Organização de escolas de sindicatos e uma universidade popular na resistência à indústria cultural, igrejas e Estado burguês
Na República de Weimar, na Alemanha, havia escolas de sindicatos nas quais lecionavam intelectuais militantes do SPD. Os jovens da Contracultura criaram a Antiuniversidade de Londres, na Inglaterra, em 1968. Com todos os limites de iniciativas como essas, não seria importante no momento em que estamos vivendo pensar espaços alternativos e autônomos para a construção de nossa hegemonia política e ideológica na sociedade civil? Concentrar todos os nossos esforços na disputa por espaços na institucionalidade burguesa com a eleição de parlamentares e governos, a atuação intelectual nas escolas e universidades do Estado burguês e a busca de espaço para as lutas dos trabalhadores e dos jovens nos grandes meios de comunicação, na grande mídia, são ações políticas limitadas, inclusive na disputa da consciência, e embora sejam importantes de um ponto de vista tático em nada se assemelham à luta pela conquista do poder político pelo proletariado defendida por Lênin. A dominação ideológica e cultural por parte da indústria cultural, com cada vez menos possibilidades de aproveitar as brechas no interior do sistema de comunicação de massa capitalista, o aumento da repressão política e policial e do controle político do processo eleitoral por meio do financiamento privado das candidaturas por bancos e grandes empresas e da pressão de setores do crime organizado sobre o eleitorado, a influência de igrejas e do discurso obscurantista nas escolas públicas e na política institucional, nas eleições e no Parlamento, e a utilização das escolas públicas com objetivos sociais reacionários, destruindo a capacidade de intervenção político-pedagógica dos professores e dos movimentos sindical e estudantil por meio de projetos empresariais de ONG´s e fundações, metas produtivistas de governos e a transformação dos estabelecimentos de ensino em espaços para a promoção exclusiva de assistencialismo, são fatores importantes para que possamos repensar nossa atuação no sentido de disputar efetivamente a consciência das pessoas. Sempre achei que os sindicatos da educação deveriam fundar uma escola ou escolas que funcionassem de acordo com princípios progressistas na psicologia, na política e na pedagogia e que objetivassem a uma formação humanista, integral, que unisse a prática e a teoria, com ensino integral da educação infantil ao ensino médio e a educação politécnica como havia sido pensada por Marx no centro do processo pedagógico, estando o ensino técnico e profissionalizante para estudantes do ensino fundamental e médio unido a uma educação intelectual consistente, com uma formação geral em Ciências Humanas e Ciências Exatas consideradas em igual relevância, assim como a Filosofia, as Artes e a Educação Física, garantindo a saúde e o progresso físico e mental; esses deveriam ser os fundamentos de todo o trabalho pedagógico, e isso deveria servir de modelo para as escolas públicas. Ainda em caráter experimental, a concepção de educação baseada na teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner, uma educação centrada no indivíduo, que valorize as suas habilidades tanto nas aulas quanto nas avaliações poderia ser implementada, levando-se em consideração, no entanto, que aqui não se trataria de uma educação obrigatória para as massas, mas para famílias de trabalhadores inicialmente das bases dos sindicatos e depois talvez uma base mais ampla, que encarassem a importância de uma educação desse tipo e de uma escola financiada pelo movimento sindical e pela contribuição dos filiados dos sindicatos da educação e a contribuição voluntária de trabalhadores em congressos, assembleias e em seus locais de trabalho. A Igreja Católica, mesmo influenciando as escolas públicas, não abre mão de suas próprias escolas e faculdades, que funcionam de acordo com sua visão de mundo e organização e reproduzem sua ideologia e moral, formando quadros com seus valores e ideais para atuar na sociedade. O empresariado também não se furta de formar seus quadros, com suas escolas privadas para a formação técnica e profissionalizante, moldando os seus futuros trabalhadores da indústria e do comércio em sua ética, disciplina, ideologia e organização. A CNI (Confederação Nacional da Indústria), por exemplo, não se abstém de atuar diretamente no processo educativo. Os partidos políticos de esquerda e os movimentos sociais também poderiam se unir e fundar uma universidade popular que servisse para a formação intelectual e política dos jovens e trabalhadores, que não fosse um curso de extensão ou um curso de formação política, mas uma instituição com CURSOS nas áreas de Humanas, Filosofia, Ciências Naturais, etc, que contassem com disciplinas eletivas e optativas em grande quantidade e que tivessem no quadro de professores somente militantes e intelectuais de esquerda (comunistas, socialistas reformistas e revolucionários, social-democratas, anarquistas, democratas de esquerda). As pesquisas poderiam ser interdisciplinares e tocadas tanto por professores ou professores e alunos quanto exclusivamente por alunos. Alunos e professores poderiam organizar jornais e revistas científicas, políticas e teóricas em seus departamentos e vender ou distribuir gratuitamente em eventos sindicais e políticos, nas escolas e universidades públicas e privadas e nas ruas; organizar blogs e sites e criar verbetes para a Wikipédia. E isso tudo sem as limitações institucionais e políticas das instituições oficiais e de forma completamente auto-financiada, sendo as escolas e universidade do movimento