KANT E AS ATIVIDADES FÍSICAS. SERÁ QUE VOCÊ É MORALMENTE SAUDÁVEL?

De vez em quando escuto músicas da Legião Urbana. Talvez por ser contemporâneo do auge da banda. O fato é que gosto de algumas letras. Dentre elas, existe a letra da música "Geração Coca-cola", a música que lançou a banda no cenário do rock nacional.

Essa música chama a atenção para a geração que veio com o ocaso da Guerra Fria, quando os EUA e o estilo de vida ocidental sagraram-se vencedores da guerra ideológica que arrebatou o mundo após a 2ª Guerra Mundial.

O fato é que estou inserido no contexto da geração coca-cola. Outra nomenclatura para esta geração é "geração x". Aliás, hoje em dia, existe uma gama de letras do alfabeto para se referir às diversas gerações: além da "x", existem, salvo engano, as gerações "y" e "z", essas duas mais recentes, abrangendo a pessoa que nasceu no meio da década de 80 (alguns afirmam que a partir do ano 1987).

Eu, assim como o Renato Russo, prefiro dar nome, ao invés de usar letras. E, arrisco a chamar essas gerações mais novas, dentre outras tantas possibilidades, de "Geração Narciso". Para explicar, vou utilizar um dos mais relevantes aspectos que afligem as gerações mais recentes: o culto ao corpo.

De antemão, aviso que não tenho pretensão de fazer juízo de valor sobre ninguém. Apenas, levantarei alguns questionamentos interessantes sobre o equivocado modo como os jovens de hoje se comportam, quando o assunto é saúde X vaidade. E, utilizarei a questão da ideologia (ou da ausência dela) para caracterizar a atual falta de importância que se dá aos motivos que levam a um determinado comportamento.

E, já que falei dos motivos, também incluirei, de forma bem genérica, alguns princípios da filosofia moral de Kant, como forma de tornar o texto mais rico. Até porque, falar de motivos que levam a uma determinada conduta, leva-me, inexoravelmente, a abordar um pouco dos ensinamentos deste filósofo alemão.

Kant, resumidamente, ensina que, para se chegar à conclusão de que um determinado comportamento está de acordo com a moral, deve-se averiguar os motivos que levaram a este comportamento. Pois é. Segundo Kant, o que importa, moralmente falando, são os motivos e não as consequências da sua conduta.

Pois bem. Vamos aos fatos.

O culto ao corpo, seja pela imposição das ideologias de mercado, ou por qualquer outro fator, está hoje consagrado como um dos cânones fundamentais do consumismo capitalista. Haja vista a quantidade, cada vez maior, de academias de ginástica, de centros de beleza e de tratamentos de estética.

O corpo humano é transformado em um produto. Virou objeto de desejo. E, pior, de desejo sexual.

O nosso corpo tem sido tratado como molde, servindo para exibir formas. Presta-se para a ostentação da malícia e da sensualidade. Deixa de servir como sistema irradiador de saúde e vira capa de revista.

Para se enquadrar nos padrões de beleza, a maioria (não é todo mundo, mas, infelizmente, a IMENSA maioria) tem buscado atividades físicas como forma de projeção da beleza corpórea.

Se a saúde vem junto, ótimo. Mas, o que move a busca, por exemplo, pelas academias, é a vaidade e, não necessariamente, a saúde.

O motivo primordial é tornar o corpo malhado.

Nesse sentido, imaginem a seguinte situação: o sujeito se matricula numa academia, e passa a malhar todos os dias, abandonando a vida sedentária, mas, só faz isso porque está interessado em ver seu corpo malhado, para poder atrair a maior quantidade de parceiras (no popular, o cara quer comer todo mundo e se tornar o centro das atenções da mulherada).

E, afastando qualquer respingo de machismo, pode-se imaginar a mesma situação, só que protagonizada por uma mulher.

Indiscutivelmente, esse cidadão ou essa cidadã, aos olhos da medicina, por exemplo, estarão fazendo algo elogiável: deixaram o sedentarismo e passaram a se exercitar. Com efeito, 100 em cada 100 médicos, ou nutricionistas, ou professores de educação física dirão que esta nova atitude deveria ser praticada por todo mundo, afinal, atividade física é fundamental para a saúde do ser humano.

Mas, seria esta atitude moralmente correta?

Tinha que ter um mala para se preocupar com a ideologia por trás do comportamento, né.

Como dito, para Kant o que vale são os motivos.

E eu, sinceramente, tenho minhas dúvidas se o motivo pelo qual os sujeitos do exemplo foram levados para a academia seria um motivo pautado na moral. Acredito que não!

A única conduta moral esperada, nesse caso, seria: fui malhar porque preciso de saúde. Fui malhar porque não posso sustentar a vida sedentária, porque ela, simplesmente, me faz mal. E ponto final.

Se a pessoa vai ficar com o corpo bonito, isso, em termos morais, é irrelevante.

Daí, eu pergunto: será que existiria esse gigantesco frenesi harmônico dos aparelhos de uma academia, caso, após vários meses de esforço, o corpo continuasse o mesmo? É uma situação inusitada, mas vejam bem o que eu quero colocar: será que tantas pessoas continuariam malhando se nenhum resultado fosse apresentado, em termos de forma do corpo?

A saúde estaria 100% melhor, mas o corpo pouca coisa mudou. E aí? Mais saúde, melhor bem estar, mas o corpo praticamente inalterado. Será que continuariam malhando?

Enfim, esse tipo de conjectura leva-me a crer que a geração narciso, apesar de ser mais voltada para as atividades físicas, pauta-se em condutas não revestidas de conteúdo moral.

Fisiologicamente, pode ser a conduta adequada, mas, buscar a atividade física, como mero expediente para melhorar o visual do corpo, é moralmente incorreto.

Mas, sabem o que é pior? É que tem gente que pensa assim: "e daí que é moralmente incorreto? Estou pagando e o que faço com meu corpo é problema meu".

Pois é. Esse é o nosso tempo contemporâneo. A filosofia moral perde para a filosofia do dinheiro. O que é essencial cede espaço para o que é superficial.

"E há tempos são os jovens que adoecem", já dizia Renato Russo. E, uma das doenças que afeta esta geração narciso deixou ser a coca-cola e passou a ser a ideologia, ou melhor, a ausência dela.

É uma doença do espírito, cuja cura, se é que existe cura, passa longe de uma academia de ginástica.

Adriano Carvalho Souza
Enviado por Adriano Carvalho Souza em 28/09/2014
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