guitarras e abutres.
é nesse vai-e-vem da guitarra dilacerada que eu me desencontro do meu eu.
me deito de canto em canto do meu corpo e não me recolho,
não alcanço os vestígios de mim.
está tudo tão partido, tudo tão bipartido que fica difícil enxugar o jorro do choro.
as cordas vão dedilhando-se como que por vontade própria. contração.
em posição quase fetal inicio um passeio sem volta no mar profundo dos meus olhos refletidos no espelho quebrado.
aonde estou?
no espaço vazio do não-lugar aconteço em movimentos não captados pelos vossos olhos.
sinto a coluna partir-se ao meio na tentativa de levantar o corpo do chão frio. desisto.
fechar os olhos me faz recordar do prefácio prometido da morte.
sou o abutre do meu corpo morto, o urubu carniceiro que me engolirá.
o não de toda minha submissão é o não chorar diante da solidão
que dói.
por alguns instantes pensei na vida que prometi.
de todas as promessas, cumpri a de ser infeliz.
o cheiro de sangue ainda impregna minhas narinas, minhas roupas, meus espaços e o vácuo que me rodeia.
para onde vou?
o cheiro de terra molhada, as lápides desenhadas, os exús guardando o espaço não-meu.
quantos segundos duram os segundos em que uma lágrima jorra escorregadia por todo meu rosto?
quantos segundos duram para o peso do corpo abandonar o meu corpo?
quantas gramas o ar que me falta pesa?
a guitarra ainda distorce meus pensamentos, permaneço em algum canto fingindo vida, contorcendo o corpo em busca de dor que me presenteia com vida.
e a guitarra ainda toca...