instituições bancadas pelo próprio movimento social. Isso é tão importante quanto o contraponto cultural à indústria cultural existente hoje exercido pela mídia independente, pelas rádios e TV´s comunitárias, por exemplo. A produção e divulgação de conhecimento e a formação política e intelectual dirigida pelos movimentos sociais sem os entraves impostos pela burguesia nas instituições que são, em última instância, os seus aparelhos ideológicos, poderia romper a camisa-de-força intelectual e moral da burguesia, que atinge inclusive a militância de esquerda e em larga medida os filhos da classe trabalhadora, vítimas dos projetos capitalistas e reféns do lumpesinato nas áreas mais pobres, sendo limitado o acesso ao conhecimento por grande parte dos trabalhadores, um acesso pleno, profundo e verdadeiro, pelo menos. As eleições sindicais e parlamentares são muito importantes; os nossos sindicatos e entidades estudantis devem ser cada vez mais fortes e ter parlamentares de esquerda como porta-vozes do movimento nunca é demais, mas é um engano achar que podemos derrotar a burocratização dos sindicatos e partidos, a cooptação das melhores lideranças políticas de esquerda pela burguesia e a reação cultural contra a classe trabalhadora e a juventude sem espaços autônomos de formação política e voltados para a elevação do nível cultural dos trabalhadores, que combatam tanto a moral ascética e a ideologia obscurantista dos conservadores quanto a moral hedonista e a ideologia liberal dos neoliberais, que combata a concepção da indústria cultural de promoção de diversão e de distrações, que são colocadas no centro da vida humana, apresentando como paradigma, em contraposição à lógica do entretenimento, a defesa do prazer em aprender e no fazer autônomo, na autorrealização pessoal pelo desenvolvimento pleno de suas potencialidades e pela práxis política e demais ações de caráter coletivo solidário, democrático e progressista, formando pessoas que lutem não só por uma sociedade mais justa, livre e igualitária, mas que funcione de acordo com critérios racionais, que respeite as diferenças, mas jamais negligencie a busca da verdade. Essa é uma discussão muito difícil, mas é muito menos utópica do que parece, sendo, na verdade, uma necessidade diante do avanço do fascismo, que também deve ser combatido de forma concreta na luta de classes por meio da unidade da esquerda e dos setores democráticos numa frente única antifascista, em frentes de esquerda independentes da burguesia, compostas só por partidos de esquerda e do movimento operário e socialista, nas eleições burguesas, e de frentes para a ação direta em mobilizações de rua, que congreguem diferentes setores do movimento, para a resistência à repressão do Estado e à opressão fascista. Promover um contraponto ideológico e cultural à dominação burguesa é de fundamental importância nesses tempos de retrocesso político e social. A defesa da democratização do ensino público e gratuito não está em conflito com a construção de espaços independentes do Estado burguês e da ingerência dos capitalistas nos currículos, nos métodos de ensino e aprendizagem e na qualidade dos espaços físicos dos estabelecimentos de ensino ofertados à classe trabalhadora. A luta por melhores salários e condições de trabalho dos profissionais de educação, por autonomia pedagógica e democracia nas escolas e por liberdade estudantil e sindical são bandeiras da luta política e econômica dos educadores, estudantes e trabalhadores pobres, mas a independência política, financeira e cultural da classe trabalhadora são elementos fundamentais na luta estratégica pelo poder não nesse Estado, mas no Estado depois desse, depois da tomada do poder e da destruição do atual aparato burocrático de Estado. E parece que a política de pré-vestibulares populares e cursos de formação de sindicatos e partidos apenas, assim como cursos de extensão promovidos pela intelectualidade de esquerda na Academia para os movimentos sociais por si só não são mais suficientes como contraponto à reação cultural e ideológica. É preciso avançar na educação da classe trabalhadora pela própria classe trabalhadora no sentido da emancipação humana. É preciso romper com o economicismo e com um reformismo fortemente influenciado por um fetichismo do Estado e de concepção social-democrata ou que conta com a infiltração da concepção de educação e de escola herdada do populismo. De maneira nenhuma tratar-se-ia isso de auto-organização de tipo anarquista, de uma autogestão que pretende a construção de uma sociedade alternativa e que nega a disputa política da hegemonia na sociedade como um todo, mas apenas o reconhecimento de que se faz necessário impedir que a classe burguesa mergulhe o conjunto da classe trabalhadora na ignorância e na adesão ao mundo como ele é, produzindo uma reserva crítica e quadros intelectuais e práticos mais eficientes. Isso em nada deveria espantar uma classe média politizada e intelectualizada que já coloca os seus filhos em escolas com métodos pedagógicos mais avançados e que pagam altas mensalidades para que seus filhos possam obter o melhor ensino e o menos alienado possível nessas instituições privadas; estender esse tipo de ensino de qualidade a uma camada maior de trabalhadores, acrescentando no entanto um conteúdo fortemente político a esse projeto educacional deveria ser uma iniciativa recebida com entusiasmo. Esse é o sentido da proposta: promover e ampliar a autonomia política e cultural da classe trabalhadora frente às instituições burguesas e elevar o nível cultural dos trabalhadores e suas capacidades físicas e mentais para a construção de uma nova sociedade.