GOSTARIA

Gostaria... gostaria de falar sobre o Belo, não o belo para mim mas para os outros, uma contradição pois gosto não se discute, será mesmo? e não pretendo polemizar em assunto tão complexo.

Gostaria de voltar ao tempo de Baudelaire, quando a fotografia engatinhava, e ele, o maior crítico de arte de seu tempo discutia a validade do processo, o desejo do artista surpreender e do público de ser surpreendido, aí começando a debater: como o Belo é surpreendente seria absurdo supor que o que é surpreendente é sempre belo? Daí ter dito: “ é uma felicidade maravilhar-se, mas também é uma felicidade sonhar”.

Gostaria de dizer que o belo é um jogo tramado entre o que o artista apresenta, com toda sua bagagem, suas experiências vividas na realidade, e nas fantasias de seu olhar sobre o mundo, enxergando o belo e o feio sob uma única ótica, a sua; do outro lado nós, como inocentes (?) observadores, enxergando variações de uma coisa sob outro olhar, o da poesia, que não é espontânea, é algo construído e pensado, subjetivo, um olhar de algo como algo, jogada aberta como nosso próprio reflexo num espelho.

Gostaria de não ter imaginação, mas ela me persegue como um místico, vejo qualidades na imagem como no próprio ser que ela retrata, vejo o belo como identidade em algo para o qual o artista acenou, uma possibilidade entre muitas não importando se a verdadeira, pois ela é a minha verdade.

Gostaria de poetar, de falar sobre o enigma das portas fechadas e das janelas abertas, de jovens nuas no frescor dos anos, o encanto e o fascínio de corpos desnudos, das bicicletas à espera de um inesperado impulso de procurar alguém, talvez desse amor que se esvai.

E da calmaria no céu azul como infinito manifesto, e nuvens, nuvens finas como lâminas, do Sirocco soprando forte a duna do deserto magrebino, carregando a fina areia e as aventuras de Simbad o marujo, nos sonhos das caravanas e da imensidão desértica, apenas povoada pelo romance do Sheik de Agadir, Rodolfo Valentino como improvável sedutor de um tempo passado; do outro lado do mundo o vento gelado da Patagônia açoitando o deserto, os guanacos atentos, a vista encoberta pelas nuvens da cordilheira, e as lendas sobre os gigantes fueguinos.

Gostaria de poder falar sobre os retratos, ah! Os retratos de amigos, de conhecidos e desconhecidos, tão diversos, a revelação dos rostos ou de suas máscaras sociais, emblemáticos por que representativos de vidas, e o sonho romantizado das mulheres-flor, do Art Nouveau com seus leques, plumas e véus, da natureza em seu esplendor barroco, das gavinhas das uvas se entrelaçando, da sinuosidade rococó, das conchas se abrindo e revelando não as pérolas, mas as beldades nuas, dos vasos Gallé e dos vidros opalescentes, dos moveis marchetados e dos cartazes de Alphonse Mucha, numa época em que o sonho era realidade, e aí sentir as cores cálidas do outono europeu, da abundância de frutos maduros colhidos no tempo de Dionísio, deus da vegetação, da libertação e da diversidade de formas, das cores empalidecidas, da meia-cor amarela, vermelha, alaranjada, do farfalhar do vento nas árvores e do estalar das pisadas nas folhas secas no chão, do poema de Quintana: folha ou borboleta solta no ar, o tempo... ah! La belle season...

Gostaria de falar sobre o reflexo nas águas, daqueles rios bordejados de árvores nos canais de França, do reflexo que não se entrevê na água parada dos pôlders holandeses, da ondulação no reflexo nas águas em Lençóis Maranhenses, reflexos variados que são a alma dos fotógrafos, reflexos como algo que se esquece do que não poderia acontecer, refletir é voltar atrás, flexionar, parar por um instante e ver, ver a cidade refletida nas águas como Bruges sonhando no espelho das águas de seu passado, ou em Paraty e São Francisco do Sul voltando ao Brasil colonial, reflexo nas águas prateadas onde o “ Cisne Branco,” em noite de lua singra os mares de norte a sul.

Gostaria como uma vez disse, em tempos que já vão longe, a fotógrafa Julia-Margaret Cameron “deter toda a beleza que surgia à minha frente, e por fim o desejo foi satisfeito”, sim gostaria de enquadrar o mundo como Lair Bernardoni o faz, e estimular os sonhos.

Walter de Queiroz Guerreiro

Walter de Queiroz Guerreiro
Enviado por Walter de Queiroz Guerreiro em 23/06/2014
Código do texto: T4855146
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