KANT e o Idealismo Alemão - Parte 4
Continuação...
A Crítica da Razão Prática
Antes de tudo será necessário desvincular dois conceitos que vulgar e equivocadamente são associados com frequência: a Teologia e a Religião.
A Teologia, como se sabe, é o estudo sobre a divindade, enquanto que a Religião é o exercício da crença irracional em algo ou em alguém.
Mas, como esse “alguém” geralmente é relacionado a Deus, essa junção errônea acabou se consolidando e, por isso, é assaz importante considerarmos a diferença entre ambas para um melhor entendimento da tese de Kant.
Segundo ele, a Religião não pode ser baseada na Ciência nem na Teologia. Na primeira, pelo natural e inevitável confronto entre o Materialismo empírico dos estudos e conclusões científicas contra o Idealismo religioso. Em relação à segunda, a Teologia, o embasamento não pode ocorrer em virtude da inconsistência dos argumentos, conceitos e conclusões teológicos, os quais, não raro, beiram à reles superstição, ao animismo primitivo etc.
Mas, então, se a Religião não pode se fundamentar na Teologia ou na Ciência, em que base ela poderá se lastrear?
Segundo Kant, a fé deve ser colocada longe dos domínios da Razão e como a racionalidade permeia a praticamente tudo, resta-lhe apenas a Moral como fundamento. Contudo, essa “Base Moral” deve imperiosamente ser “absoluta”, ou seja, não resultar de experiências sensoriais duvidosas, tampouco de raciocínios ou reflexões incorretos ou mal intencionados. Há que ser a Moral proveniente apenas da Intuição* inata, a priori, que nos “diz” o que é bom e o que é mal. Ou, em termos populares, da “Consciência”.
Uma Moral que tenha os seus princípios tão absolutos, tão certos e tão necessários quanto são os princípios da Matemática, por exemplo.
E para que esse tipo de Moralidade possa existir de fato, é preciso que o homem encontre uma “Ética Universal (isto é, para todos e tudo)” e necessária*, através da qual se chegue ao pleno exercício do “Senso Moral” inato e independente de fatores condicionantes e à “Razão Prática Pura”; ou seja, absoluta, correta e anterior a qualquer experiência sensorial.
É preciso que homem estabeleça que o imperativo moral que embasa a Religião seja um Imperativo Absoluto Categórico.
Mas o que vem a ser exatamente esse Imperativo Categórico que se transformou numa das colunas do pensamento kantiano?
Em toda experiência que temos com o mundo externo um fator está sempre presente: o nosso senso moral. O sentimento inevitável de que isto ou aquilo está errado, pois mesmo quando cedemos à tentação e praticamos um ato que julgamos errado, o sentimento de certo e errado está conosco.
Pois bem, o Imperativo Categórico é justamente esse sentimento que nos é inerente e que nos traz o remorso pelo erro cometido e a decisão de não repeti-lo. Em termos populares: a “mão na consciência”.
Segundo Kant:
“O Imperativo Categórico é agir como se a máxima de nossa ação fosse tornar-se, por vontade nossa, uma lei universal da natureza”.
Sabemos que temos que evitar o comportamento que se for adotado por todos impossibilitará o convívio social. Sabemos, por exemplo, que uma mentira poderia nos ser útil, mas ainda que se deseje utilizá-la, não se deseja que ela se transforme em uma Lei ou Regra geral, pois se tal acontecesse não se poderia mais confiar em absolutamente nada.
O exercício da autocensura leva ao entendimento de que uma “boa ação” é boa não apenas pelos resultados imediatos que possa trazer, mas, principalmente, porque ela não ofende ao nosso senso moral. Permite-nos ter a “consciência tranquila”.
Colocados esses argumentos, é preciso considerar que se podem questionar as teses de Kant, inclusive no tocante a sua real autoria, já que lhes perpassa certo discurso religioso; ou, então, pelo fato do mestre alemão não ter definido o que seja “Bom”, “Mal” “Certo”, “Errado” etc.
Em relação à primeira objeção provável, deve-se reconhecer que há, de fato, similitude entre as teses religiosas e as que foram estabelecidas por Kant, processo acontecido tanto pelas antigas influências Pietistas que a mãe lhe repassou, quanto pelo fato de que o Imperativo Categórico deveria ser o ideal transcendente da Religião em oposição ao que se via (ou se vê) nas degradadas liturgias e rotinas eclesiásticas. Assim, pode-se pensar que Kant pregava um retorno à pureza original do sentimento religioso.
Em relação à segunda objeção provável, deve-se atentar para o fato de que a definição de “Bom”, “Certo” etc. é praticamente impossível haja vista a relatividade desses conceitos conforme a época em que são colocados ou por quem são estabelecidos. É o caso, por exemplo, da escravidão que no passado era vista como “boa” e atualmente é justamente execrada.
Ademais, é preciso ter em mente que o pensamento kantiano prende-se à transcendência e considerar que ele trata de como sentimos intimamente os efeitos do que seja positivo ou negativo, sem descer às características temporais dos qualificativos. Por isso, aliás, ele insistiu que a Lei Moral nunca poderia vir da experiência pessoal.
Para Kant, a única coisa “realmente boa” que existe é a vontade de seguir a Lei Moral, mesmo que ao custo de contratempos e prejuízos pessoais. Em certos trechos ele chega a fazer a apologia do “Dever” em detrimento dos interesses próprios, incorporando-o ao Imperativo Categórico. Também afirma que o homem deve viver segundo esses princípios para que consiga criar uma comunidade de seres racionais**
“Moralidade não é propriamente a doutrina de como podemos nos fazer felizes, mas de como podemos nos tornar dignos da felicidade”.
