Somos memória... E o que mais?
Luciana Carrero
A identidade dos seres humanos é somente a memória. Fora disso não deve haver mais nada. Mas insistimos em incrementá-la com o mistério, a fim de darmos dimensão maior à vida, no sentido de transcendê-la ou projetá-la a uma descabida eternidade. Crendice ou não, nossa individualidade memorial vai construindo esta coisa de mistério, algo impalpável e improvável cientificamente; esta condição nos leva a insanidades como a poesia. E vamos fumando deste ópio para embalar a vida. Mesmo não acreditando, muitos de nós nos amalgamamos hibridamente ao que não existe. O mistério não é nada mais do que o que imaginamos e não consta da matéria humana. É uma espécie de engodo ou farsa, como todas as drogas. Uma trapaça do próprio pensar resultante da memória. Isto conduz à tal "alma". Mas este espírito ou alma não passa da "ânima" sem identidade, uma energia sem memória que dissipa-se com a morte. Mas continuemos viajando. É bom para anestesiar nossa impotência humana, até que sejamos finados para a infinita impotência no imemorial da eternidade. Sonhar é melhor do que não ter nada para justificar a existência.