O CALHAU
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho, canta o poeta Carlos Drummond de Andrade sobre este acontecimento nunca esquecido em sua vida, de retinas tão cansadas. Saramago nos conta que Joaquim Sassa lançou uma pedra, ao atirá-la contava que ela caísse distante poucos passos, teriam sido por artes da magia que esta fosse aquela?
Deixemos as divagações literárias e vamos às considerações sobre essa “pedra” surgida na recente exposição comemorativa “Casa de Ottokar Dörfell: Templo e Museu”, que poderia se restringir a um círculo restrito, mas pelas implicações já alcança a área da educação. De fato, um dos painéis expositivos “Arquitetura e simbolismo da casa” traz informações que geraram dúvidas aos alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo questionando os professores e chegando a mim, em função do artigo publicado neste jornal (A casa como templo, Edição nº 26.565 de 22-23/ 03/ 2014). Vejamos o que diz o texto no painel: -“ Certamente em função da intensa ligação que Dörfell tinha com a Maçonaria, ele projetou sua residência para ser um “templo sagrado”, ou maçonicamente um “Templo à Virtude”. Isso é perceptível já na planta baixa, onde vemos claramente a forma do esquadro usada para a varanda e a pedra cúbica para o alpendre.”
Ora, já de início, como escrevemos anteriormente, na planta da casa aparecem duas das assim denominadas jóias maçônicas: o esquadro e o compasso, e não apenas uma. Lilian Mendonça Simon arquiteta da Fundação Catarinense de Cultura já assinalara as “características atípicas da arquitetura apresentando planta em “L”, com varanda saliente no canto externo”. Essa planta baixa em “L” é o esquadro, identificado no painel expositivo como sendo a varanda, e complementando aquele raciocínio surge então a “pedra cúbica” como alpendre. Essa a primeira confusão criada quanto à área externa de circulação, em arquitetura os termos são bem definidos, bastando se reportar à obra fundamental de Corona e Lemos que assim os caracterizam: Varanda – designa o alpendre grande e profundo, comum nas casas antigas onde se tomavam refeições e se passava o dia, em princípio uma sala externa comprida e estreita. Alpendre – por definição é todo teto suspenso por si só ou suportado por pilastras ou colunas, sobre portas ou vãos de acesso; pode formar saliência no frontispício da construção ou ficar engasgada entre paredes da mesma, compreendendo então espaço coberto reentrante. Outros autores como Bittar e Veríssimo assim caracterizam: Varanda – área de transição entre o espaço externo e o interno, podendo ou não ter cobertura. Alpendre – corredor envolto de um lado por uma parede com aberturas, do outro por seqüência de colunas.
No caso em pauta essa área é por conseqüência um alpendre, e, no máximo aquilo descrito como varanda seria um alpendre saliente, conforme Corona e Lemos, ou simplesmente, um avançamento, uma vez que não está engasgado entre paredes, reiteramos, alpendre e varanda são termos excludentes, ou é uma coisa ou outra.
Vista a questão da terminologia arquitetônica passemos à questão da inclusão da “pedra cúbica” na planta. A pedra cúbica é objeto de longas digressões entre os maçons, que resumo, em sua essência é a meta por excelência a ser alcançada, imagem alegórica da instrução nos mistérios maçônicos, assim o Aprendiz é Pedra Bruta cujas arestas devem ser removidas, na do Companheiro será burilada, e na do Mestre será Polida. Fontes bibliográficas maçônicas consultadas, de autoridades como Jules Boucher, Rizzardo da Camino 33º e Joaquim Gervásio de Figueiredo 33º ao comentarem sobre a pedra cúbica deixam claro que ela só está representada no Painel do Aprendiz e no do Companheiro, mantidos na Câmara das Reflexões; mesmo assim ela aparece apenas na forma da Pedra Cúbica Pontiaguda encimada pelo machado, colocada assim como sub ascia, indicando seu caráter sagrado, ali a pedra cúbica é encimada por uma pirâmide que a resguarda da água como força dissolvente e pelo machado contra o fogo, como força sublimável. Ora, se ela nunca é representada, ela É, uma vez que é uma meta ao longo de toda a existência do maçom e não há o menor senso de um Mestre como Ottokar Dörfell representá-la na planta, aquela saliência no alpendre é a cabeça ou testa do compasso, a parte do compasso acima da charneira simbolicamente é a junção das hastes expressando a união,enquanto as hastes a dualidade, assim o absoluto e o relativo; o compasso aberto em 90º realiza integralmente o equilíbrio entre espírito e matéria. No mais é como foi comentado anteriormente, a planta baixa em “ L “ reproduz o Esquadro , que por ter o ângulo reto criando 90º representa a ação do homem sobre a matéria e simbolicamente sobre si mesmo, assim equilíbrio e harmonia. Deixemos então claro, Ottokar representou o esquadro e o compasso, que em conjunto representam O Grande Arquiteto do Universo, pelo que se diz: o verdadeiro maçom se encontra sempre entre o esquadro e o compasso.
O que poderia ser uma pedra no caminho, no caso “cúbica”, pode ser afastada sem tropeços, revelou-se apenas simples calhau.
 
Walter de Queiroz Guerreiro
Historiador e Crítico de Arte ( ABCA/AICA).
Walter de Queiroz Guerreiro
Enviado por Walter de Queiroz Guerreiro em 28/06/2014
Reeditado em 18/04/2018
Código do texto: T4861535
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