No geral, a obra apresenta essas prédicas eivadas de moralidade religiosa. Também é possível observar nessa pregação, o caráter nacional alemão, que nele se manifestou com vigor no tocante à seriedade, eficiência e regularidade.
Contudo, esse retorno a um tipo de Moralidade cristã não o fez simpático ao clero e ele tampouco avalizou a religião que se praticava (ou que se pratica), escorada apenas em dogmas vazios e numa liturgia fantasiosa.
Para ele, ao se retornar à divindade e ao se optar por obedecer a Lei Moral, na verdade, está-se exercendo a mais genuína liberdade frente ao império dos desejos físicos, na medida em que ao resistir às tentações o homem se liberta dos valores e das coisas “menores”, livra-se do “mundo dos fenômenos” e sente que essa liberdade é a sua verdadeira essência.
Nota do Autor – observe-se que no parágrafo acima, a tese de Kant é quase que uma cópia integral da doutrina Budista.
O homem compreende, então, que está além e acima das Leis que ele próprio fez apenas para entender o mundo (sensorial) que experimenta. Sente a sua própria transcendência.
Ao exarar essas teses Kant não estava tomado por um ingênuo fervor místico nem por um Idealismo primário, pois sempre esteve consciente da rudeza do mundo, mas isso não lhe esmorecia o ânimo para continuar a sua pregação em favor do homem, pois como bem disseram Rosseau e Pascal, respectivamente:
“Acima da lógica da cabeça está o sentimento do coração”.
“O coração tem razões próprias que a cabeça jamais poderá compreender”.
A Teologia, como se sabe, é o estudo sobre a divindade, enquanto que a Religião é o exercício da crença irracional em algo ou em alguém.
Mas, como esse “alguém” geralmente é relacionado a Deus, essa junção errônea acabou se consolidando e, por isso, é assaz importante considerarmos a diferença entre ambas para um melhor entendimento da tese de Kant.
Segundo ele, a Religião não pode ser baseada na Ciência nem na Teologia. Na primeira, pelo natural e inevitável confronto entre o Materialismo empírico dos estudos e conclusões científicas contra o Idealismo religioso. Em relação à segunda, a Teologia, o embasamento não pode ocorrer em virtude da inconsistência dos argumentos, conceitos e conclusões teológicos, os quais, não raro, beiram à reles superstição, ao animismo primitivo etc.
Mas, então, se a Religião não pode se fundamentar na Teologia ou na Ciência, em que base ela poderá se lastrear?
Segundo Kant, a fé deve ser colocada longe dos domínios da Razão e como a racionalidade permeia a praticamente tudo, resta-lhe apenas a Moral como fundamento. Contudo, essa “Base Moral” deve imperiosamente ser “absoluta”, ou seja, não resultar de experiências sensoriais duvidosas, tampouco de raciocínios ou reflexões incorretos ou mal intencionados. Há que ser a Moral proveniente apenas da Intuição* inata, a priori, que nos “diz” o que é bom e o que é mal. Ou, em termos populares, da “Consciência”.
Uma Moral que tenha os seus princípios tão absolutos, tão certos e tão necessários quanto são os princípios da Matemática, por exemplo.
E para que esse tipo de Moralidade possa existir de fato, é preciso que o homem encontre uma “Ética Universal (isto é, para todos e tudo)” e necessária*, através da qual se chegue ao pleno exercício do “Senso Moral” inato e independente de fatores condicionantes e à “Razão Prática Pura”; ou seja, absoluta, correta e anterior a qualquer experiência sensorial.
É preciso que homem estabeleça que o imperativo moral que embasa a Religião seja um Imperativo Absoluto Categórico.
Mas o que vem a ser exatamente esse Imperativo Categórico que se transformou numa das colunas do pensamento kantiano?
Em toda experiência que temos com o mundo externo um fator está sempre presente: o nosso senso moral. O sentimento inevitável de que isto ou aquilo está errado, pois mesmo quando cedemos à tentação e praticamos um ato que julgamos errado, o sentimento de certo e errado está conosco.
Pois bem, o Imperativo Categórico é justamente esse sentimento que nos é inerente e que nos traz o remorso pelo erro cometido e a decisão de não repeti-lo. Em termos populares: a “mão na consciência”.
Segundo Kant:
“O Imperativo Categórico é agir como se a máxima de nossa ação fosse tornar-se, por vontade nossa, uma lei universal da natureza”.
Sabemos que temos que evitar o comportamento que se for adotado por todos impossibilitará o convívio social. Sabemos, por exemplo, que uma mentira poderia nos ser útil, mas ainda que se deseje utilizá-la, não se deseja que ela se transforme em uma Lei ou Regra geral, pois se tal acontecesse não se poderia mais confiar em absolutamente nada.
O exercício da autocensura leva ao entendimento de que uma “boa ação” é boa não apenas pelos resultados imediatos que possa trazer, mas, principalmente, porque ela não ofende ao nosso senso moral. Permite-nos ter a “consciência tranquila”.
Colocados esses argumentos, é preciso considerar que se podem questionar as teses de Kant, inclusive no tocante a sua real autoria, já que lhes perpassa certo discurso religioso; ou, então, pelo fato do mestre alemão não ter definido o que seja “Bom”, “Mal” “Certo”, “Errado” etc.
Em relação à primeira objeção provável, deve-se reconhecer que há, de fato, similitude entre as teses religiosas e as que foram estabelecidas por Kant, processo acontecido tanto pelas antigas influências Pietistas que a mãe lhe repassou, quanto pelo fato de que o Imperativo Categórico deveria ser o ideal transcendente da Religião em oposição ao que se via (ou se vê) nas degradadas liturgias e rotinas eclesiásticas. Assim, pode-se pensar que Kant pregava um retorno à pureza original do sentimento religioso.
