta terra, sou sempre o último plano,

Daqueles que nunca se lembram de mim,

Assim, morro aos poucos, quando todos me querem.

Às vezes sou útil, para repasse de verbas, que nunca chegam,

Quase ninguém me ajuda e aos pedaços vou sobrevivendo,

Vagando de caso ao acaso pelo caos de quem me quiser

Só isto é que sou, mas mesmo assim, obrigado!

Muito obrigado pela força de vocês, por me escutarem,

Por me carregarem, só tu minha lua e meus lunáticos,

Que ainda me ouvem pacientes as minhas lamúrias,

Meus delírios, minhas loucuras e tudo mais,

Aqui, neste silêncio que se faz quando falam de mim,

Obrigado aos artistas santanenses, aos artistas da lua,

Inspiração deste povo que divulgam a terra

Que só engrandecem a arte, que só enaltecem a cultura,

Que morre à míngua nos gabinetes do estado,

Obrigado, de verdade minha gente!

Muito obrigado!