Sobre a Madrugada - Parte I
Quer saber? A madrugada é quem nos revela. Revela quem somos, e, principalmente, o que gostaríamos de ser. Na madrugada os nossos mais profundos sentimentos afloram fazendo-nos sentir mais verdadeiros, mais dignos. É a melhor hora que podemos ter com nós mesmos. Não sei se é assim por causa da solidão ou por causa do respeito ao silêncio, ao individual. Apenas sinto como qualquer outra pessoa.
É durante a madrugada que nos colocamos diante dos nossos problemas e dos nossos conflitos. Também acredito que é na madrugada que resolvemos a maior parte dos nossos verdadeiros problemas. Ela nos provoca, provoca ações verdadeiras. Faz com que tenhamos a maior das coragens: dizer a verdade para si mesmo.
Em razão disso é a madrugada a melhor hora de se escrever o que sente. É a melhor hora de namorar. É a melhor hora de pensar na própria vida. É a hora mais divina que vivemos. É a nossa hora.
Isso é muito importante. Um dos grandes sofrimentos do homem é ter que acreditar nas suas próprias mentiras. A vida social faz com que o homem tenha que se inventar. Se inventar de um modo gracioso, aceitável. Tem-se que criar uma figura que seja bem recebida, quando, na verdade, ninguém consegue receber bem qualquer um. Queremos ser tudo aquilo que as pessoas esperam que sejamos, e acabamos deixando de ser nós mesmos. E isso é duro, é difícil. Eis onde entra magnificamente a madrugada. A madrugada preserva nossa identidade, areja nossa vida interior que jamais deveria ser interior. Ela não deixa que esqueçamos quem somos. Ela nos permite a benção de sentir arrependimento e, conseqüentemente, nos permite aprender e evoluir como humanos.
Seria impossível durante nosso “horário comercial” exteriorizássemos nossas verdadeiras ações e desejos. Agiríamos contra a lei de sobrevivência. Mas de madrugada, não...
De madrugada estamos sós com nós mesmos, somos aquilo que somos e pronto! Estamos desprendidos dos nossos vícios e de nossas obrigações. Somos autênticos. Talvez as mais belas poesias tenham sido escritas na madrugada, como também os mais horrendos crimes foram cometidos. Porém isso é a madrugada: somos nós. O bom e o mau, em seus mais altos extremos, porque é isso que somos. Muito bons ou muito maus, nem somente um e nem somente o outro. O pior dos atos provém de onde poderia vir o melhor dos atos. Augusto dos Anjos não reclamaria de nossa opinião.
È por isso que se diz importante dormir, sonhar. Enquanto sonhamos vivemos nossas ilusões, não necessariamente somos nós nem o que queremos, contudo, na maior parte das vezes, é aquilo que determinam que nós queiramos.
A madrugada é a liberdade. É o nosso maior sucesso.
Portanto, façamos nossa homenagem à Madrugada, a moda antiga, em singelos versos: (Sobre a Madrugada - Parte II)