Em relação à segunda objeção provável, deve-se atentar para o fato de que a definição de “Bom”, “Certo” etc. é praticamente impossível haja vista a relatividade desses conceitos conforme a época em que são colocados ou por quem são estabelecidos. É o caso, por exemplo, da escravidão que no passado era vista como “boa” e atualmente é justamente execrada.
Ademais, é preciso ter em mente que o pensamento kantiano prende-se à transcendência e considerar que ele trata de como sentimos intimamente os efeitos do que seja positivo ou negativo, sem descer às características temporais dos qualificativos. Por isso, aliás, ele insistiu que a Lei Moral nunca poderia vir da experiência pessoal.
Para Kant, a única coisa “realmente boa” que existe é a vontade de seguir a Lei Moral, mesmo que ao custo de contratempos e prejuízos pessoais. Em certos trechos ele chega a fazer a apologia do “Dever” em detrimento dos interesses próprios, incorporando-o ao Imperativo Categórico. Também afirma que o homem deve viver segundo esses princípios para que consiga criar uma comunidade de seres racionais**
“Moralidade não é propriamente a doutrina de como podemos nos fazer felizes, mas de como podemos nos tornar dignos da felicidade”.
No geral, a obra apresenta essas prédicas eivadas de moralidade religiosa. Também é possível observar nessa pregação, o caráter nacional alemão, que nele se manifestou com vigor no tocante à seriedade, eficiência e regularidade.
Contudo, esse retorno a um tipo de Moralidade cristã não o fez simpático ao clero e ele tampouco avalizou a religião que se praticava (ou que se pratica), escorada apenas em dogmas vazios e numa liturgia fantasiosa.
Para ele, ao se retornar à divindade e ao se optar por obedecer a Lei Moral, na verdade, está-se exercendo a mais genuína liberdade frente ao império dos desejos físicos, na medida em que ao resistir às tentações o homem se liberta dos valores e das coisas “menores”, livra-se do “mundo dos fenômenos” e sente que essa liberdade é a sua verdadeira essência.
Nota do Autor – observe-se que no parágrafo acima, a tese de Kant é quase que uma cópia integral da doutrina Budista.
O homem compreende, então, que está além e acima das Leis que ele próprio fez apenas para entender o mundo (sensorial) que experimenta. Sente a sua própria transcendência.
Ao exarar essas teses Kant não estava tomado por um ingênuo fervor místico nem por um Idealismo primário, pois sempre esteve consciente da rudeza do mundo, mas isso não lhe esmorecia o ânimo para continuar a sua pregação em favor do homem, pois como bem disseram Rosseau e Pascal, respectivamente:
“Acima da lógica da cabeça está o sentimento do coração”.
“O coração tem razões próprias que a cabeça jamais poderá compreender”.
A Razão e a Religião
Crítica da Faculdade de Julgar e A Religião dentro dos limites da Razão Pura
Quando Kant proclamou a sua teoria acerca da Lei Moral ele se opôs de modo direto, mas talvez não intencional ao clero ortodoxo e aos adeptos da chamada “Teologia Racional” que buscavam (inutilmente, diga-se) vincular a crença com a racionalidade.
Para esses “doutores” da igreja, a religiosidade que Kant havia endossado e que se baseava apenas na fé e na esperança, parecia um reles animismo primitivo, indigno da civilização de que eles se julgavam o ápice por serem os representantes de Deus (sic). Ademais essa posição de “representantes” conferia-lhes poder, status e fortuna e ao ver que a ameaçavam, reagiram com virulência.
Por outro lado, os Governantes que tinham na Religião um poderoso instrumento de controle social também se sentiram incomodados com o discurso kantiano, pois lhe viam como uma semente para futuros questionamentos sobre a legitimidade de seu poder e de seus atos.
O leitor (a) pode perceber, então, a magnitude das forças opositoras com que Kant teve que se confrontar. Todavia, não obstante os seus sessenta e seis de idade, a sua frágil compleição física, a sua pequena fortuna e a sua personalidade tímida, ele não se intimidou e nem recuou em suas opiniões.
Ao contrário do que imaginavam aqueles que tentaram intimidá-lo, ele escreveu mais dois livros sobre o assunto e com isso criou, ou reforçou, as bases para o futuro laicismo do Estado e para a relativização dos dogmas religiosos. Na sequência analisaremos brevemente esses textos.
O primeiro livro recebeu o nome de Crítica da Faculdade de Julgar (Crítica do Juízo) e nele o autor retoma a discussão sobre a chamada “Prova Teleológica*” da existência de Deus, que ele já havia rejeitado na Crítica da Razão Pura por julgá-la insuficiente.
Nesta, ele relaciona “Planejamento” e “Beleza”, pois, segundo a sua ótica, o “Belo” revelaria através de sua simetria e unidade que teria sido “planejado” por alguma inteligência.
No curso do texto, ele afirma que muitos dos objetos da natureza exibem, com efeito, essa “beleza (utilidade, propriedade)” e isso cria a sensação de haver um verdadeiro projeto (divino) na construção do mundo. Porém, também existem na natureza várias anomalias, desperdícios, casos de repetições, de multiplicações inúteis, deformidades, caos etc. E com isso se percebe que o projeto (divino) que se imaginou, não existe, tratando-se, antes, de uma simples aparência falsa.
A partir dessa constatação, ele conclui que aquele “simulacro de um projeto**” não serve, pois, como prova inquestionável da existência do divino.
** Nota do Autor – embora Kant julgasse que o “planejamento perfeito divino” fosse uma falácia, ele acreditava existir algum planejamento que propiciava o ordenamento da natureza, apesar das irregularidades que a mesma ostenta. E que se tal planejamento não servia para provar a existência de Deus, serviria ao menos para que os cientistas pudessem chegar a algumas respostas através de seu estudo. Para ele, tal projeto seria “interno” e associado apenas às partes, mas ainda assim, seria importante estudar-lhe, pois ao se desvendar os mistérios parciais, poder-se-ia desvendar num segundo momento, os mistérios do todo.
