ESCOLHAS

Não existe caminho certo quando a intenção é errada. Porém, se a intenção é errada, o caminho certo acaba sendo um acaso. Mas o mesmo não vale se se inverter a proposição. Nesse caso, se o caminho é errado e a intenção certa, a intenção sairá prejudicada, afinal, o caminho errado conduziu a intenção ao erro. Não se trata de acaso, mas, tão somente, de uma fatalidade.

Assim é a vida. Uma miríade de escolhas que fazemos todos os dias, para não dizer todos os minutos de nossas vidas. O resultado, nem sempre previsível, pode nos parecer "acasos" quando nos deparamos com algo que se supunha pior, mas que se revela um tanto quanto satisfatório.

Esse mecanismo compensatório, em certa medida, nos livra de constrangimentos, contra os quais não estamos acostumados a lidar.

Chamar de acaso tudo aquilo que não compreendemos, somente porque não esperávamos aquele resultado, tem sido a melhor maneira de se evitar rugas ou, até mesmo, certas doenças.

Andar por atalhos, como quem tateia escuras paredes, desde tempos remotos tem sido a melhor maneira de se avançar sem dar um passo. O Homem, na medida que descobriu sua inteligência, não por menos (ou castigo), desenvolveu contrapontos igualmente fascinantes para que as más escolhas lhe causassem menos tormentos. O mínimo sinal de que tais tormentos lhe pudessem tirar da zona de conforto, por si só, já o impinge às crises psicológicas.

Tudo nesse mar de incertezas, das crises psicológicas às outras mais que virão, todas elas propagadas e propagandeadas em revistas e sites especializados, reveste-se de uma determinada patologia que não aparece em nenhum exame, por mais sofisticado que possa ser. A deterioração se dá não mais nas células ou nos membros que se atrofiam. A morte gradual marca sua estreia naquele indivíduo que embarca nessa roda gigante do consumismo que faz dele um zumbi.

Não se nega o desenvolvimentos das ciências. Não se nega o avanço da medicina, da engenharia genética, da biotecnologia, da biogenética. São avanços assombrosos, pois, ao se deparar com tais ferramentas, o Homem, senhor de si, passou a interferir tanto no planeta que hoje já não sei se lamentamos tais avanços. Tudo se apresenta como se o caminho escolhido nos conduzisse somente para frente. Mesmo que o abismo esteja no passo seguinte, retroceder torna-se-á a negação da própria afirmação da espécie humana.

A busca pela felicidade, assim como, o desenfreado desejo de ser "alguém na vida", me perece, hoje, a principal razão de nossa existência. Hoje, não nos parece plausível, e nem, tampouco digno de nota, alguém que se emociona com um pássaro no ninho. Nada parecerá mais piegas do que alguém que se emociona com um pássaro no ninho. Olhar para o próprio umbigo, eis a medida de todas as coisas!

A guerra pela sobrevivência, a louca busca por coisas que nos darão conforto e mesmo status, arrefeceu o olhar sobre o Outro como algo que nos diz respeito. Homens-ilha, eis o novo Homem. O Homem imerso na humanidade sem sentir-se parte dela. A humanidade despossuída daquilo que, em essência, lhe qualifica. Não poderá haver humanidade sem Homem. Mas, a guerra diária em que se imbricou, fez do Homem um ser, somente um ser a mais nesse reino de leões, pardais e flores.

Não há sonhos possíveis. Tudo é tão somente Utopia que se projeta para um futuro sempre chamado por bandeiras que se locupletam entre paredes intransponíveis. A blindagem se levanta tão logo uma voz, apenas uma que seja, se "indispõe" contra o consenso fabricado. A servidão voluntária se estabelece como um novo modo de ser. É preciso estar "junto" para que o projeto traçado adquira valor.

O olhar para o lado, permitir-se o contato com a divergência se transforma numa aventura a lá Indiana Jones. O templo da razão, desfigurado em conveniências políticas, cede espaço aos negociadores de sonhos. E o desvario coletivo, amparado em suposições ingênuas, e por quê não, traiçoeiras, sai à rua como quem vai à praia. Todos se confraternizam em calorosos abraços como se não houvesse o Outro que a tudo observa com lágrimas nos olhos.

A tinta sobre o quadro, impulsivamente espalhada, não tem cores. Tudo é negro, tudo é matizado numa única pincelada sem levar em conta o jardim onde está o artista. E o erro não estará na intenção de se pintar o jardim, mas no caminho que o artista escolheu para fazê-lo.