Economias índias (uma análise ecológica das relações econômicas aplicada à economia brasileira do séc. XXI)
Podemos analisar “ilhas econômicas” à maneira das ilhas biogeográficas.
Consideremos um povo previamente isolado, talvez em uma ilha. Esse povo terá, certamente, sua própria economia interna; sua produção e troca de bens. Bens não-perecíveis utilizados em trocas, e reutilizáveis, podem ser chamados “moedas”. O uso de pequenos ornamentos como moedas costuma ser especialmente prático.
Existe uma assimetria entre populações continentais e ilhéus, análoga em termos ecológicos e econômicos. A assimetria é dada pelos numerosos fluxos recebidos através de múltiplos contatos externos das populações continentais, em contraste com o fluxo único estabelecido por cada grupo de ilhéus.
Após sucessivos contatos com numerosas ilhas, as populações continentais se encontram imunizadas contra invasões externas de qualquer tipo, tanto de fluxo gênico, no caso ecológico, quanto cultural ou econômico, em outros casos. As ilhas, ao contrário, encontram-se, usualmente, a princípio, indefesas frente a invasões continentais de qualquer ordem.
A chegada de comerciantes a uma ilha, o primeiro contato de um grupo isolado com comerciantes, impõe, ou explicita, a assimetria existente. O comerciante conseguirá, facilmente, atrair a cobiça dos ilhéus por alguns de seus produtos; poderá pedir qualquer preço por eles.
(Culturas de tipo imperialista tendem a se impor e a substituir as previamente existentes. Culturas continentais já foram, previamente, substituídas por culturas imperialistas e já o são. Correspondem ao análogo ecológico das espécies invasoras.)
Após o contato a ilha poderá ser mantida em isolamento. Nesse caso, ela permanecerá funcionando da maneira antiga, permitindo a troca entre os bens produzidos localmente e a moeda local. Haverá, em adição, uns escassos bens exóticos, importados do continente, que não farão, propriamente, parte da economia índia. Tais bens pertencerão a um outro mundo, serão caros, exóticos incompreendidos e cobiçados.
Caso os ilhéus não possuam meios próprios de se deslocar até o continente (ou a cultura necessária para estabelecer contato comercial com os de lá) permanecerão submissos às regras de comércio ditadas pelos estrangeiros. Havendo interesse na aquisição de qualquer dos bens exóticos, um ou outro habitante irá pagar um alto preço pelo bem oferecido. O comerciante conseguirá assim, o bem desejado disponível na ilha.
Essa assimetria permite a manutenção de uma diferença brutal de preços. A moeda local terá um preço baixíssimo, calculado em horas de trabalho. Em contraste, a moeda estrangeira terá um custo gigantesco. Qualquer produto importado custará inúmeras horas de trabalho, contrastando com o baixo preço dos produtos locais. Essa assimetria define uma economia índia.
Uma economia índia pode perdurar indefinidamente. A população local continua produzindo o alimento e os bens para seu próprio consumo, fazendo circular uma moeda índia, e gerando também um excedente expoliado por comerciantes estrangeiros, apropriados por preços vis. Essa condição é estável, podendo perdurar por séculos, se mantido o contato com o continente sempre mediado por exploradores, bastando, para isso, manter a disparidade entre as duas moedas.
A incorporação da economia índia ao mundo global pode ocorrer da seguinte maneira:
Distribui-se, inicialmente, uma renda, em moeda global, entre a população. A existência de moeda global circulante permite a incorporação da produção índia ao mundo global. Produtos índios passam a ser vendidos, não mais, pela moeda índia aviltada, mas pela moeda global, preferencial e universal.
A venda da produção índia em moeda global garante o aporte dessa moeda entre a população índia, revigorando o fluxo econômico e a produção. Os produtos índios ganham valor, tornam-se rentáveis, estimulando sua produção, revigorando a economia. A retroalimentação da economia impulsiona seu crescimento. A remuneração do trabalho índio aumenta.
A incorporação da moeda global ao dia a dia da população índia rompe seu isolamento, propicia a incorporação da economia índia à continental.
A análise acima explica, em certa medida, o crescimento econômico brasileiro no século XXI, sugerindo caminhos para a América do Sul. Populações tradicionalmente excluídas da economia global, há séculos, receberam um pequeno aporte financeiro através de auxílios sociais, como bolsa escola e bolsa família, além do aumento salarial real dessas populações. O resultado foi a incorporação da imensa população mantida tradicionalmente à margem da economia para dentro dela. Tal incorporação consistiu no crescimento da economia brasileira, possibilitando, em seguida, o revigoramento consequente desse crescimento prévio.
A falta de cultura pode acarretar o retorno de uma economia à condição de isolamento. O desconhecimento tecnológico pode reverter um grupo à condição marginal, obrigando-o a pagar qualquer preço por bugigangas tecnológicas, como seus antepassados faziam com miçangas.
A opção consciente de retorno a uma economia índia parece viável, como vem demonstrando o povo da Islândia. O domínio do conhecimento por parte do povo permite a valorização de seus serviços garantindo sua riqueza.