A continuidade dessa negação, iniciada na primeira Crítica, custou-lhe algum constrangimento, pois ele já não vivia sob a proteção do Imperador Frederico, o Grande, que, enquanto viveu, assegurou-lhe o direito de expor livremente as suas discordâncias da “Verdade” proclamada pela Religião oficial.
E, Frederico Guilherme II, o sucessor do magnânimo imperador, por ter franca aversão às políticas e ideias liberais, taxando-as de impatrióticas e eivadas do Iluminismo francês, não tardou em aplicar-lhe algumas sanções governamentais. Nada, porém, que o fizesse desistir e após três anos, já então com sessenta e nove de idade, ele escreveu o que alguns consideram o seu livro mais ousado: A Religião dentro dos limites da Razão Pura.
Prosseguindo em sua censura contra a ortodoxia funesta e má intencionada, ele destaca nesse livro que como a religião não pode ter como embasamento a Razão Teórica, mas apenas a Razão Prática do senso moral, qualquer Bíblia ou revelação deve ser julgada pela sua moralidade, sem que ela se arrogue o direito de ser ela mesma o Juiz dos homens, pois os dogmas e as igrejas só tem valor enquanto auxiliam a desenvolver a ética humana.
Para ele, quanto mais liturgias e cerimônias usurpam a prioridade da excelência moral, menos sincera é a crença, pois a igreja verdadeira deve ser uma comunidade em que as pessoas se unem pela devoção à Lei Moral.
Foi, aliás, para criar esse tipo de comunidade que Jesus Cristo teria vindo ao mundo. Foi essa a igreja que ele planejou contra eclesiasticismo dos fariseus, mas outro eclesiasticismo soterrou essa nobre intenção e nas palavras de Kant: “Cristo trouxe o reino de Deus para mais perto da Terra; mas foi mal interpretado, e em lugar do reino de Deus estabeleceu-se entre nós o reino do padre”.
Credo e ritual substituíram a “boa nova” e em vez dos homens ficarem unidos pela religião, dividiram-se em mil seitas. Ademais, não se tem o menor pejo em se “exigir” milagres, como se Deus fosse um mero doador de benesses e de nada servissem as Leis da Natureza, as quais estariam sujeitas ao poder das orações e dos interesses individuais. Contudo, o nadir (o ponto mais baixo) da Religião acontece quando ela se vende ao Poder político e se torna um instrumento de repressão e de controle nas mãos de um governo corrupto, maléfico, ilegítimo etc.
Como se vê, foram censuras pesadas não só aos religiosos, mas também aos Governantes que se utilizam do sentimento religioso para dominar e repremir os legítimos anseios do povo.
E por conta dessas críticas, o Ministro da Educação** não tardou em iniciar a perseguição contra Kant, que, por sua vez, novamente não se intimidou e ante a impossibilidade de o jornal Berliner Nonatsschrift fazer a publicação prevista devido à interdição ministerial, ele remeteu o manuscrito para amigos em Jena (cidade e universidade na Prússia) e, através deles, publicou-o na imprensa daquela universidade, ao abrigo do liberal duque de Weimar, que à época também protegia a Goethe.
Nota do Autor - Wollner**, um fanático pietista mal intencionado, que subiu ao posto em 1788 e logo em seguida proibiu todos os colégios e universidades de ministrarem qualquer ensinamento que pudesse confrontar as “Sagradas Escrituras”.
A publicação acirrou os ânimos do governo e em 1794, Kant recebeu a seguinte reprimenda:
“Nossa altíssima pessoa ficou muitíssimo contrariada ao observar que fazeis mau*** uso de vossa filosofia para solapar e destruir muitas das mais importantes e fundamentais doutrinas das Sagradas Escrituras e do Cristianismo. Ordenamos uma imediata explicação correta e esperamos que, no futuro, não mais provoqueis uma ofensa dessas, mas, isso sim, de acordo com o vosso dever, que empregueis vossos talentos e autoridade a fim de que o nosso propósito paternal possa ser alcançado cada vez mais. Se continuardes a vos opor a esta ordem, podereis esperar consequências desagradáveis”.
Kant nada respondeu. Era desnecessário.
Nota do Autor – mau ***,mantida a ortografia original
Quando Kant proclamou a sua teoria acerca da Lei Moral ele se opôs de modo direto, mas talvez não intencional ao clero ortodoxo e aos adeptos da chamada “Teologia Racional” que buscavam (inutilmente, diga-se) vincular a crença com a racionalidade.
Para esses “doutores” da igreja, a religiosidade que Kant havia endossado e que se baseava apenas na fé e na esperança, parecia um reles animismo primitivo, indigno da civilização de que eles se julgavam o ápice por serem os representantes de Deus (sic). Ademais essa posição de “representantes” conferia-lhes poder, status e fortuna e ao ver que a ameaçavam, reagiram com virulência.
Por outro lado, os Governantes que tinham na Religião um poderoso instrumento de controle social também se sentiram incomodados com o discurso kantiano, pois lhe viam como uma semente para futuros questionamentos sobre a legitimidade de seu poder e de seus atos.
O leitor (a) pode perceber, então, a magnitude das forças opositoras com que Kant teve que se confrontar. Todavia, não obstante os seus sessenta e seis de idade, a sua frágil compleição física, a sua pequena fortuna e a sua personalidade tímida, ele não se intimidou e nem recuou em suas opiniões.
