Turismo e Patrimônio Arqueológico em Torres
Um evento emblemático resume a relação entre turismo e patrimônio arqueológico em Torres: a criação do Parque Estadual da Guarita. Na década de 1960, a CRTur ( Companhia Rio-grandense de Turismo) nas obras de implantação das vias de acesso ao estacionamento do parque, desmontou o sambaqui da Guarita ou da Caiera (por estar próximo de um forno de cal). Este sambaqui apresentava considerável material arqueológico e tinha cerca de 100m de comprimento, instrumental lítico variado, sepultamentos e nos níveis superiores fragmentos cerâmicos com decoração externa (riscadas, pintadas). A negligência dos poderes municipais e estaduais na observação do aparato legislativo de proteção ao patrimônio arqueológico trouxe graves prejuízos para o estudo da cultura material. Os remanescentes arqueológicos pré-coloniais foram arrasados pelos anseios de turistificação do território litorâneo de Torres. Também os sítios históricos foram abandonados à própria sorte.
Durante a expansão turístico-urbana evidenciada principalmente a partir dos anos 1950, o legado material do período colonial aos poucos foi substituído por edificações modernas e pela ampliação das ruas da cidade. A vila de Torres teve uma produção material específica nos séculos XVIII e XIX. Na área urbana sofreram impactos direto da urbanização, a fortificação construída em 1777 e os sobrados e casarios coloniais do século XIX e XX, dos quais sobraram poucos remanescentes. O local que existia a fortificação na meia encosta da Torre Norte sofreu um intenso processo de alteração, com a ampliação do acesso para o cume do morro, a construção da escola, a caixa d’água da CORSAN e pelas casas de veraneio. O centro histórico foi desfigurado pela pressão da especulação imobiliária que avança sem controle ao conjunto de casarios. Exceto a Igreja São Domingos das Torres, o restante das edificações de cunho histórico estão em situação de vulnerabilidade, pois são propriedades privadas e não existem critérios que norteiem e fiscalizem as modificações em suas fachadas e estruturas internas.
O turismo tem uma relação ambígua com o patrimônio arqueológico. Uma relação de amor e ódio, que fundamenta-se na apropriação do legado cultural ou seu extermínio. Para medida de ilustração, existem muitos casos de amor e comunhão com os bens materiais como atrativos turísticos: as Missões Jesuíticas, no Rio Grande do Sul; o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí; os conjuntos históricos e museus de Ouro Preto, em Minas Gerais; o centro histórico de Recife, Pernambuco; as escavações arqueológicas de Canudos, Bahia, entre outros. No caso de Torres, o patrimônio material teve que dar lugar aos ideais de inovação e modernidade, impondo uma relação de ódio, de recusa de seus bens culturais.
O turismo elitista trouxe consigo valores cosmopolitas, de apropriação e usufruto da localidade e de sua população. Os primeiros veranistas especulavam e tinham como fonte de atrativo visitar e muitas vezes coletar artefatos dos sítios arqueológicos das redondezas da vila. As praias foram elencadas como um local de lazer e o senso preservacionista da elite letrada e intelectual que adentrava as torres; que visitavam o patrimônio histórico-cultural e os museus consagrados da capital e de outros lugares não priorizaram a preservação do patrimônio material da região litorânea. Nesta queda de braço, o patrimônio arqueológico saiu perdendo com o extermínio total dos sítios arqueológicos pré-coloniais e parcial dos sítios históricos localizados na área urbana.
Publicado no Jornal Litoral Norte RS