Vitória; um bem, mal versado

“A estultícia está posta em grandes alturas, mas os ricos estão assentados em lugar baixo. Vi os servos a cavalo, e os príncipes andando sobre a terra como servos.” Ecl 10; 6 e 7

Embora tenhamos dificuldade de separar o ser, das circunstâncias, Salomão os alista aqui como não associados necessariamente. É possível estar em lugares altos, de posse de riquezas, e, ainda assim, ser estulto. Por outro lado; andar a pé e pertencer à nobre estirpe.

Mesmo que seja proverbial em nossa cultura dizer que uma pessoa não vale pelo que possui, amiúde, trata-se a tal como se valesse. O Salvador foi claro ao denunciar tal distorção. “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.” Luc 12; 15

Se houve um Príncipe, aliás, que desfilou desprovido de aparatos e bens, esse foi Ele. “E disse-lhe Jesus: As raposas têm covis, as aves do céu, ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.” Luc 9; 58 Isaías dissera mais: “Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, não fizemos dele caso algum.” Is 53; 2 e 3

Contudo, perguntemos a alguém ao nosso lado, em quê consiste vencer na vida, pra identificarmos a filosofia que impera. A receita não fugirá muito de conquistar um diploma, bens, renome, e, se possível, ser feliz. Que há de errado com isso? Tudo. O conceito distorcido de vitória, a maximização do efêmero, quando não, supérfluo, em detrimento dos bens vitais. O acúmulo de posses não deveria obrar mais que facilitar os meios, mas, acaba tornando-se o fim. O conhecimento não é buscado por sua nobreza, seu fruto à alma; antes, pelo que tem de mais raso, quanto paga, para deleite do corpo. O diploma é perseguido pelo emprego, esse pelo salário, o salário pelo conforto; o conforto, como meio de ser feliz.

Dons especiais para a arte, esportes, colocam uns em lugares altos mais rápido que o caminho acadêmico. A política, cuja demanda maior é saber iludir com a retórica também “canoniza” estultos e coloca nos pináculos sociais. Ocorre-me agora um provérbio hebraico que diz: “A grandeza foge de quem a persegue, e persegue quem foge dela.” Claro que essa máxima atina à grandeza real, não aparente.

Nada há de errado, antes, parece hígido tentarmos ser vencedores no palco da vida; entretanto, o quê conceituamos como vitória faz toda diferença. Que a sociedade secular seja hedonista, materialista, vá lá; mas, a coisa assume aspectos enfermiços quando o conceito distorcido é ensinado nos púlpitos, o que muito acontece.

Ora, o maior difusor da mensagem de Cristo – Paulo - cantou sua vitória quando condenado. A Epístola aos Hebreus coloca o combate aos maus hábitos, vícios, como alvo pelo qual convém resistirmos até à morte. “Ainda não resististes até ao sangue, combatendo contra o pecado.” Heb 12; 4 Como mesmo a ameaça de morte não fora suficiente para fazê-lo pecar, pode dizer com verdade o que disse: “Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia;...” II Tim 4; 6 a 8

Seu escopo de vitória era consumir-se aqui, pela obra de Cristo, com expectativa de coroa no porvir. Todo o que se diz cristão deveria imitar tal exemplo.

Que vale a filosofia rasa que do mundo nada se leva, em nossos lábios, se, usamos todos os meios para aumentar nosso monte de bagagem que ficará? Davi sentenciou: “Não temas, quando alguém se enriquece, quando a glória da sua casa se engrandece. Porque, quando morrer, nada levará consigo, nem a sua glória o acompanhará. Ainda que na sua vida ele bendisse a sua alma; e os homens o louvaram, quando fez bem a si mesmo, irá para a geração de seus pais; eles nunca verão a luz.” Sal 49; 16 a 19

É próprio do ser humano buscar o quê lhe falta; ou, pensa faltar. Não podem desejar lugares altos aqueles que já os possuem; apenas, são concitados a demonstrarem uma ética coerente com o principado que herdaram. “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus.” Col 3; 1