Ao contrário do que imaginavam aqueles que tentaram intimidá-lo, ele escreveu mais dois livros sobre o assunto e com isso criou, ou reforçou, as bases para o futuro laicismo do Estado e para a relativização dos dogmas religiosos. Na sequência analisaremos brevemente esses textos.
O primeiro livro recebeu o nome de Crítica da Faculdade de Julgar (Crítica do Juízo) e nele o autor retoma a discussão sobre a chamada “Prova Teleológica*” da existência de Deus, que ele já havia rejeitado na Crítica da Razão Pura por julgá-la insuficiente.
Nesta, ele relaciona “Planejamento” e “Beleza”, pois, segundo a sua ótica, o “Belo” revelaria através de sua simetria e unidade que teria sido “planejado” por alguma inteligência.
No curso do texto, ele afirma que muitos dos objetos da natureza exibem, com efeito, essa “beleza (utilidade, propriedade)” e isso cria a sensação de haver um verdadeiro projeto (divino) na construção do mundo. Porém, também existem na natureza várias anomalias, desperdícios, casos de repetições, de multiplicações inúteis, deformidades, caos etc. E com isso se percebe que o projeto (divino) que se imaginou, não existe, tratando-se, antes, de uma simples aparência falsa.
A partir dessa constatação, ele conclui que aquele “simulacro de um projeto**” não serve, pois, como prova inquestionável da existência do divino.
** Nota do Autor – embora Kant julgasse que o “planejamento perfeito divino” fosse uma falácia, ele acreditava existir algum planejamento que propiciava o ordenamento da natureza, apesar das irregularidades que a mesma ostenta. E que se tal planejamento não servia para provar a existência de Deus, serviria ao menos para que os cientistas pudessem chegar a algumas respostas através de seu estudo. Para ele, tal projeto seria “interno” e associado apenas às partes, mas ainda assim, seria importante estudar-lhe, pois ao se desvendar os mistérios parciais, poder-se-ia desvendar num segundo momento, os mistérios do todo.
A continuidade dessa negação, iniciada na primeira Crítica, custou-lhe algum constrangimento, pois ele já não vivia sob a proteção do Imperador Frederico, o Grande, que, enquanto viveu, assegurou-lhe o direito de expor livremente as suas discordâncias da “Verdade” proclamada pela Religião oficial.
E, Frederico Guilherme II, o sucessor do magnânimo imperador, por ter franca aversão às políticas e ideias liberais, taxando-as de impatrióticas e eivadas do Iluminismo francês, não tardou em aplicar-lhe algumas sanções governamentais. Nada, porém, que o fizesse desistir e após três anos, já então com sessenta e nove de idade, ele escreveu o que alguns consideram o seu livro mais ousado: A Religião dentro dos limites da Razão Pura.
Prosseguindo em sua censura contra a ortodoxia funesta e má intencionada, ele destaca nesse livro que como a religião não pode ter como embasamento a Razão Teórica, mas apenas a Razão Prática do senso moral, qualquer Bíblia ou revelação deve ser julgada pela sua moralidade, sem que ela se arrogue o direito de ser ela mesma o Juiz dos homens, pois os dogmas e as igrejas só tem valor enquanto auxiliam a desenvolver a ética humana.
Para ele, quanto mais liturgias e cerimônias usurpam a prioridade da excelência moral, menos sincera é a crença, pois a igreja verdadeira deve ser uma comunidade em que as pessoas se unem pela devoção à Lei Moral.
Foi, aliás, para criar esse tipo de comunidade que Jesus Cristo teria vindo ao mundo. Foi essa a igreja que ele planejou contra eclesiasticismo dos fariseus, mas outro eclesiasticismo soterrou essa nobre intenção e nas palavras de Kant: “Cristo trouxe o reino de Deus para mais perto da Terra; mas foi mal interpretado, e em lugar do reino de Deus estabeleceu-se entre nós o reino do padre”.
Credo e ritual substituíram a “boa nova” e em vez dos homens ficarem unidos pela religião, dividiram-se em mil seitas. Ademais, não se tem o menor pejo em se “exigir” milagres, como se Deus fosse um mero doador de benesses e de nada servissem as Leis da Natureza, as quais estariam sujeitas ao poder das orações e dos interesses individuais. Contudo, o nadir (o ponto mais baixo) da Religião acontece quando ela se vende ao Poder político e se torna um instrumento de repressão e de controle nas mãos de um governo corrupto, maléfico, ilegítimo etc.
Como se vê, foram censuras pesadas não só aos religiosos, mas também aos Governantes que se utilizam do sentimento religioso para dominar e repremir os legítimos anseios do povo.
E por conta dessas críticas, o Ministro da Educação** não tardou em iniciar a perseguição contra Kant, que, por sua vez, novamente não se intimidou e ante a impossibilidade de o jornal Berliner Nonatsschrift fazer a publicação prevista devido à interdição ministerial, ele remeteu o manuscrito para amigos em Jena (cidade e universidade na Prússia) e, através deles, publicou-o na imprensa daquela universidade, ao abrigo do liberal duque de Weimar, que à época também protegia a Goethe.
Nota do Autor - Wollner**, um fanático pietista mal intencionado, que subiu ao posto em 1788 e logo em seguida proibiu todos os colégios e universidades de ministrarem qualquer ensinamento que pudesse confrontar as “Sagradas Escrituras”.
A publicação acirrou os ânimos do governo e em 1794, Kant recebeu a seguinte reprimenda:
“Nossa altíssima pessoa ficou muitíssimo contrariada ao observar que fazeis mau*** uso de vossa filosofia para solapar e destruir muitas das mais importantes e fundamentais doutrinas das Sagradas Escrituras e do Cristianismo. Ordenamos uma imediata explicação correta e esperamos que, no futuro, não mais provoqueis uma ofensa dessas, mas, isso sim, de acordo com o vosso dever, que empregueis vossos talentos e autoridade a fim de que o nosso propósito paternal possa ser alcançado cada vez mais. Se continuardes a vos opor a esta ordem, podereis esperar consequências desagradáveis”.
