Origem da Filosofia
(Ortega y Gasset, José - "Origem y epílogo de la Filosofia".F.C.E. - México, 1960)
Ao concluir a leitura de uma história da Filosofia, manisfesta-se, diante do leitor, todo o passado filosófico. E esta presença desperta no leitor uma série dialética de pensamentos.
Os pensamentos podem estar ligados, com evidência, um ao outro, de dois modos. O primeiero é este: um pensamento aparece como surgindo de outro anterior, como sendo apenas a explicitação de alguma coisa que já estava nele implícita. Dizemos que o primeiro pensamento implica o segundo. É este o pensamento analítico, conseguido por uma análise progressiva.
Mas, há outro modo de vínculo evidente entre os pensamentos. Dá-se quando não conseguimos pensar um pensamento solitário, por mais que o queiramos. Ao pensá-lo, justapensamos ou seja, pensamos algo mais que não estava em nosso pressuposto pensar. É este o pensamento sintético. O nexo entre os pensamentos sintéticos é muito forte que no caso do analítico, pois neste podemos pensá-los isolados, enquanto naqueles (nos sintéticos) o nexo é tão forte que o primeiro pensamento nos leva, imperativamente ao pensamento seguinte.
Isto é o que chamamos dialética. É a obrigação de seguir pensando. É o fato mesmo da condição humana, pois o homem, com efeito, não tem outro remédio que "seguir pensando", pois sempre se encontra como quem nada pensou ainda de maneira "completa".
Apesar de o afirmado acima ser a realidade do homem, não contradiz outro fato tão real e verdadeiro quanto o que se acabou de afirmar: cada um de nós, apezar da obrigação de sempre "sentir pensando", não o faz, mas detém-se, pára, deixa de pensar em determinado ponto da série dialética. Uns param antes, outros depois. Mas isto não quer dizer que não tivéssemos que prosseguir pensando. Ainda que nos detenhamos, a série dialética prossegue, e sobre nós continua a gravitar a necessidade de prosseguir. Muitos são os motivos para esta interrupção, mas todos eles, por mais justos que sejam, são uma violência ao processo dialético do pensamento.
Procuramos, pois, percorrer, em seus estádios principais, a série dialética de pensamentos que em nós foi despertada, automaticamente, pela visão panorâmica da história da Filosofia.
O primeiro aspecto que o nosso olhar percebe é uma multidão de opiniões que se contrapõem umas às outras, recriminando-se, mutuamente, como errôneas. O passado filósofico é, ao nosso primeiro olhar, um conjunto de erros. Esta foi a impressão que o homem grego teve, ao lançar um olhar histórico sobre o passado, e ao permanecer neste olhar, ao renunciar a continuar pensando, caiu no precipício do ceticismo. Hegel, referindo-se à vida humana toda, afirma que "quando voltamos a vista ao passado, a primeira coisa que vemos é ruinas".
A própria história da Filosofia, ao mesmo tempo que exposição de sis temas, resulta ser, se se propor a tal, em uma crítica dos mesmos. Ao expor a sucessão de doutrinas, vê-se forçada a decepar a precedente ou deixá-la decepada, por força da subsequente.
Tal gigantesca experiência de fracasso é o que vem expresso no bom estílo barroco de Bossuet: "quando considero este mar turbulento, se assim é lícito chamar à opinião e aos raciocínios humanos, impossível me é um tão dilatado espaço, encontrar asilo tão seguro num retiro tão sossegado que não se tenha tornado célebre pelo naufrágio de algum navegante famoso".
Na série dialética, este é, pois, o primeiro pensamento: a história da Filosofia nos descobre, "prima facie", o passado como o mundo morto dos erros".
Roberto Gonçalves
Os pensamentos podem estar ligados, com evidência, um ao outro, de dois modos. O primeiero é este: um pensamento aparece como surgindo de outro anterior, como sendo apenas a explicitação de alguma coisa que já estava nele implícita. Dizemos que o primeiro pensamento implica o segundo. É este o pensamento analítico, conseguido por uma análise progressiva.
Mas, há outro modo de vínculo evidente entre os pensamentos. Dá-se quando não conseguimos pensar um pensamento solitário, por mais que o queiramos. Ao pensá-lo, justapensamos ou seja, pensamos algo mais que não estava em nosso pressuposto pensar. É este o pensamento sintético. O nexo entre os pensamentos sintéticos é muito forte que no caso do analítico, pois neste podemos pensá-los isolados, enquanto naqueles (nos sintéticos) o nexo é tão forte que o primeiro pensamento nos leva, imperativamente ao pensamento seguinte.
Isto é o que chamamos dialética. É a obrigação de seguir pensando. É o fato mesmo da condição humana, pois o homem, com efeito, não tem outro remédio que "seguir pensando", pois sempre se encontra como quem nada pensou ainda de maneira "completa".
Apesar de o afirmado acima ser a realidade do homem, não contradiz outro fato tão real e verdadeiro quanto o que se acabou de afirmar: cada um de nós, apezar da obrigação de sempre "sentir pensando", não o faz, mas detém-se, pára, deixa de pensar em determinado ponto da série dialética. Uns param antes, outros depois. Mas isto não quer dizer que não tivéssemos que prosseguir pensando. Ainda que nos detenhamos, a série dialética prossegue, e sobre nós continua a gravitar a necessidade de prosseguir. Muitos são os motivos para esta interrupção, mas todos eles, por mais justos que sejam, são uma violência ao processo dialético do pensamento.
Procuramos, pois, percorrer, em seus estádios principais, a série dialética de pensamentos que em nós foi despertada, automaticamente, pela visão panorâmica da história da Filosofia.
O primeiro aspecto que o nosso olhar percebe é uma multidão de opiniões que se contrapõem umas às outras, recriminando-se, mutuamente, como errôneas. O passado filósofico é, ao nosso primeiro olhar, um conjunto de erros. Esta foi a impressão que o homem grego teve, ao lançar um olhar histórico sobre o passado, e ao permanecer neste olhar, ao renunciar a continuar pensando, caiu no precipício do ceticismo. Hegel, referindo-se à vida humana toda, afirma que "quando voltamos a vista ao passado, a primeira coisa que vemos é ruinas".
A própria história da Filosofia, ao mesmo tempo que exposição de sis temas, resulta ser, se se propor a tal, em uma crítica dos mesmos. Ao expor a sucessão de doutrinas, vê-se forçada a decepar a precedente ou deixá-la decepada, por força da subsequente.
Tal gigantesca experiência de fracasso é o que vem expresso no bom estílo barroco de Bossuet: "quando considero este mar turbulento, se assim é lícito chamar à opinião e aos raciocínios humanos, impossível me é um tão dilatado espaço, encontrar asilo tão seguro num retiro tão sossegado que não se tenha tornado célebre pelo naufrágio de algum navegante famoso".
Na série dialética, este é, pois, o primeiro pensamento: a história da Filosofia nos descobre, "prima facie", o passado como o mundo morto dos erros".
Roberto Gonçalves
Escritor
(Ortega y Gasset, José - "Origem y epílogo de la Filosofia".F.C.E. - México, 1960)