O PAPEL DOS MERCADORES DO CONHECIMENTO NO NOSSO TEMPO
O tempo que não chega, é tempo esperado. Impossível de ser concluído antes de seu tempo, basta, para ter-se nele, a junção concreta/idealizada para saber que chegou. Daí, e não de outra maneira, de tempos em tempos surgem aqueles que se dizem gurus ou mestres disso ou daquilo para que, com suas verborrágicas manifestações, tenham o mínimo de audiência.
Eles são assim: desfilam, sem nenhum constrangimento, por labirintos dos mais suspeitos. Não lhes atormenta saber que naquele espaço, em tempos sombrios, corpos foram supliciados, sevicias tornaram-se método investigativo e mesmo, até, corpos foram mutilados. Não. Nada disso lhe ofusca o pensamento. Para esses, o passado é tão somente uma data congelada no tempo. Do passado só interessa saber que passou e que algo dele tenha relevância. Apenas a oportunidade de tê-lo como objeto para expô-lo num encadeado de argumentos engenhosamente articulados lhes interessa. A relevância e a crítica são, muitas vezes, escamoteadas em nome de uma isenção histórica para que o desconforto não se instale.
A plateia, habilmente disposta e treinada por um profissional que conhece as sutilezas das imagens, sem indisfarçado contentamento, obedece a cada comando. Ela sabe que, ao fim do programa, o parco cachê estará à disposição. Sabe, ainda, que os quinze segundos de fama perdurará, como estalactite, na sua alma até o dia em que o guru/mestre, por ele próprio, se desmoronará, tanto pelo desenvolvimento do próprio expectador ou pela exposição massiva do guru, fazendo dele mais um produto no reino midiático.
Enquanto isso não acontece, a estrela, igualmente manipulada e manipuladora, não se indispõe com o espetáculo. Ela sabe, dentre outras coisas, que ela é a estrela, que ela é a que vai ser ouvida e vista. Embora, também saiba, e não se opõe a isso, que seu cachê nunca será igual aos demais.
Todos tem um preço, e o desses gurus, nesse mercado onde crenças são anunciadas, programas de governos são analisados por especialistas que, amparados pelos mais diversos títulos e redes estabelecidas, adquirem seu valor na justa medida com que se propõem a manter o quadro vigente.
A realidade, por mais antagônica que seja ao que se descreve, na boca desses mercadores do saber, a realidade sempre adquire novo significado, nova interpretação para manter o rebanho calmo e indolente. O rebanho não se rebela; não é para se rebelar.
E nesse triste quadro, horrendo se poderia dizer, a patuleia, adestrada, não rompe seu destino. Não avança, afinal, manter-se inerte faz parte do projeto esboçado e, em certa medida, camuflado por aqueles que lhes pagam polpudos salários. Manter-se em constante exibição televisiva, esses mercadores do saber, sabem que a imagem fala por si. Aprimorar o discurso, dar a ele nova roupagem, é parte e essência dessa servidão moderna.
E a corrente, a corda no pescoço, não se rompem. O nó se aperta a cada sinal, por mínimo que seja, de se colocar em risco a ordem defendida.
Tomar as ruas, tomar as praças, eis a rebeldia! Dar de costas a esses serviçais, sapientes não se ignora. Porém, nunca esquecer que eles não perdurarão. Em oposição a esses, outros, não se vendem. A resistência, sempre ela, terá de ser a Fênix dos nossos tempos. E esses mercadores do conhecimento, assim como seus financiadores, virão a luz invadir a caverna que eles construíram.