Kant nada respondeu. Era desnecessário.
Nota do Autor – mau ***,mantida a ortografia original
A Política e a Paz
Como se viu, as reflexões, as opiniões e a exposição que Kant fez acerca da Religião renderam-lhe repreensões e perseguições. Porém, esses incômodos não atingiram limites extremos graças a sua idade e a respeitabilidade que ele havia alcançado; e é provável que as suas posições acabassem sendo esquecidas pelo Governo se ele não juntasse às mesmas as suas lucubrações a respeito da Política.
Ardoroso adepto da Revolução Política e nos costumes e vigoroso defensor da Revolução Francesa que em 1788 assustou as monarquias europeias, Kant mostrou uma face inesperada para alguém de sessenta e cinco anos de idade e diferente da quase totalidade de seus colegas professores que não titubearam em demonstrar apoio à monarquia enquanto forma legitima de governo e, em particular, ao seu soberano Frederico Guilherme II.
Mas o ideal revolucionário de Kant não teve inicio com a revolta na França, pois já em 1784 ele publicou um resumo de sua teoria política no livro intitulado “O Principio Natural da Ordem Política Considerado em Conexão com a Ideia de uma História Cosmopolita Universal”.
Ele inicia as suas reflexões discordando nesse ponto de seu ídolo Rosseau, pois a seu ver é a luta de cada indivíduo contra tudo e contra todos que faz o homem desenvolver as suas habilidades. A luta, pois, seria indispensável para o progresso humano, sendo que ela acontece por imposição da própria Lei Natural, já que se os homens vivessem “na paz dos cemitérios” nenhum desenvolvimento haveria.
Em suas palavras:
“Demos graças, pois, à natureza por essa insociabilidade, por esse ciúme e essa vaidade invejosos, por esse insatisfeito desejo de posse e poder. (...) O homem deseja a concórdia, mas a natureza é quem sabe o que é bom para a sua espécie; e ela deseja a discórdia, a fim de que o homem possa ser impelido a um novo emprego de seus poderes e a um maior desenvolvimento de suas capacidades naturais”.
Contudo, apesar dessa apologia à competição, Kant lembrava que essa luta entre os homens teve de ser regulada em certos padrões e limites para evitar que o seu excesso destruísse os benefícios que havia fomentado, surgindo daí a chamada “Sociedade Civil”.
Enquanto essa teoria tratava apenas dos indivíduos, as censuras que granjeou embutiram-se naquelas de ordem religiosa, haja vista que ela se contrapunha à ideia de um homem “feito à imagem e semelhança de Deus”; à concepção de que esse mesmo homem fazia parte de uma “espécie eleita” que plaina acima das Leis da Natureza etc.
Porém, quando ele equiparou o comportamento das Nações com o dos indivíduos e elevou esse mesmo principio para as chamadas “Questões de Estado” as investidas governamentais não tardaram, pois junto com a pregação de que a exemplo dos indivíduos que se organizaram em uma “Sociedade”, as Nações também deveriam se organizar para que lhes fosse disciplinado o comportamento, evitando-se, assim, a barbárie da exploração, da guerra e de outras mazelas que a belicosidade interesseira dos Estados promovem amiúde (uma previsão para ONU?).
Não é difícil, portanto, imaginar o mal estar que essa prédica causou, pois além dos aspectos subjetivos como os tolos valores da “honra lavada em sangue”, do “patriotismo ufano” etc. outras questões de ordem prática contribuíram para o incômodo causado, já que a guerra atende aos escusos interesses concretos dos soberanos, dos militares, do clero e outros que através da luta auferem poder e riqueza graças ao aumento na taxação e/ou com a partilha dos despojos conquistados ao inimigo vencido.
Mas novamente Kant não se intimidou com as pressões e prosseguiu com suas críticas contra os gastos militares em prejuízo das verbas destinadas a Educação, colocando uma questão que ainda hoje não foi solucionada. Em suas palavras:
“Nossos governantes não tem dinheiro para gastar na educação pública (...) porque todos os seus recursos já estão aplicados na conta para a próxima guerra”.
E, assim, ele prosseguiu, demonstrando uma coragem que beirava a audácia, já que foi a sua pátria natal que iniciou a formação de exércitos permanentes, os quais, aliás, mereceram-lhe a seguinte definição:
“Exércitos permanentes excitam os Estados, levando-os a sobrepujar uns aos outros no número de homens armados, que não tem limite. Devido às despesas provocadas por essas situações, a paz se torna em longo prazo mais opressiva do que uma guerra curta; e os exércitos permanentes são, assim, a causa de guerras agressivas feitas com o fim de acabar com esses ônus”.
Posteriormente, seguindo em sua cruzada, ele publicou, em 1795, o Ensaio intitulado “A Paz Eterna” que se constitui de um belo desenvolvimento do tema.
Nota do Autor – a teoria kantiana a principio destoa da imagem rotineira que se faz do filósofo. Um homem pacato e talvez até medroso. Mas a sua colocação demonstrou a grandeza de seu espírito, apesar da rejeição que tal tese sofreu e ainda sofre por parte daqueles que são amestrados a se resignarem conforme as ordens religiosas. Posteriormente outro filósofo alemão, Nietzsche, retomou esse discurso sofrendo as mesmas restrições.
Ardoroso adepto da Revolução Política e nos costumes e vigoroso defensor da Revolução Francesa que em 1788 assustou as monarquias europeias, Kant mostrou uma face inesperada para alguém de sessenta e cinco anos de idade e diferente da quase totalidade de seus colegas professores que não titubearam em demonstrar apoio à monarquia enquanto forma legitima de governo e, em particular, ao seu soberano Frederico Guilherme II.
