No olhar de um cão

Na chácara onde moro existe um lugarzinho privilegiado, de onde se pode ver uma larga faixa de horizonte, lá onde a terra, azulada pela distância, se confunde com o céu...

Quando chega o entardecer, o Pintor Supremo abre sua paleta de cores deslumbrantes e pinta belíssimas telas na natureza, de tal magnitude que nenhum artista da terra poderá igualar.

Gosto de ficar ali, sentado na grama, vendo a obra divina, deixando minha alma vagar pelos caminhos das recordações, inebriado pela beleza calma do crepúsculo.

Numa tarde, eu me encaminhava para o meu cantinho quando percebi que um dos meus cães ( tenho sete...) estava lá, sentadinho no exato lugar que costumo ficar.

Era o Obama, um belo macho, já com seus oito ou nove anos de vida.

Olhava docemente o horizonte, com o olhar carregado de nostalgia, parecendo estar admirando como eu a obra do Criador.

Aproximei-me devagar e sentei-me ao seu lado.

Ele pareceu não notar minha presença... continuou imóvel, olhar perdido no horizonte distante.

E eu me deixei ficar, admirando meu cão enquanto ele admirava o por do sol, tentando adivinhar que sentimentos tomavam conta dele, naqueles instantes de tão profunda calma.

E vi no seu olhar “sentimentos” que me enterneceram.

Primeiro vi saudades... como aquela saudade que sentimos de vez em quando, triste, melancólica, sem motivo, não sei de onde, não sei porque...

Depois vi no seu olhar aceitação... vi aquele entendimento que por mais intenso tenha sido o momento vivido, por mais doce a lembrança, fazem parte do passado, estão irremediavelmente presas no cárcere do tempo e não voltarão jamais.

Em seguida vi no seu olhar gratidão... agradecimento pela vida, por receber de mim carinho, alimento, cuidados ... gratidão por não sentir a solidão do abandono, não sofrer o frio das ruas, a fome cruel, a maldade dos homens...

Uma brisa suave começou a soprar e ele, impassível, apenas cerrou os olhos...

Vi ali uma pequena criatura de Deus, livre, integrado à natureza.

Estendi a mão e o acariciei.

Só então ele voltou a cabeça e me olhou com seus suaves olhos castanhos, de uma maneira que tocou a mais intima fibra do meu coração.

Me aproximei mais dele e sussurrei aos seus ouvidos: obrigado amigo por ter escolhido minha casa como sua casa... jamais o abandonarei, estarei sempre ao seu lado, gozando sua amizade todos os instantes, até quando o Criador nos separar...

Os cães não falam , mas eu juro que ouvi uma voz grave terna a me dizer: eu jamais te deixarei pois agora sei que o que viu no meu olhar é o que você tem no coração...

E ali ficamos, até quando o último raio dourado do sol se escondeu sob o vermelho do céu que anunciava a noite que se aproximava...

M P Lima
Enviado por M P Lima em 02/07/2014
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