Mas o ideal revolucionário de Kant não teve inicio com a revolta na França, pois já em 1784 ele publicou um resumo de sua teoria política no livro intitulado “O Principio Natural da Ordem Política Considerado em Conexão com a Ideia de uma História Cosmopolita Universal”.
Ele inicia as suas reflexões discordando nesse ponto de seu ídolo Rosseau, pois a seu ver é a luta de cada indivíduo contra tudo e contra todos que faz o homem desenvolver as suas habilidades. A luta, pois, seria indispensável para o progresso humano, sendo que ela acontece por imposição da própria Lei Natural, já que se os homens vivessem “na paz dos cemitérios” nenhum desenvolvimento haveria.
Em suas palavras:
“Demos graças, pois, à natureza por essa insociabilidade, por esse ciúme e essa vaidade invejosos, por esse insatisfeito desejo de posse e poder. (...) O homem deseja a concórdia, mas a natureza é quem sabe o que é bom para a sua espécie; e ela deseja a discórdia, a fim de que o homem possa ser impelido a um novo emprego de seus poderes e a um maior desenvolvimento de suas capacidades naturais”.
Contudo, apesar dessa apologia à competição, Kant lembrava que essa luta entre os homens teve de ser regulada em certos padrões e limites para evitar que o seu excesso destruísse os benefícios que havia fomentado, surgindo daí a chamada “Sociedade Civil”.
Enquanto essa teoria tratava apenas dos indivíduos, as censuras que granjeou embutiram-se naquelas de ordem religiosa, haja vista que ela se contrapunha à ideia de um homem “feito à imagem e semelhança de Deus”; à concepção de que esse mesmo homem fazia parte de uma “espécie eleita” que plaina acima das Leis da Natureza etc.
Porém, quando ele equiparou o comportamento das Nações com o dos indivíduos e elevou esse mesmo principio para as chamadas “Questões de Estado” as investidas governamentais não tardaram, pois junto com a pregação de que a exemplo dos indivíduos que se organizaram em uma “Sociedade”, as Nações também deveriam se organizar para que lhes fosse disciplinado o comportamento, evitando-se, assim, a barbárie da exploração, da guerra e de outras mazelas que a belicosidade interesseira dos Estados promovem amiúde (uma previsão para ONU?).
Não é difícil, portanto, imaginar o mal estar que essa prédica causou, pois além dos aspectos subjetivos como os tolos valores da “honra lavada em sangue”, do “patriotismo ufano” etc. outras questões de ordem prática contribuíram para o incômodo causado, já que a guerra atende aos escusos interesses concretos dos soberanos, dos militares, do clero e outros que através da luta auferem poder e riqueza graças ao aumento na taxação e/ou com a partilha dos despojos conquistados ao inimigo vencido.
Mas novamente Kant não se intimidou com as pressões e prosseguiu com suas críticas contra os gastos militares em prejuízo das verbas destinadas a Educação, colocando uma questão que ainda hoje não foi solucionada. Em suas palavras:
“Nossos governantes não tem dinheiro para gastar na educação pública (...) porque todos os seus recursos já estão aplicados na conta para a próxima guerra”.
E, assim, ele prosseguiu, demonstrando uma coragem que beirava a audácia, já que foi a sua pátria natal que iniciou a formação de exércitos permanentes, os quais, aliás, mereceram-lhe a seguinte definição:
“Exércitos permanentes excitam os Estados, levando-os a sobrepujar uns aos outros no número de homens armados, que não tem limite. Devido às despesas provocadas por essas situações, a paz se torna em longo prazo mais opressiva do que uma guerra curta; e os exércitos permanentes são, assim, a causa de guerras agressivas feitas com o fim de acabar com esses ônus”.
Posteriormente, seguindo em sua cruzada, ele publicou, em 1795, o Ensaio intitulado “A Paz Eterna” que se constitui de um belo desenvolvimento do tema.
Nota do Autor – a teoria kantiana a principio destoa da imagem rotineira que se faz do filósofo. Um homem pacato e talvez até medroso. Mas a sua colocação demonstrou a grandeza de seu espírito, apesar da rejeição que tal tese sofreu e ainda sofre por parte daqueles que são amestrados a se resignarem conforme as ordens religiosas. Posteriormente outro filósofo alemão, Nietzsche, retomou esse discurso sofrendo as mesmas restrições.
A República
Para Kant, um dos motivos para o incremento do militarismo devia-se à ganância despertada pelas riquezas descobertas na África, nas Américas e na Ásia. O desejo pelo butim incentivava a belicosidade que naturalmente já existe nos homens destituídos de cultura e de ética.
Comportamento beligerante que lhe causava uma enorme repulsa não só pelo próprio, mas também por escancarar a hipocrisia daqueles que se autoproclamavam “civilizados” e “religiosos”. Em suas palavras:
“Se compararmos os casos bárbaros de inospitabilidade (...) com o comportamento desumano dos Estados civilizados e, em especial, comerciais de nosso continente, a injustiça cometida contra eles, mesmo em seu primeiro contato com terras e povos estrangeiros, nos encherá de horror; a mera visita a esses povos era considerada por eles como o equivalente a uma conquista. A América, as terras dos pretos, as ilhas das especiarias, o cabo da Boa Esperança etc., ao serem descobertos, foram tratados como países que não pertenciam a ninguém, porque os habitantes aborígines eram considerados como se nada fossem (...). E tudo isso tem sido feito por nações que fazem um grande alarde sobre a sua piedade e que, enquanto bebem a iniquidade como se fosse água, consideram-se os próprios eleitos da fé ortodoxa”.
Ademais, a ambição desmedida em pilhar também se mostrava ávara, vez que o butim e o resultado da exploração colonial eram reservados apenas à elite, restando ao homem comum a duvidosa honra de matar e morrer “por seu Rei ou por sua pátria”.
Para o filósofo, tal comportamento provinha diretamente da típica forma de governo da época, ou seja, a Monarquia Absolutista amparada no falacioso argumento do “Direito Divino”.
Assim sendo, em sua opinião, seria indispensável substituir esse regime pela República, pois se todos participassem do Poder Político os espólios das roubalheiras e explorações coloniais seriam diminuídos substancialmente em nível individual e isto, certamente, também reduziria a cobiça dos mandatários. Passaria, pois, a ser uma tentação resistível.
A esse respeito, aliás, o “Primeiro Artigo Definitivo” de sua obra “A Paz Eterna” proclama que:
“A constituição civil de todo Estado será republicana e a guerra só será declarada por um / plebiscito de todos os cidadãos”.
Afinal, quando aqueles que são forçados a matar e a morrer tiverem o direito de optar, o caminho das armas será o menos trilhado, ao contrário da situação em que se vivia, quando quem decidia pela guerra estava livre de lhe sofrer as agruras e as consequências diretas.
E a pregação de Kant revigorou-se quando em 1795 a Revolução venceu as forças reacionárias e ele pode imaginar que o Sistema Republicano se espalharia pelo continente, plasmando o seu desejo de que não mais se privilegiasse o indivíduo por conta de sua origem e nem que a ele fossem concedidos direitos usurpados aos demais. Uma sociedade que garantisse oportunidades iguais a todos através de um ensino universal de qualidade; de melhoras substâncias no atendimento à saúde, nas condições de infraestrutura e de bem estar alimentar e cultural etc.
Uma sociedade que tendo atendida as suas necessidades básicas, pudesse praticar a sua natural solidariedade e generosidade, tornando-as parte integrante do Imperativo Categórico sem o qual a piedade religiosa não passa de uma triste farsa.
Infelizmente grande parte de seus sonhos e desejos ainda não se realizaram, mas é importante reconhecer que alguns passos foram dados no bom caminho, sendo que há, no mínimo, o crescimento da conscientização da validade dessas aspirações.
Na sequência, para finalizarmos o capitulo dedicado a Kant faremos algumas observações acerca de suas ideias.
Comportamento beligerante que lhe causava uma enorme repulsa não só pelo próprio, mas também por escancarar a hipocrisia daqueles que se autoproclamavam “civilizados” e “religiosos”. Em suas palavras:
“Se compararmos os casos bárbaros de inospitabilidade (...) com o comportamento desumano dos Estados civilizados e, em especial, comerciais de nosso continente, a injustiça cometida contra eles, mesmo em seu primeiro contato com terras e povos estrangeiros, nos encherá de horror; a mera visita a esses povos era considerada por eles como o equivalente a uma conquista. A América, as terras dos pretos, as ilhas das especiarias, o cabo da Boa Esperança etc., ao serem descobertos, foram tratados como países que não pertenciam a ninguém, porque os habitantes aborígines eram considerados como se nada fossem (...). E tudo isso tem sido feito por nações que fazem um grande alarde sobre a sua piedade e que, enquanto bebem a iniquidade como se fosse água, consideram-se os próprios eleitos da fé ortodoxa”.
Ademais, a ambição desmedida em pilhar também se mostrava ávara, vez que o butim e o resultado da exploração colonial eram reservados apenas à elite, restando ao homem comum a duvidosa honra de matar e morrer “por seu Rei ou por sua pátria”.
Para o filósofo, tal comportamento provinha diretamente da típica forma de governo da época, ou seja, a Monarquia Absolutista amparada no falacioso argumento do “Direito Divino”.
Assim sendo, em sua opinião, seria indispensável substituir esse regime pela República, pois se todos participassem do Poder Político os espólios das roubalheiras e explorações coloniais seriam diminuídos substancialmente em nível individual e isto, certamente, também reduziria a cobiça dos mandatários. Passaria, pois, a ser uma tentação resistível.
A esse respeito, aliás, o “Primeiro Artigo Definitivo” de sua obra “A Paz Eterna” proclama que:
“A constituição civil de todo Estado será republicana e a guerra só será declarada por um / plebiscito de todos os cidadãos”.
Afinal, quando aqueles que são forçados a matar e a morrer tiverem o direito de optar, o caminho das armas será o menos trilhado, ao contrário da situação em que se vivia, quando quem decidia pela guerra estava livre de lhe sofrer as agruras e as consequências diretas.
E a pregação de Kant revigorou-se quando em 1795 a Revolução venceu as forças reacionárias e ele pode imaginar que o Sistema Republicano se espalharia pelo continente, plasmando o seu desejo de que não mais se privilegiasse o indivíduo por conta de sua origem e nem que a ele fossem concedidos direitos usurpados aos demais. Uma sociedade que garantisse oportunidades iguais a todos através de um ensino universal de qualidade; de melhoras substâncias no atendimento à saúde, nas condições de infraestrutura e de bem estar alimentar e cultural etc.
Uma sociedade que tendo atendida as suas necessidades básicas, pudesse praticar a sua natural solidariedade e generosidade, tornando-as parte integrante do Imperativo Categórico sem o qual a piedade religiosa não passa de uma triste farsa.
Infelizmente grande parte de seus sonhos e desejos ainda não se realizaram, mas é importante reconhecer que alguns passos foram dados no bom caminho, sendo que há, no mínimo, o crescimento da conscientização da validade dessas aspirações.
Na sequência, para finalizarmos o capitulo dedicado a Kant faremos algumas observações acerca de suas ideias.